Aumentam os casos de assassinatos de jornalistas

Foram mortos 68 profissionais de imprensa no mundo, em 2022, ante 47 em 2021. América Latina e o Caribe foram as regiões mais mortais para os jornalistas

A liberdade de imprensa continua sendo calada à bala em diversos países em todo o mundo. Foram assassinados 68  jornalistas em 2022, um aumento da violência, considerando que foram 47 em 2021. Os dados foram apurados pelo Observatório de Jornalistas Assassinados da UNESCO  (UNESCO Observatory of Killed Journalists) e Federação Internacional de Jornalistas (FIJ).  A Unesco destacou os graves riscos e os pontos vulneráveis que os jornalistas continuam enfrentando durante seu trabalho.

Audrey Azoulay

“Após vários anos de quedas consecutivas, o aumento acentuado do número de jornalistas mortos em 2022 é alarmante. As autoridades devem intensificar seus esforços para impedir esses crimes e garantir que seus autores sejam punidos, pois a indiferença é um fator importante nesse clima de violência”, afirmou Audrey Azoulay, diretora-geral da UNESCO.

“Esses números mostram que não há fim para a crise de segurança no jornalismo e, ao contrário, representam uma ameaça real do retorno da temporada aberta aos profissionais de mídia em muitas partes do mundo”, disse o secretário-geral da FIJ, o francês Anthony Bellanger.

O aumento nos assassinatos ocorrido em 2022 marca uma dramática reversão da tendência positiva observada nos últimos anos: de 99, em 2018, o número caiu para uma média de 58 assassinatos por ano, de 2019 a 2021.

Anthony Bellanger

Os dados apurados refletem o aumento das fraturas nos sistemas de Estado de direito em todo o mundo e destacam o fracasso dos Estados em cumprir suas obrigações de proteger os jornalistas, bem como prevenir e processar os crimes contra eles.

Também houve 11 mortes relacionadas a acidentes e doenças, incluindo três jornalistas e profissionais de mídia que morreram enquanto faziam reportagens sobre a Copa do Mundo de 2022 no Catar.

Embora todas as regiões tenham sido afetadas, a América Latina e o Caribe foram a região mais mortal para os jornalistas em 2022, com 44 assassinatos, mais da metade do número de mortos em todo o mundo. A Ásia e o Pacífico registraram 16 assassinatos, enquanto 11 foram mortos na Europa Oriental. Os países com o maior número de mortes foram: México (19 assassinatos), Ucrânia (10) e Haiti (9).

Na Ásia-Pacífico, a nova liderança nas Filipinas não deu trégua aos ataques mortais contra jornalistas com quatro assassinatos no primeiro ano da presidência de Ferdinand “Bongbong” Romualdez Marcos Jr, enquanto cinco jornalistas perderam a vida na crise política no Paquistão.

O Oriente Médio e o mundo árabe viram os assassinatos de profissionais da mídia aumentarem de três para cinco no ano passado, incluindo o tiroteio em plena luz do dia do veterano jornalista da Al Jazeera Shireen Abu Akleh. Quatro jornalistas foram mortos no Chade e na Somália, o que significa que a África registrou o menor número de mortes entre as cinco regiões da lista de mortos da FIJ, atrás das Américas (30), Ásia-Pacífico (16), Europa (13) e Oriente Médio e Mundo Árabe ( 5).

Metade dos jornalistas mortos não estava em serviço

Cerca de metade dos jornalistas mortos estava de folga no momento em que foram atacados — enquanto viajavam, em suas casas ou em estacionamentos e outros locais públicos onde não estavam a trabalho. Isso caracteriza a continuação de uma tendência nos últimos anos e significa que não há espaços seguros para os jornalistas, mesmo em seu tempo livre.

Embora o número de jornalistas mortos em países em conflito tenha crescido para 23 em 2022, em comparação com 20 no ano anterior, o aumento mundial foi impulsionado sobretudo por crimes ocorridos em países sem conflito. Esse número quase dobrou, de 35 casos em 2021, para 61 em 2022, o que representa três quartos de todos os assassinatos no ano passado.

Esses jornalistas foram mortos por vários motivos, incluindo represálias por reportagens sobre o crime organizado, conflitos armados ou a ascensão do extremismo, bem como a cobertura de assuntos delicados, como corrupção, crimes ambientais, abuso de poder e protestos.

Guerra também mata jornalistas

A guerra na Ucrânia foi responsável por 12 mortes na mídia, o número mais alto nos 21 países onde foram registrados incidentes mortais. Mas o domínio do terror das organizações criminosas no México e o colapso da lei e da ordem no Haiti também contribuíram para o aumento das mortes, com 11 e sete documentados, respectivamente.

Jornalistas na Colômbia enfrentam violência renovada, ameaçando tornar o país uma zona de matança para jornalistas e trabalhadores da mídia mais uma vez e destruindo as perspectivas de liberdade de imprensa após o acordo político para encerrar décadas de sangrenta guerra civil.

Dois jornalistas foram mortos em menos de um mês no Equador: os repórteres Gerardo Delgado e Mike Cabrera. Gerardo Delgado era proprietário do veículo OlaManta, que mantém notícias via Facebook e Instagram. Ele também foi pré-candidato a vereador da cidade de Manta. Foi baleado enquanto dirigia acompanhado de sua filha pequena na província de Manabí. A criança saiu ilesa.

Mike Cabrera também foi assassinado na província de Manabí. Dois homens armados, que estavam em uma motocicleta, atiraram neles seis vezes  enquanto o repórter conversava com populares numa rua.

