As agências de fact-checking na era da desinformação

Agências de checagem desempenham papel fundamental na desmistificação de notícias falsas. Para a pesquisadora Juliana Fernandes Teixeira, o ideal seria que o jornalismo profissional desempenhasse essa função

No mundo digital, as redes sociais exercem uma influência cada vez maior na disseminação de notícias, o que tem levantado preocupações sobre a propagação de informações falsas, conhecidas como fake news. No entanto, várias iniciativas têm surgido para combater esse problema, como o uso de fact-checking e inovações tecnológicas.

O fact-checking, ou verificação de fatos, é uma técnica que tem se popularizado nos meios de comunicação. Consiste em um processo minucioso que envolve a verificação da veracidade das informações em uma notícia, através da análise de dados, pesquisas e consultas a especialistas. Essa prática tem se mostrado eficaz na identificação e desmascaramento de informações falsas, evitando que se propaguem e causem danos à sociedade.

Grandes veículos de comunicação, organizações independentes e plataformas digitais estão investindo em equipes especializadas em fact-checking, com o objetivo de combater a disseminação de fake news. Além disso, algumas agências governamentais têm estabelecido parcerias com verificadores de fatos para garantir a credibilidade das informações divulgadas nos meios de comunicação oficiais. Essas iniciativas visam educar o público sobre a importância de checar a veracidade das informações antes de compartilhá-las, contribuindo para a formação de uma sociedade mais consciente e informada.

Durante a pandemia, houve uma avalanche de informações enganosas sobre o vírus, métodos de prevenção, tratamentos milagrosos e até mesmo teorias da conspiração, muitas vezes difundidas pela gestão anterior do governo. As fake news relacionadas à Covid-19 influenciaram comportamentos e decisões da população, comprometendo o eficaz enfrentamento da doença.

O fact-checking desempenha um papel crucial. Organizações especializadas nessa prática têm se dedicado a verificar as informações relacionadas à pandemia, através da análise de dados científicos, consultas a especialistas e confronto de diferentes fontes. Este campo de pesquisa foi promissor para Juliana Fernandes Teixeira, pesquisadora e professora de pós-graduação da Universidade Federal do Piauí, que investigou o papel das agências de verificação durante a pandemia. Juliana é jornalista, mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, e doutora em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia e em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira (Portugal). Também é professora colaboradora na Universidade Federal do Ceará.

Juliana, que participou do painel “É fato ou fake” do 5º Fórum de Jornalismo Especializado, Regional e Comunitário, promovido pelo Cecom – Centro de Estudos da Comunicação e Plataforma Negócios da Comunicação, no final de julho, conversou novamente com a Negócios da Comunicação e relatou o impacto que as agências de checagem tiveram durante a calamidade pública, bem como o grau de confiabilidade desses veículos perante a sociedade:

Sua pesquisa sobre as agências de checagem durante a pandemia desde 2020  está chegando a um resultado, como foi esse trabalho?

Durante a pandemia, eu e meu colega Alisson Martins, doutorados pela Universidade Federal da Bahia em Salvador, atualmente ocupamos posições como professores concursados na Universidade Federal do Piauí. No início da pandemia, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) estava incentivando intensamente a produção de trabalhos acadêmicos relacionados à Covid-19, devido à sua relevância e caráter inovador. Dessa forma, decidimos propor um estudo sobre as verificações realizadas pelas agências relacionadas à Covid-19, ou seja, analisamos os resultados divulgados por essas agências.

Nesse contexto, realizamos uma primeira etapa de análise sobre as temáticas abordadas, O que que as agências de checagem estavam dando como resultado sobre a Covid. E aí a gente teve um primeiro momento que analisamos as temáticas das fakes news sobre morte, dos caixões vazios e tal, e a gente fez a análise de mais de seiscentas matérias. Mais de trezentas foram da Lupa (Folha) e trezentos e pouca do Fato ou Fake (G1). As temáticas giram muito em torno da ideia de morte e de uma associação política muito forte e nesse segundo momento, que a gente está finalizando agora, momento final da pesquisa que a gente analisou tipo de fonte, quem são os entrevistados da checagem, quais elementos multimídia, são utilizados, quem são as pessoas referenciadas também.

Durante a pandemia as agências desempenharam papel fundamental e até hoje servem de base para desmistificar notícias falsas, principalmente no campo político, qual foi o resultado da pesquisa?

