O lado mais obscuro de censura na internet começa a ser desvendado pelo consórcio de imprensa Forbidden Stories, organização francesa sem fins lucrativos que reúne veículos de comunicação de 54 países (A Folha é a representante no Brasil). Um trabalho de jornalismo investigativo intitulado Story Killers. descobriu um grande aparato de desinformação internacional capitaneado pela empresa espanhola Eliminalia. Uma espécie de limpeza online, ou borracha eletrônica. Estava disponível para quem pagasse, um sistema para apagar links comprometedores de postagens, comentários e informações na internet, seja em veículos jornalísticos, ou redes sociais. A empresa, que mudou de nome para Idata Protection após a revelação de sua prática, informava que visava apenas eliminar “conteúdo indesejado e errôneo”. Um folheto eles anunciava para possíveis prospects: “Defendemos sua reputação de todas as maneiras e garantimos os resultados”.
Muita gente importante, investigada pela polícia e condenada nos meios judiciais pagou para que suas práticas eticamente e criminalmente questionáveis não estivessem disponíveis para o conhecimento do publico na internet. Inclui nesse esquema de desinformação políticos corruptos, gestores públicos, candidatos a cargos públicos com passado comprometedor, traficantes de drogas, torturadores, traficantes de mulheres e outros, em diversos países inclusive no Brasil. Os conteúdos removidos ou escondidos, analisados pelo grupo de jornalistas, aconteceram no período de 2015 a 2021, e a empresa faturou nessa época 2,5 milhões (R$ 14 milhões).
Desinformação utilizava tecnologia e ameaças
A Eliminalia atuava em três frentes: tentava burlar o sistema de buscas do Google, criando links com notícias inventadas que favoreciam seus clientes (inclusive com endereços falsos de grandes veículos de imprensa); protocolava denúncias falsas de violação de direitos autorais para que as Big Techs e órgãos de imprensa derrubassem links de notícias não favoráveis a seus clientes; e se esses dois métodos falhasse, apelava para a ameaça às empresas de tecnologia e veículos de jornalismo fazendo se passar por uma falsa autoridade governamental. Nem todos os links foram derrubados pelo Google ou veículos de imprensa — no caso de publicações brasileiras que tiveram seus links denunciados, estão o jornal O Estado de Minas, a Folha de S. Paulo, e o Portal R7. Apenas o link de uma matéria do Estado de Minas foi derrubado, e republicava reportagem originalmente publicada em O Estado de S. Paulo.
No caso de links fraudulentos, a empresa espanhola utilizava a técnica conhecida como “backlinking” para manipular o algoritmo do Google, postando em sites legítimos links que direcionavam a sites fakes, o que aumentava o tráfego desses sites e, por tabela, mudava aposição deles no ranking dos resultados das buscas, promovendo a desinformação.
Documentos revelam que a empresa prestou serviços a um médico acusado de trabalhar em um centro de tortura na ditadura militar no Chile, um banco investigado por lavar dinheiro para integrantes do regime na Venezuela, e um mexicano que operaria no narcotráfico, entre outros. Entre os brasileiros, estão uma pessoa com dupla nacionalidade no Brasil e no Libano, apontado como integrante de um esquema de tráfico de pessoas e prostituição, um ex-promotor denunciado por corrupção e um mexicano que teria participado de uma quadrilha internacional de tráfico de cocaína escondida em blocos de granito e latas de abacaxi saindo do porto de Itajaí (SC).
Alguns desses clientes, questionado por jornalistas, disseram que tinham sido enganados pela Eliminalia, que recebeu para prestar um serviço que não foi entregue, pois muitos links continuaram na internet; e outros alegaram que não conheciam os métodos da empresa e não sabiam que estava sendo realizada alguma operação fraudulenta.
Story Killers revela desinformação para interferir nas eleições
Outra frente de investigações da desinformação do projeto Story Killers revelou a existência de uma ação de desinformação sediada em Israel para interferir em eleições, principalmente em países da Europa e África. A empresa denunciada pelo Forbidden Stories, e apelidada pela equipe e jornalismo como Team Jorge, em referência ao pseudônimo de um de seus dirigentes, seria integrada por agentes do serviço secreto israelense, mas não foram identificados os patrocinadores do grupo.
O esquema ilegal incluía um exército virtual, com milhares de contas falsas na internet com avatares, e que trazia nomes, emails, data do nascimento e número de telefone para dar impressão de se tratar de alguém real. A missão era influenciar o maior número possível de pessoas na internet, bombardeando-as com fake news e campanhas de desinformação. A Team Jorge fez parte do esquema de desinformação do escândalo da Cambridge Analytica, que em 2018 foi acusada de vender dados sigilosos de internautas para que estes recebessem notícias deturpadas e assim favorecer a candidatura de Donald Trump.