Se tornou praticamente impossível fugir do debate político nos últimos tempos. A ultrapolarização da política brasileira transformou as redes sociais em uma verdadeira panela de pressão. As marcas não gostam muito disso. E o ESG (do inglês Environmental, Social, and corporate Governance — governança ambiental, social e corporativa) , também faz parte do pano de fundo do que rola nos conteúdos, e muita agente quer fazer algo alinhado com a sustentabilidade, o meio ambiente, e a diversidade e inclusão. Aí as marcas gostam. O primeiro caso fez parte do painel “Voto nada Secreto”, no 11º Fórum sobre Marketing de Influência organizado pelo Cecom – Centro de Estudos da Comunicação e Plataforma Negócios da Comunicação. Participaram como speakers Fernanda Dabori, CEO da Advice Comunicação Corporativa, Gerson Penha, sócio-diretor da Kubix Estratégia e Comunicação; e Alexsandra Silva, insight analyst da Airfluencers. Suas falas abordaram a criação de conteúdo com foco no combate às fake news e distribuição de conteúdo correto, o relacionamento com as marcas e as estratégias para evitar ataques e cancelamentos de opositores.
Gerson lembra que hoje existe uma grande pressão da sociedade “para que para as empresas se posicionem com relação a temas que tenham impacto social”. Esse posicionamento diz respeito a questão ambiental, mudanças climáticas, inclusão social, diversidade/inclusão, e ética nos negócios. É uma tendência global, positiva, e muitas empresas no Brasil estão se esforçando para atender essa nova demanda. Essa “pressão”, segundo Gerson, é “no sentido de exigir coerência nessa abordagem“. E não o contrário, porque, infelizmente, existe quem pensa que dá para esconder problemas com falsas abordagens de marketing. Aliás, ter problemas no campo do ESG não é o problema. E sim o trabalho sério e planejado para resolver essas questões interna e externamente. É um continuum.
A coerência é importante também para Fernanda Dabori, da Advice, se referindo aos creators: “Para ter apoio de um criador de conteúdo devemos analisar muito bem essa pessoa que deve estar alinhada com o mesmo pensamento ético da companhia que pretende contratá-la”. Com o crescimento do tema ESG, Fernanda concorda que se deve ter “cada vez mais coerência no que se prega e do que se faz,” dando um puxão na orelha em algumas empresas.
Do ponto de vista de uma agência, o diretor da Kubix diz que seu papel é de articulação, de relacionamento para construir histórias, discursos. “E hoje contamos com uma variedade de vozes que a internet nos trouxe, de influenciadores de vários portes, vários perfis, que ajudam a construir esse relacionamento”, diz, elogiando o trabalho dos creators. O diálogo democrático foi algo que a internet trouxe e isso ainda assim traz dificuldades para empresas acostumadas a informação de cima pra baixo.
Ele cita a pesquisa recente da Edelman (Trust Barometer 2022), que apontou que 83% das pessoas entrevistadas no Brasil querem que os CEOs das empresas se manifestem sobre o trabalho que a companhia faz para beneficiar a sociedade. E 62% esperam que eles se manifeste publicamente sobre questões sociais e políticas. “Quando pegamos temas como emprego, economia, discriminação, questões ambientais, desigualdade salarial, transformação digital, a demanda pelo posicionamento das empresas ultrapassa 70%”, aponta Gerson. “No entanto”, adverte, “quando se trata de se manifestar sobre partidos, preferências eleitorais, esse número cai radicalmente para algo entre 20% e 30% Posicionamento político é muito aceito, mas posicionamento partidário nem tanto”.
Comentando sobre essa pesquisa, a CEO da Advice avalia que os dados tem a ver com esse momento polarizado que estamos vivendo: “Se você pegar o primeiro turno das eleições presidenciais deste ano, temos 50 milhões votando num candidato, 50 milhões votando em outro candidato, e 30 milhões não votando em nenhum dos dois. Então, qualquer que seja a sua posição política, em nenhuma você estará confortavelmente na maioria. Já começa por aí o desconforto em se posicionar politicamente”.
Para Alexandra, da Airfluencers, quem não se posiciona já se posicionou: “Não quer dizer que uma marca tenha que ser de esquerda ou de direita. Mas as coisas que a marca acredita, os valores, isso sim é necessário ter uma opinião forte. E que se coloque diante de seu publico; as pessoas esperam isso. Já que as marcas tem poder de mover pessoas, produzir mudanças, Pensar não só no ESG mas num todo”.
.A Advice lançou em 2018 a primeira pesquisa de fake news feita por uma agencia de comunicação. “Perguntamos para o pessoal de comunicação corporativa se já havia compartilhado alguma fake news. E os comunicadores, por incrível que pareça, mais de 50%, admitem que passaram sim fake news para a frente. Isso fala sobre dimensões de fake news”, que algumas vezes são totalmente inverídicas e outras partem de uma ponta de verdade distorcida”.
Alexandra, leva a discussão para outro ponto importante, em termos de ESG, as questões de diversidade e inclusão (DI): “Temos estudado na Airinfluence temas como o antirracismo. Percebemos como aqui no Brasil e lá fora determinadas marcas estão se posicionando com seus produtos de maneira a apoiar essa causa. Trazendo aproximação com influenciadores que trazem diversas questões como antirracismo, corpo livre, LGBTQI+ , com as empresas se conectando com esses influenciadores para que ajudem a falar com essa geração. Há um interesse da empresas nessa aproximação e desse entendimento“.