Mapeamos que as agências usavam muitos links externos, como órgãos oficiais, OMS e especialistas, como médicos. Com relação à multimidialidade, não utilizavam vídeos, apenas texto. Apresentavam a narrativa e explicavam a notícia falsa — a grande maioria delas. Isso mostra o foco das agências em conteúdo enganador, que não condiz com a realidade, e o que chama a atenção é o que destoa. Uma pessoa que está mais propensa a acreditar em fake news pode não perceber, mas um jornalista consegue identificar. É aí que entra o papel do jornalismo. Na Fato ou Fake, percebemos mais pessoas sendo ouvidas nas matérias e uma variedade maior de fontes. Na Lupa, percebi regularidade nos dados oficiais. Em relação à multimídia, a Lupa utiliza mais recursos. Nosso objetivo na pesquisa não era determinar quem era melhor ou pior, pois ambas têm papéis importantes, que é combater notícias falsas. São apenas estratégias diferentes. Percebemos uma convergência nas duas agências, sendo que as temáticas mais abordadas foram morte e política, evidenciando um direcionamento temático. Pessoas de esquerda foram mais atacadas e apareceram em notícias falsas, isso foi identificado tanto na Lupa quanto no Fato ou Fake.

As agências de notícias têm sido bastante críticas e descredibilizadas por parte da sociedade, que também não acredita no jornalismo profissional, o por que disso estar acontecendo?

Eu acho que não são só as agências que estão sendo descredibilizadas. É o jornalismo como um todo. Faz parte da estratégia política principalmente da extrema direita utilizar isso. Esse é um modus operandi. Sempre que você quer atacar a democracia, você ataca o jornalismo, né? É um dos ataques mais diretos; essa descredibilização se deve muito a isso e ao mesmo tempo eles de fato pegam as fake news para difundir notícias para levar outras pessoas a crer e causar um alarde. Outra maneira de descredibilização é divulgar fake news como se fosse jornalismo, o que causa dúvidas nas pessoas e por isso o papel das agências de checagem têm sido bastante importante.

As agências de checagem representam uma inovação no jornalismo? Qual a sua contribuição para a imprensa?

Estamos muito longe do cenário ideal. No começo da pesquisa, acreditava que as agências de checagem eram lugares de inovação, mas vimos que não, na verdade, elas apenas fazem uma apuração bem feita. As agências fazem uma apuração muito precisa e têm um selo que mostra que a notícia foi checada, mas no mundo ideal, isso nem seria necessário. O jornalismo deveria ser um lugar onde as pessoas encontrariam informações bem apuradas, independentemente do direcionamento político. Em alguns países da Europa, o jornalismo se posiciona como sendo de direita ou de esquerda, mas o problema não está no direcionamento político e sim em oferecer informações que não são verdadeiras, por isso devemos ter cuidado. O jornalismo tem sido muito questionado como estratégia política e, às vezes, devido à falta de informação, as agências de checagem precisam entrar em campo. No mundo ideal, nem seriam necessárias, pois as pessoas acreditariam no jornalismo, mas sabemos que não vivemos no mundo ideal. No entanto, é possível e necessário, em tempos de desinformação, que as agências de checagem desempenhem um papel fundamental no combate à desinformação.

A falta de investimento no jornalismo é crescente, vemos redações cada vez mais enxutas e cortes de gastos, isso se reflete na produção jornalística. Como a falta de investimento e recursos afeta a capacidade dos jornalistas de realizar a checagem de informações?

Falta investimento e recursos, tanto financeiro quanto humano, no sentido que as empresas contratem mais pessoas, não tem como culpar o jornalista que está apurando, trabalhando e tendo que dar conta de mil coisas, ele não vai ter tempo de fazer toda a checagem de informação, mas ao mesmo, nos lugares que não temos nem recurso para o básico, para a cobertura diária, como vai ter uma agência de checagem? Aqui no Piauí, temos uma agência, que faz por amor, não tem remuneração nenhuma, são iniciativas que as pessoas vão na garra, não há investimentos para esse tipo de iniciativa, porque em geral os políticos não têm muito interesse que a desinformação acabe.

Políticos, principalmente de extrema direita, têm atacado o jornalismo e suas atividades, sejam elas em agências de checagem, jornal imprensa, rádio, telejornal e usam as redes sociais para isso. Elas contribuíram para o declínio do jornalismo? 

Tem a questão de que qualquer ditadura que se pretenda instaurar tem que acabar com a imprensa e com a liberdade de imprensa. Pode-se olhar na história, é um clássico. Mas eu diria que esse foi um sentimento, entre muitas aspas, que foi crescendo no Brasil. Se pararmos para pensar, antes falavam que a Globo mente, hoje em dia esse sentimento se ampliou, agora dizem que o jornalismo mente. As redes sociais permitiram que não só os meios de comunicação tradicionais cheguem às outras pessoas [que não tinham acesso às notícias], mas também que as pessoas consigam difundir informações e intensificaram a proliferação de notícias. O mundo digital e a possibilidade de “eu contar para você e não o meio de comunicação” tornou-se muito complicado, pois isso propicia ainda mais as fake news. Na pesquisa, surgiram muitos áudios dizendo que os hospitais estavam vazios, mas a realidade era diferente. As redes sociais ajudaram no jornalismo alternativo, o que foi importante para a pluralidade de vozes, mas tudo tem prós e contras. O contra é que as pessoas recebem informações que desejam acreditar, sendo mais propensas a acreditar naquilo que querem. Por isso, as agências de checagem são importantes.

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