Já dizia o eterno Chacrinha que quem não se comunica se trumbica. E não é que ele tinha razão? Quando existe diálogo, o silêncio perde espaço; mas se a comunicação falha, a quietude se torna corrosiva, nutrida sempre por incertezas. Muitas vezes, os primeiros sinais de desconexão com o trabalho não aparecem nos relatórios de desempenho, mas estão ali, corroendo silenciosamente a cultura. E é nesse espaço entre o dito e o não dito que a comunicação com colaboradores ganha protagonismo, porque é justamente ela que ajuda a perceber quando o quiet cracking começa a se instalar entre os times.
Embora o termo possa soar como mais um modismo corporativo, ele traduz um fenômeno bastante real: quem nunca, após uma rotina insistentemente exaustiva, sentiu-se desconectado da empresa e, mesmo assim, seguiu performando? À primeira vista, o desempenho pode estar em ordem, mas isso não significa que tudo vai bem. Sem atenção, essas pequenas rachaduras invisíveis arranham o engajamento e podem se transformar em verdadeiras fissuras, capazes de craquelar o orgulho de pertencer, mesmo nas organizações mais sólidas. A força da comunicação está em ouvir e dialogar de forma genuína e sensível com as pessoas, antes que esses problemas se tornem irremediáveis. Para as três especialistas que aqui refletirão sobre o tema, uma coisa é certa: escutar vem antes de qualquer estratégia.
Comunicação como radar
Na prática, quando se trata quiet cracking, o que a comunicação interna faz é dar voz ao que não aparece nos relatórios. Por muito tempo, a exaustão foi quase um símbolo de status corporativo, mas os dados atuais indicam que esse tempo ficou para trás. Para Camila Cinquetti, sócia da PwC Brasil e líder de Workforce, a comunicação funciona como uma espécie de radar, capaz de captar os sinais mais sutis de desconexão, seja por meio de pesquisas rápidas, canais de escuta ou conversas objetivas.

da PwC
Mas nada disso, como ela bem lembra, se sustenta sem confiança. Na prática, não pode existir qualquer descompasso entre o que a empresa comunica e o que ela entrega. E se os valores da organização só fazem sentido quando são vividos no dia a dia, cabe à comunicação interna traduzir esse discurso em prática. É a partir deles que a empresa consegue enxergar oportunidades de melhoria.
Esse radar, aliás, quando bem utilizado, permite que a empresa aja de forma estratégica para evitar esse tipo de desconexão, funcionando como um verdadeiro sistema de alerta precoce. É o que defende Karolina Gutiez, gerente sênior de Comunicação da Schneider Electric para a América do Sul. Na companhia, esse cuidado pode ser traduzido em uma única palavra: IMPACTC – Inclusão, Maestria, Propósito, Ação, Curiosidade e Trabalho em Equipe. “Esses valores não podem ficar apenas no papel. Fazemos isso compartilhando histórias reais de colaboradores e equipes em reuniões, rituais ou feedbacks. Promovemos treinamentos, comunicamos como os valores se conectam a metas e recompensas, e damos espaço para que os grupos de afinidade amplifiquem diferentes vozes”, explica.
Escuta que se traduz em ação
Entretanto, para que a comunicação seja capaz de suprimir o silêncio do quiet cracking, é preciso captar o que está nas entrelinhas. Na Schneider Electric, isso acontece por meio de iniciativas nada pontuais, como o Programa de Orientação Pessoal (POP), acessível a todos os colaboradores; as pesquisas OneVoice, que monitoram clima e engajamento; e os grupos de afinidade, que ampliam a voz de diferentes públicos. E, aqui, vale entender que não são simples canais de medição, mas estruturas de confiança que transformam escuta em ação, garantindo o protagonismo dos colaboradores. “Em vez de deixar que o quiet cracking evolua para uma ruptura, a comunicação consegue transformá-la em oportunidade de reconexão entre pessoas e a empresa”, afirma Karolina.
E se palavra de ordem é prevenção, dá para evitar essas rachaduras antes mesmo do day one, durante o primeiro contato com o colaborador – ainda enquanto candidato. Fernanda Amin, HR Business Partner da AXS Energia, explica que a principal missão da comunicação é evitar que o quiet cracking aconteça, seja na entrevista admissional ou durante a rotina de trabalho. “Desde o processo seletivo deixamos tudo claro. O colaborador já sabe qual é o volume de trabalho, quais são os desafios e como funcionam as coisas na companhia. Ser transparente evita que essas pequenas fissuras aconteçam”, pontua a executiva, salientando que não pode haver espaço para interpretações. Se o candidato é admitido e, quando entra na empresa, percebe que não é bem aquilo que lhe foi passado, a desconexão cultural se torna realidade.