Diversidade e inclusão ensinam
Os creators trans vão além da militância, e se dirigem às oportunidades no relacionamento com as marcas e às estratégias da produção de conteúdo para superar o preconceito. O tema foi discutido no painel “Conteúdo que transcende”, com os influenciadores trans Jonas Maria e Bárbara Aires.
Bárbara, por exemplo, se transformou em uma ativista, mais que uma influenciadora, segundo ela. Estar desempregada na pandemia e sofrendo segregação social e até da família, impulsionou esse processo: “O que me incomodava no Instagram, inicialmente, era que as pessoas eram sempre do mesmo padrão. Geralmente mulheres, muito magras e muito ricas e que ficavam famosas por isso, ostentando sua vida. Aí eu pensei por que não poderia ganhar dinheiro capitalizando minhas experiência, a vivência na área e meu engajamento político?”. E critica que ainda existe discriminação por parte das marcas ao abordar os creators trans, colocando-os, em termos de apoio financeiro, num patamar abaixo de outros influenciadores: “Os valores são sempre menores que o mercado pratica para outros grupos”.
Mas ano passado, Barbara admite que trabalhou para uma marca e deu muito certo: “Precisamos mudar essa lógica de como consumimos pessoas na internet. Nossos corpos são diversos, nossas vivencias são diversas, até no mundo trans. Posso ser orientadora, consultora do trabalho com as marcas, não preciso estar necessariamente na frente da campanha, aparecendo para o público”.
Jonas Maria, outro influenciador no segmento trans, vai mais a fundo e diz que, “quando a marca procura um LGBT é porque tem algum LGBT dentro da equipe e que promoveu isso. Que bom que tenha essa pessoa dentro das empresas, mas se não tem é mais difícil”. E mais: as marcas não podem esperar que esse criador vai converter em milhares de likes. Criador trans é um nicho, mas a vantagem é ter uma conexão muito forte com seu público, diferente até de outros segmentos de influenciadores”.
Barbara complementa destacando que “a gente percebe que as marcas são sazonais a nosso respeito, só percebem a gente, em janeiro quando tem a visibilidade da marcha do orgulho trans”.
Negros tem vozes diversas
Problemas semelhantes atingem a comunidade de creators negros. Seja pelo “algoritmo branco”, seja pelos conteúdos kibados (copiados e colados) que viralizam no perfil padrão, ou as cobranças desmedidas e os ataques desproporcionais. Foi o tema do painel “POV: você é um criador de conteúdo negro”, (POV é a sigla para “point of view”, que significa “ponto de vista” em inglês. A expressão, que é bastante utilizada como hashtag no TikTok, também aparece em outras redes sociais), com as criadoras de conteúdo Juliana Padilha, jornalista, do Vozes negras, no Youtube; Pam Nascimento, que começou a carreira como atriz; e Lorena Ifé — esta última também atua como Digital PR da agência Mosaico.
“Sempre são as mesmas pessoas negras escolhidas nas campanhas de publicidade”, critica Lorena. “Num país com 54% das pessoas se declarando preta e parda, temos muita diversidade, muitas pessoas criando conteúdo, gente criando bom conteúdo mas com pouco número de influenciadores. Parece que indígenas só existem no mês de abril (Dia do ìndio) e nós só em novembro (Dia da Consciência Negra). Pessoas afrodescendentes nas redes não estão disponíveis apenas para falar de questões raciais, destaca Lorena: “Na nossa agência colocamos essas pessoas em várias categorias, como beleza, cabelo, life style, família, viagem, etc,. Em seu canal, Afrodentro, a profissional da Mosaico também fala de outros temas.
Evidentemente, por sofrer diariamente preconceitos as pessoas negras têm um olhar mais apurado sobre racismo estrutural e deve se posicionar a respeito, entende Juliana. “No Instagram”, exemplifica, “a gente recebe o que a gente consome. Enquanto o posicionamento de marca não muda, nada adianta. Como criadores de conteúdo também consumimos conteúdo e aí parece que entramos numa bolha. Nós falamos sobre beleza, culinária, um universo muito grande criando conteúdo de qualidade que muitas vezes não são vistos. Diversidade não é cumprir cota de pessoa negra”.
Na opinião de Pam, o empoderamento veio através da estética, cabelo, assunto que ninguém falava quando começou em 2014, e o cabelo crespo era visto como “cabelo ruim”. Hoje quando um cliente vai escolher um time de criadores de conteúdo para comunicar sua mensagem, sugere Pam, “é importante pensar que seu time seja diverso. Diverso não é uma pessoa negra ou uma pessoa indígena. Diverso é trazer a nossa brasilidade, trazer a diversidade das pessoas negras porque também somos diversas, não somos iguais, tem diversidade dentro da própria racialidade”. E ela sugere que nas agências, os produtores, os profissionais que contratam para as marcas, também devem ser diversos para entender esse mundo.
Ganhadora do Prêmio Microinfluenciador Digital da Cecom em 2019, na categoria Ativismo, Pam lembra que saiu da Bahia para morar no Rio de Janeiro em busca de trabalho e mais visibilidade, o que, de fato, conseguiu, pela concentração de trabalhos muito no eixo Rio-São Paulo. “Vim para ser atriz. Aí o trabalho como criadora de conteúdo foi acontecendo. As redes sociais também vieram para fazer a gente existir”.
Para assistir ao primeiro dia clique aqui
Para assistir a segundo dia clique aqui
OFERECIMENTO: