Por trás dos dados

Algoritmos, dados e checagem de informações, as novas qualificações do jornalismo

Quais as métricas de sucesso de uma notícia? Será apenas a audiência? Os algoritmos estão manipulado a forma de escrever matérias? A tecnologia impactou na forma como se produzem as notícias e o excesso de dados, para o  bem e para o mal, exigem checagens constantes e cada vez mais aprimoradas.

Três painéis no 5º Fórum de Jornalismo Especializado, Regional e Comunitário, promovido pelo Cecom – Centro de Estudos da Comunicação, e Plataforma Negócios da Comunicação, discutiram esse desdobramento da informação, do longo caminho da apuração, o seu tratamento interno nas redações, até a distribuição para o público final: “A medida do sucesso – ou da manipulação? O impacto de filtros e algoritmos na distribuição de notícias”, com  Sérgio Spagnuolo do Núcleo Jornalismo; Guilherme Ravache, consultor e colunista; e Fábio Fernandes, professor da PUC-CP. “Te dou um dado? Como inserir o jornalismo de dados no dia a dia da redação”, com Guilherme Felitti, cofundador na Novelo Data; Jamile Santana, coordenadora da Escola de Dados, programa da Open Knowledge Brasil; e Renata Tomaz, professora e coordenadora de graduação da FGV/ECMI. “É fato ou fake? Técnicas de checagem para quem não tem budget ou equipe”, com Fernanda Dabori, CEO da Advice Comunicação Corporativa;  Juliana Fernandes Teixeira, docente do Departamento de Comunicação Social (UFPI) e do PPGCOM (UFC); e Mônica Fort, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens na UTP.

Alucinação de máquina

“Os algoritmos são uma imposição das grandes empresas de tecnologia e as empresas de jornalismo tem que se adaptar”, critica Sergio Spagnuolo, do Núcleo de Notícias,

Sergio Spagnuolo

ao mesmo a tempo que admite é bem vindo ter bastante audiência, mas não é seu objetivo, que explica ser o jornalismo de impacto, como derrubar grupos de pedofilia infantil, que fizeram recentemente com suas matérias. “Acabamos aderindo a algumas coisas como SEO, o jeito como compartilhamos nas redes, colocar o link no segundo post para não perder o engajamento, e outros truques porque queremos que nosso conteúdo tem boa audiência”.

Uma certa dose de manipulação por parte das big techs existem sim, mas, segundo Fabio Fernandes, da PUC-SP, só em parte e “para quem gosta de teorias da conspiração”. Atualmente está se perdendo o critério da objetividade, segundo o professor explica: “Quando fazemos uma headline (título) se trabalha apenas do ponto de vista do que vai chamar a atenção dos globos oculares, que palavra vai ser escolhida”. Nem sempre o resultado será adequado. E, sem entrar ainda na IA, ele levanta a pergunta: “Quem define as palavras-chaves nos algoritmos?”. Semelhante ao que acontecia na era analógica, comparando com o filme  Cidadão Kane, “para buscar o sucesso das vendas [dos jornais] se for preciso se manipula um pouco, ou muito como agora está sendo feito”.

A comunicação é um processo subjetivo mas também comunica dados objetivos. A matéria tem que entrar na questão da objetividade, mas vai depender de como você interpreta dos dados. Não se pode usar a subjetividade par anão se trabalhar a objetividade.

Guilherme Ravache (Foto: Martin Gurfein)

Do ponto de vista de Guilherme Ravache, “os algoritmos são inescapáveis hoje em dia”, citando o que chama da “economia da atenção”, a disputa pela atenção. Igual ao que é feito nos filmes para streaming, no TikTok, no Google, no ChatGPT e em todas as redes sociais. Para Ravache, o ChatGPT vai melhorar, do ponto de vista de ter outra universo de informações, e ao mesmo tempo piorar muito, pelo risco de ter apenas duas ou três empresas dominando essa tecnologia. Tocando nesse assunto, Fernandes diz que já está tendo uma pasteurização. A fraqueza do digital é “que não existe uma curadoria adequada”.  Spagnuolo concorda que os algoritmos são inescapáveis. “As big techs criaram esse problema, que elas chamam de solução, porque estão reforçando métricas e padrões que eles mesmo criaram”. Ele afirma que essas empresas não estão preocupadas com a qualidade do conteúdo: “É só procurar no Google a  maioria das matérias que estão destacadas, não existe transparência”. Um consequência disso, “são profissionais tentando rackear esses sistemas e com IA pode ser mais fácil fazer isso. Não vejo com bons olhos essa mistura de SEO com IA”. E parte da culpa, Ravache atribui aos veículos, que delegaram para as big techs a distribuição de suas notícias. “O New York Time nunca abandonou as suas plataformas próprias, seu site”, comenta Spagnuolo. “Quem construiu seu negócio baseado nessas plataformas das big techs correm o risco de ter dificuldades em pouco tempo”, com as mudanças bruscas de critérios dos algoritmos.

A pasteurização é citada como Ravache como exemplo do resultado agora que todos os sites se parecem iguais. E ainda, um conteúdo ruim, que é ressaltado pelos cliques que recebe, é também ruim para as marcas que se colam nele. “O que mostra uma dificuldade de controlar o algoritmo por parte das big techs“, avalia. “Ninguém quer ter desinformação, conteúdo ruim, fake news, mas as empresas de tecnologia se beneficiam com isso”, complementa Spagnuolo. “Estão monetizando vídeos antivacina até hoje”, exemplifica. “Por isso a motivação para derrubar isso é pouca”. A solução para isso é somente com uma regulamentação, com leis, recomenda Ravache. Ou “pressões dos consumidores”, contrapõe Spagnuolo, e Ravache acrescenta educação midiática, como acontece nos países nórdicos.

Fábio Fernandes, da PUC:

Mas, as vezes, o consumidor não sabe o que está acontecendo, fenômeno que Fernandes chama de “alucinação de máquina”. Por exemplo, “Pedi para o ChatGPT escrever biografias de pessoas famosas. John Lennon, por exemplo, apareceu nos resultados três ou quatro dados falsos. Que John Lennon gravou, em 1968, um disco com Bob Marley. Isso não foi verdade, para o jovem que não conhece a história, isso fica sendo uma verdade. Outro caso, que ficou famoso, foi de um jornalista que pesquisou no ChatCPT sobre Ayrton Senna e o resultado trouxe a informação que ele morreu, na data certa, ano certo, mas que foi em Interlagos e disputando com Sakamura numa curva, o que não aconteceu. Que não conhece fórmula 1, não vai pesquisar e aceita. Alucinação de máquina é isso, cria universos paralelos, e se você não sabe o que é o universo original você é enganado.

Dados e informação

Jamile Santana, Escola de Dados

Para conhecer esse chamado universo original é necessário estudo e análise. Como trabalhar com dados. “Antigamente, quando eu estava fazendo uma matéria a chefia pedia para eu acrescentar um dado, só um complemento, ou para fazer um gráfico, não tinha tanta importância como tem hoje”, comenta Jamile Santana, da Escola de Dados. “Com dados fazemos investigações mais profundas”, explica. “A busca pelo furo, pela exclusividade, prejudica o jornalismo de dados, porque ele acontece na colaboração”, explica a professora Renata Tomaz, esclarecendo que essa ´e uma modalidade do jornalismo que nos faz repensar a forma de como se produzem as notícias.

Guilherme Felitti, Novelo Data

“A exclusividade no jornalismo de dados pode acontecer, mas é diferente”, avalia Guilherme Felitti  da Novelo Data, que afirma ter hoje “um contingente enorme de dados, e hoje tem jornalistas capacitados a avaliar esses dados, é pequeno esse número, mas existe. Soterrado entre essa grande quantidade de dados do setor público tem uma série de pautas que podem ser exploradas”. Ele cita como exemplo o caso das emendas do relator, ou orçamento secreto dos deputados, descoberto pela equipe do Estadão em Brasília, e foi possibilitado pela leitura e analise de dados extensos, que abriu possibilidade de investigações. Para isso, segundo o jornalista, é preciso uma nova habilidade dos profissionais para atuar com esse tipo de informação.

Renata Tomaz, FGV

Renata concorda com a necessidade dessa capacitação reforçando que todo jornalista deverá saber lidar com isso e não um “especializado em dados”, porque essa ferramenta é cada vez mais utilizada em todos os setores. “É uma trilha que você pode ou não seguir dentro do jornalismo”, complementa Jamile ao falar que utilizar algoritmos, dados, ainda assusta muita gente nas redações.  “Você pode começar mexendo numa planilha de Excell, e muitas boas pautas foram descobertas usando essa análise, até coisas mais complexas envolvendo criar robôs customizados que vão pegar informações que serão enviadas para um banco de dados”, diz Felitti. Usar dados é como aprender outras línguas, compara Jamile, que recomenda a criação de comunidade de jornalistas para trocar informações sobre isso e um aprender com a experiência dos outros.