Transparência que cria confiança
Com 169 profissionais, metade deles na matriz em Florianópolis, a AXS Energia mantém uma dinâmica próxima, mas não menos desafiadora. Na visão de Fernanda, transparência precisa ser vivida no dia a dia. Por isso, a empresa aposta em lives mensais conduzidas pelo presidente, abertas a perguntas de todos, além de reuniões semanais de liderança. Soma-se a isso as pesquisas de pulso, que acompanham de forma constante o clima organizacional. “Esse é o trabalho preventivo”, reforça. A comunicação também se apoia nos sinais do dia a dia – da ausência em um happy hour à queda de participação em comunidades internas. “Se uma pessoa que sempre estava ativa deixa de participar, já é um sinal que precisa ser olhado com cuidado”, aponta Fernanda.

da AXS Energia
Como exemplo dessa atenção aos detalhes, Fernanda cita o caso de um colaborador que havia deixado a empresa em bons termos e, alguns meses depois, pediu para voltar. “Era uma pessoa que amava muito a marca, mas a produtividade começou a cair, vieram os atestados e alguns problemas pessoais. A liderança foi acompanhando de perto, mas percebemos que ele já não estava mais ali”, lembra. Nesse momento, o RH entrou em ação com uma conversa sincera e o colaborador, então, admitiu que queria experimentar outra área. “E a gente fez essa mudança, porque entendemos que era o caminho para ele se reconectar”, explica.
Coerência e pequenos gestos
Esse olhar próximo, reforça Fernanda, é crucial para orientar as lideranças nesses momentos mais sensíveis, que demandam agilidade para captar o menor sinal de desconexão. “Conhecendo sua equipe, o gestor identifica quando alguém deixa de interagir em reuniões, quando há excesso de atestados ou pedidos de home office. E isso tudo é comunicação interna, porque estamos atentos ao que as pessoas dizem ou deixam de dizer”, afirma. Além dessa proximidade, ela destaca que a credibilidade nasce de pequenos gestos. “Tudo aquilo que a gente prega, a gente pratica”, diz, lembrando que valores como sustentabilidade e propósito precisam ser vividos. É por isso que na AXS é proibido o uso de garrafas plásticas, por exemplo. “Essas atitudes simples mostram que o que a gente defende é real.”
Em outras palavras, o que os profissionais realmente buscam é coerência, até nos rituais e feedbacks mais corriqueiros, algo que a comunicação interna pode fazer acontecer ao transformar a narrativa institucional em comportamentos reais. Segundo Camila Cinquetti, comunicação não é só mensagem: é ambiência. Se o ambiente é positivo, psicologicamente seguro e construído com transparência, as pessoas falam sem medo de retaliação e as lideranças as escutam sem se defender. “Isso é o que diferencia empresas que realmente lideram com propósito daquelas que ficam só no discurso”, reflete a porta-voz da PwC Brasil.
Liderança presente e empática
De fato, quando há transparência no que é dito, o efeito é bem maior do que uma simples avaliação positiva. “Quando a empresa comunica bem as mudanças e mostra o porquê das decisões, as pessoas se sentem mais seguras e conectadas”, analisa. Afinal, quem entende as regras do jogo joga melhor – e, sobretudo, com mais disposição e segurança. E, aqui, vale um adendo, feito por Karolina: “o silêncio pode ser ainda mais pesado do que uma resposta incompleta”.

da Schneider Electric
Para ela, seja no dia a dia ou nos momentos mais complexos, o papel do líder é se mostrar presente e assumir a comunicação com honestidade, uma postura que, segundo a executiva, ajuda a conter a ansiedade coletiva. Ela reforça ainda que, mesmo quando a alta liderança se comunica com frequência, o canal direto com o gestor imediato faz toda a diferença, já que o trabalho em equipe está profundamente ligado à confiança cultivada diariamente. A” comunicação de gestores com honestidade e cuidado transforma o silêncio em confiança e mantém o engajamento, mesmo em cenários desafiadores”, complementa. Essa visão ganha forma na capacitação contínua de líderes, na criação de rotinas de comunicação que evitam especulações e na consolidação de uma cultura genuinamente colaborativa.
Escuta confiável e liderança jovem
Na mesma linha, Camila Cinquetti, da PwC Brasil, chama atenção para o risco de deixar espaços em aberto: sem clareza sobre o porquê das decisões, o quiet cracking rapidamente encontra terreno fértil, já que cada um passa a preencher esse vazio – que deveria ser ocupado pela comunicação – com a própria narrativa. Não à toa, a seu ver, não basta abrir canais de diálogo e “pronto”; a escuta precisa ser estruturada e, sobretudo, confiável aos olhos e ouvidos do colaborador, que espera retorno sobre o que compartilhou. E é justamente nesse ponto que líderes preparados se tornam decisivos. “Quando a liderança entra nessa conversa com empatia, potencialmente as coisas mudam: cria-se um ambiente onde as pessoas se sentem à vontade para dizer o que estão sentindo e serem autênticas.”
Nem todo mundo nasce pronto para liderar – muitas vezes sobram habilidades técnicas, mas faltam atributos como empatia, sensibilidade e inteligência emocional. Ainda assim, é possível se desenvolver, como lembra Camila, desde que a comunicação interna atue de forma estratégica nesse campo. Segundo a porta-voz da PwC, ela pode ser uma espécie de guia, ajudando as lideranças a enfrentarem não apenas os desafios mais complexos, mas as tarefas mais comuns, como conduzir reuniões, dar feedback ou encarar uma conversa difícil. É nesse ponto, no papel de guardiã da cultura organizacional, que a comunicação assegura dois itens indispensáveis à narrativa interna: coerência e consistência.
Autonomia e segurança
Fernanda Amin, da AXL Energia, reforça esse olhar ao destacar que esses dois fundamentos têm tudo a ver com autonomia e segurança psicológica. “Acredito muito na autonomia com responsabilidade. O time precisa se sentir confortável para agir, sabendo que o gestor vai estar ali para segurar a bronca se algo der errado. Isso cria um ambiente seguro em que as pessoas participam e se sentem parte”, defende.
Esse movimento é ainda mais relevante em uma empresa cuja média liderança é formada por profissionais jovens, muitos em seu primeiro cargo de gestão – inclusive a própria Fernanda. Para dar sustentação a esse modelo, a companhia criou uma estrutura de treinamentos de liderança com dez encontros imersivos, feedbacks obrigatórios a cada seis meses e sessões de coaching individual para gestores que precisavam de apoio extra. “Não existe nada escrito em pedra. A gente acredita que todo mundo pode aprender. O importante é alinhar expectativas.”

Confiança em tempos de incerteza
Sem dúvida, a dupla “coerência e consistência” ganha ainda mais valor em momentos de incerteza. Mesmo sem todas as respostas, a comunicação entre líderes e equipes não pode falhar, porque é justamente quando o incômodo é alto e o ruído quase inaudível que o quiet cracking encontra espaço para se instalar. A pesquisa Hopes and Fears 2024, da PwC, reforça esse alerta: o silêncio pode esconder tensões emocionais que comprometem produtividade, engajamento e bem-estar. “Mais da metade dos profissionais brasileiros sentem que há mudanças demais acontecendo ao mesmo tempo no ambiente de trabalho ou mercado em que atuam, e 34% deles não entendem o motivo dessas transformações”, aponta Camila. E com a saúde mental comprometida, essa desconexão cultural só tende a piorar.
Nesses cenários, a clareza é tão importante quanto a decisão a ser tomada, porque a insegurança rapidamente pode se transformar em medo. Como observa Camila, os colaboradores não esperam soluções prontas, mas transparência e realismo sobre o que está acontecendo. A pesquisa da PwC confirma: é essa postura próxima e ativa que os profissionais querem ver em seus líderes. “Isso inclui a adoção de uma nova postura com a prática da comunicação aberta, empática e realista, reconhecendo os desafios e reforçando o apoio à equipe”, completa.
Bem-estar que se torna prática diária
Aliás, vale lembrar que, com a recente revisão da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), os riscos psicossociais passaram a ser obrigatoriamente considerados pelas empresas na formulação de suas políticas de saúde e segurança do trabalho. Ou seja, cuidar das pessoas não é apenas uma questão de bem-estar – é também uma exigência. Nas palavras de Karolina Gutiez, da Schneider Electric, “bem-estar não é luxo nem discurso bonito – precisa aparecer no dia a dia para ser legítimo”, o que reforça o importante papel da comunicação interna nesse processo (inclusive, como forma de combater o quiet cracking). Criar fóruns de escuta e espaços de diálogo é estratégico, segundo ela, assim como adotar políticas de flexibilidade, que incluem home office, horários adaptáveis e até redução de jornada. “Quando tornamos visíveis essas iniciativas, mostramos que o cuidado é real e que ninguém precisa ter medo de se abrir.”
Fernanda complementa com a experiência recente da AXS no campo digital. A mudança na forma de dialogar com os colaboradores, com a comunicação adotando emojis, vídeos e uma linguagem mais leve, também foi importante para aumentar o engajamento e afastar, de vez, o quiet cracking. “Todo mundo passou a se sentir dono da comunicação. O colaborador precisa se sentir parte e perceber que o trabalho dele importa”, enfatiza. Confiança, para ela, tem a ver com trazer para perto as pessoas e entender o que está acontecendo. Isso, sim, é fundamental para nutrir a credibilidade da empresa.
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