O cerco regulatório às big techs continuam em todo o mundo, inclusive no Brasil, cujo governo federal voltou a carga de criticas da falta de controle delas a respeito de fake news e discurso de ódio e promete regulamentação. Empresas se defendem dizendo tratar-se de censura. Em conferência na Unesco semana passada, que discutiu justamente a regulação das redes. Não houve consenso entre os participantes sobre regular a internet. O caso brasileiro foi debatido porque propõe flexibilizar o Marco Civil da Internet, de 2014 e não precisar de uma ordem judicial para tirar conteúdos desabonadores. Seria uma remoção proativa, para livrar as empresas de um processo. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, esteve na conferência da Unesco, em Paris, e defendeu a remoção de conteúdo ilegal de plataformas digitais antes mesmo de as empresas receberem ordem judicial
STF quer facilidades na obtenção de informações das postagens
Na quinta-feira (23), outra decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) diz que autoridades e órgãos de investigação podem requisitar informações diretamente de provedores de internet e plataformas digitais que tem sede no exterior, sem a necessidade de passar pela justiça. O que atinge diretamente o Twitter, Facebook e Telegram. A exclusão das postagens não isentaria as plataformas de manter o registro de acesso, pois na prática elas dificultam isso o que compromete a obtenção de provas pelas autoridades.
David Kaye, ex-relator da ONU sobre liberdade de expressão nas redes disse que punir as plataformas por conteúdo de terceiros, proposta do governo Brasileiro, irá causar autocensura dessas empresas e eliminar conteúdos que não se tem certeza se são fakes ou não, por excesso de zelo para cumprir a possível lei. Outro senão é que governos podem utilizar esse tipo de lei para perseguir opositores políticos.
Por outro lado, uma parte dos debatedores concordam com a proposta brasileira como por exemplo a jornalista filipina Marisa Ressa, prêmio Nobel da Paz, ponderando que, sem alguma responsabilização das plataformas elas continuarão a disseminar conteúdo de ódio, pornografia, terrorismo, mentiras e incitação à violência. Ela se destacou pela oposição de seu portal de noticias ao regime de extrema-direita do presidente Rodrigo Duterte, que deixou o cargo em 2022. Em seu livro recém-lançado no Brasil, “Como enfrentar um Ditador”, Marisa fala sobre a disseminação das mentiras, raiva e violência, como fatores que ajudam na ascensão de populistas de extrema-direita. A jornalista considera as invasões no Capitólio americano e na sede dos Três Poderes no Brasil, ambos por grupos de extrema-direita que não aceitaram os resultados das urnas, como exemplos de como a violência online pode se transformar em violência no mundo real. Por isso defende a regulação em curto prazo e um processo de educação a longo prazo.
Regulação das redes em outros países
Aliás, a incitação à violência voltou à tona, nos EUA, com diversos processos de pessoas físicas na justiça mirando as redes. Como o caso Gonzalez X Google. Uma família de uma jovem de 23 anos, Nohemi Gonzalez, morta num atentado terrorista em Paris em 2015, quer responsabilizar o Youtube justificando que o algoritimo da plataforma incitaria extremistas com vídeos terroristas recomendados. Pelas leis americanas, a Lei da Decência nas Comunicações, de 1996, o Google não pode ser processado pelo conteúdo de terceiros, mas a brecha é que a recomendação do algoritimo é feita pelo Google, e isso poder gerar responsabilização. A estrutura das plataformas ainda recompensam a desinformação o ódio, outro ponto a ser discutido. Os conteúdos que geram mais engajamentos normalmente são os ligados a fake news e disseminação de ódio.
Outro caso semelhante nas cortes americanas é o processo Taameneh X Twitter. Parentes da vítima de um atentado terrorista em 2017 acusam as empresas de mídia de culpa pelo extremismo que ajudam a propagar.
Na Europa foi adotado este mês o DSA, uma legislação que prevê multas para as plataformas que continuarem a disseminar conteúdos difamatório, criminosos e mentirosos. Na Inglaterra tramita a Lei de Segurança Online, com proposta semelhante. Nos EUA as plataformas estão imunes do conteúdo de terceiros, mas processos e ações na Justiça estão criando uma nova jurisprudência contra as redes.
A questão importante é que jornais podem ser processados por conteúdos como discurso de ódio, fakes, e incitamento a violência. Mas postagens nas redes sociais, não.
Grupo de Trabalho de Combate ao Discurso de ódio
Enquanto isso, e retornando ao Brasil, o Ministério dos Direitos Humanos criou e foi publicado no Diário Oficial do dia 22, o Grupo de Trabalho de Combate ao Discurso de Ódio. É coordenado pela ex-deputada Manuela D`Ávila (PCdoB/RS) e formado por voluntários, entre eles o empresário e influenciador digital Felipe Neto — com 44 milhões de seguidores e defende em seus canais a responsabilização das plataformas), e outros especialistas da sociedade civil. O GT terá 180 dias para formular uma proposta que assessorará o ministro Silvio Almeida. “Fake news põe em risco a democracia”, destaca.
Mas a Procuradoria de Defesa da Democracia, anunciada há dois meses pelo novo advogado-geral da União, Jorge Messias, ainda não decolou. A futura Procuradoria atuará em nome da União em demandas de resposta e enfrentamento de desinformações sobre politicas públicas. Participariam indicados da OAB, entidades do jornalismo e membros do Ministério Púbico. Uma das entidades convidadas foi a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
O que outros países estão fazendo
Relator do Projeto da Lei das Fake News (PL 2.630), o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP) apoia a flexibilização do Marco Civil da Internet (de 2014). Mas recuou na proposta de punir parlamentares que utilizam a rede para mentir e fazer discurso de ódio. Eles continuariam blindados, segundo sua proposta. A responsabilização das plataformas não está previsto no PL, mas deve ter uma mudança proposta pelo Ministério da Justiça. Atualmente, para o PL das Fake News as plataformas, e também o Marco Civil da Internet, só seriam responsabilizadas por conteúdo mentiroso ou incitador de ódio e de rompimento do estado democrático, se houver uma determinação judicial não cumprida. O Ministério da Justiça quer que as plataformas sejam proativas, e retirem do ar esse tipo de conteúdo sem necessidade de uma ação judicial, e que sejam punidas se não retirarem ou bloquearem antes de serem postadas. Além disso, quer criar um órgão fiscalizatório para que a lei seja cumprida, porque “não dá para colocar tudo em cima do Poder Judiciário”, segundo o deputado.
As plataformas dizem que que a responsabilização prévia seria autocensura. Um eufemismo para lavarem as mãos. Um meio de comunicação jornalístico, por exemplo, não publicaria um conteúdo semelhante e isso não quer dizer autocensura e sim profissionalismo pelos protocolos jornalísticos.
O DSA, legislação de fiscalização e regulamentação da União Europeia mantem a imunidade das redes por conteúdo ilício de terceiros, mas elas podem ser responsabilizadas se esse conteúdo for apontado como ilícito por internautas e nada for feito. A nova lei de serviços digitais, a DSA, inclui agora uma série de obrigatórios que as redes devem cumprir para provar que fazem algum tipo de monitoramento.