O México tem sido um dos países mais perigosos para jornalistas.  Antonio de la Cruz, de 47 anos, que trabalhava há quase 30 anos no jornal regional Expresso. foi atingido por tiros quando deixava sua casa em Ciudad Victoria, no nordeste do México, em 29 de junho. Sua filha de 29 anos também foi atingida e morreu no hospital.

No México e no Equador os jornalistas assassinados trabalhavam em veículos de comunidades e blogs locais. Esses jornalistas independentes, que defendem suas comunidades e apontam autores de fraudes, corrupção, extorsões e violência,, e de pequenos veículos, são os que tem sido os mais ameaçados, inclusive no Brasil. Aqui no Brasil, em fevereiro do ano passado, o cearense Givanildo Oliveira foi morto a tiros depois de noticiar em seu portal de notícias a prisão de um homem acusado de homicídio.

A impunidade permanece alta, sem perspectiva de queda

Embora tenha ocorrido certo progresso nos últimos cinco anos, a taxa de impunidade em casos de assassinatos de jornalistas permanece incrivelmente alta, em 86%, o que acarreta um efeito inibidor no trabalho dos profissionais e coloca em risco a liberdade de expressão em todo o mundo. Isso prova que o combate à impunidade continua sendo um compromisso premente para o qual a cooperação internacional deve ser mobilizada ainda mais.

Além dos assassinatos, os jornalistas continuam a ser ameaçados com múltiplas formas de violência, como desaparecimentos forçados, sequestros e detenções arbitrárias, assédio legal e violência digital, principalmente contra as profissionais mulheres.

A Unesco destaca aponta para as leis de difamação, as leis cibernéticas e a legislação contra “notícias falsas” que, quando são usadas para atacar certas pessoas ou grupos — sendo às vezes aplicadas como meios de limitar a liberdade de expressão —, produzem um ambiente tóxico para os jornalistas atuarem.

A FIJ renovou seu apelo por maior proteção aos jornalistas, alertando que o não enfrentamento das ameaças à segurança dos jornalistas pode comprometer o regime democrático sem a contribuição do jornalismo para informar o público sobre assuntos de interesse geral.

Revista Negócios da Comunicação 99 abordou a violência contra jornalistas na matéria de capa

“O aumento nos assassinatos de jornalistas e outros trabalhadores da mídia é um grave motivo de preocupação e mais um alerta para que os governos de todo o mundo tomem medidas em defesa do jornalismo, um dos principais pilares da democracia”, disse Anthony Bellanger. “A omissão em agir apenas encorajará aqueles que buscam suprimir o livre fluxo de informações e minar a capacidade das pessoas de responsabilizar seus líderes, inclusive para garantir que aqueles com poder e influência não se interponham no caminho de um processo aberto e inclusivo. sociedades”, completou.

Para enfrentar a falta de ação e vontade política dos governos para combater a impunidade por crimes cometidos contra jornalistas, a FIJ pede uma Convenção Internacional nas Nações Unidas dedicada à proteção de jornalistas e profissionais da mídia.

Violência contra jornalistas é ataque à democracia

Maria José Braga

Violência contra jornalistas em 2022 foi matéria de capa na edição 99 da Revista Negócios da Comunicação. Ao falar sobre o assunto, Maria José Braga, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), disse que “os números da violência contra jornalistas no Brasil, são mais do que suficientes para afirmarmos que há, no país, uma situação de insegurança para o exercício da profissão”. Além do assassinato do jornalista inglês Dom Philips, na Amazônia, quase uma centena de profissionais sofreram agressões físicas, verbais, censura, e sofreram atentados em geral. Entidades de classe de empresas jornalísticas, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e a Associação Nacional de Jornais  (ANJ) tem se manifestado periodicamente, protestando contra o ataque a jornalistas de diferentes veículos de comunicação durante a cobertura de eventos.

Flávio Dino, Ministro da Justiça

Brasil criou Observatório da Violência

O Ministério da Justiça criou o Observatório Nacional da Violência contra Jornalistas. E O Secretário Nacional da Justiça, Augusto de Arruda Botelho, anunciou, como primeira medida do órgão, uma reunião plenária com a presença de representantes de entidades da imprensa e de veículos de comunicação. A reunião deve ocorrer ainda neste mês.

“Essa primeira reunião vai definir como será feito o acompanhamento dos casos. A partir do momento em que contarmos com integrantes da Polícia Federal, Ministério Público, além da Justiça Federal e justiças estaduais no Observatório, a nossa intenção é a de que os casos sejam acompanhados mais de perto e que possamos cobrar soluções”, afirmou o secretário Augusto de Arruda Botelho.

A criação do Observatório Nacional da Violência acolhe o pedido de entidades sindicais dos jornalistas que procuraram o ministro Flávio Dino, nesta semana. O Observatório vai monitorar todos os casos de ataque a categorias de jornalistas e veículos em geral, por meio do acionamento das autoridades competentes, acompanhamento das investigações e participação ativa no intuito de auxiliar na identificação dos autores de crimes. E, ainda, na criação de um banco de dados. “Algo que outras organizações já fazem e que a gente quer complementar”, disse Augusto de Arruda Botelho.

“Os atos lamentáveis ocorridos em 8 de janeiro, incluindo as agressões contra jornalistas, vêm numa escala crescente de ataque à imprensa, nos quatro últimos anos, e os números demonstram isso. Em 2019, foram 208 ataques. Em 2020, o número dobrou para 428. E, em 2021, o número continuou crescendo. A escalada de violência de ataques contra a imprensa e contra a liberdade de impressa vem crescendo no nosso país”, lamentou o secretário.

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