O  jornalismo nasce num contexto de busca de transparência por parte da sociedade. Por isso surgiram mecanismos de transparência conforme apontado por Renata, “como o Portal da Transparência, que abriu dados, junto com a Lei de Acesso às Informações”.

Fake não é fato

Uma das limitações dos bancos de dados, dito por Felitti, é saber se existe contaminação de informações falas. Ou até a barreira de informações, como aconteceu no governo Bolsonaro, que deixou de informar dados da pandemia do Covid-19 poi segundo o próprio comentário do presidente na época, “se não tiver dados não tem manchetes.”

Juliana Teixeira, UFPI e UFC

Isso remete à questão das fake news, discutido em outro painel do Fórum. A professora Juliana Teixeira, da UFPI/UFC. e do departamento de pós-graduação da Universidade Federal do Ceará, está encerrando uma pesquisa, que será apresentada no proximo Intercom, em setembro, junto com Walinson Martins, da Universidade Federal de Rondônia, feita de janeiro a setembro de 2020, para entender o perfil das fake news ligadas a pandemia da Covid-19, e dentro nas agências de checagem, analisando as temáticas  como eram feitas as checagens. Foram analisadas as agências Lupa (Folha) e Fato ou Fake (G1).

A professor Mônica Fort, da UTP, que estudou em um de suas pesquisas a fake news e criou uma iniciativa de extensão para alunos da Uninter com tema “É pura verdade”, e que tem até um podcast com esse nome. Desse projeto, ela levou para o grupo de pós-graduação que atua e montou um grupo de pesquisa “A pura verdade e o combate à desinformação“. Reúne jornalistas e cientistas que atuam à frente da desinformação. O Podcast entrevista profissionais falando a respeito do tema.

Mônica Fort, UTP e Uninter

Fernanda Dabori CEO da Advice, perguntou às duas professoras como elas avaliam o espaço curto de tempo e poucos recursos numa reportagem para avaliar todas as informações para sua veracidade. “O tempo sempre foi o maior limite do jornalismo. Nos lutamos contra o tempo”, responde Mônica. E controlar os impulsos iniciais é necessário para não corrigir depois. A tecnologia acelera todo processo, com consequentes possíveis erros no trabalho. “O profissional tem que lembrar disso no tempo todo”, recomenda, porque isso pode dar, inclusive, consequências jurídicas.

Juliana concorda. A temporalidade se intensifica na internet. Mas é algo antigo, é uma armadilha achar que isso é novo devido a tecnologia. As agências de checagem por exemplo, não são inovações, mas necessidade daquele tempo. “Fora dos veículos grandes, existe uma precariedade grande no trabalho jornalístico”, critica. O trabalho de checagem é comprometido pela falta de recursos de veículos menores. E lembra que no Piauí, onde atua existem duas iniciativas: a agência de checagem local, a Ecoar, coordenada pela professora Marta Alencar, que atualmente e faz doutorado na Unisinos, e a Rede Nacional de Combate à Desinformação, liderada pela professora Ana Regina Rego, da UFC.

Fernanda Dabori, Advice

Fernanda citou a pesquisa do MIT de que a notícia falsa se espalha 70 vezes mais rápido. Juliana diz ser importante, além das agências de checagem, o projeto de lei das Fake News que está em andamento. “As regras são fundamentais no ambiente digital”, resume, além de recomendar a educação midiática, desde os primeiros anos escolares. “Muita gente acredita nas fake news porque tem pré-disposição em acreditar nelas. E aí é difícil mudar isso. Para os demais, é possível identificar as fakes pelos erros de português, falta de fontes. Qualquer dúvida, é só checar as notícias nos meios de informações oficiais. “Todas as fakes news tem algum interesse por trás, seja político ou econômico”.

Mônica complementa que as pessoas são responsáveis por retransmitir as fakes news. “É como um problema que ela compra sendo de saúde pública, comportamento semelhante ao dependente químico, quem produz a droga (notícias falsas) e o usuário de drogas que usa e retransmite.

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O evento conta com uma ação beneficente de arrecadação de recursos em prol da Casa Hope, instituição de apoio biopsicossocial e educacional a crianças e adolescentes de baixa renda com câncer.

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