Paulo Nassar: comunicação como pilar democrático

Reconhecido como um dos principais pensadores da comunicação organizacional no Brasil, o professor Paulo Nassar reflete sobre reputação, jornalismo, o papel das marcas na sociedade e os desafios contemporâneos da comunicação

A comunicação empresarial brasileira carrega, em sua história recente, marcas profundas da atuação do professor Paulo Nassar, diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial – Aberje, professor titular da ECA-USP e referência incontornável na produção de conhecimento sobre o campo. Nesta entrevista especial, concedida à Plataforma Negócios da Comunicação por ocasião da 15ª edição da Pesquisa Empresas que Melhor se Comunicam com Jornalistas, Nassar aborda questões centrais para o presente e o futuro da comunicação corporativa.

Com a autoridade de quem acompanha há décadas as transformações das relações entre empresas, imprensa e sociedade, ele analisa o papel das marcas na construção de reputação, o impacto da desinformação, o valor da escuta ativa e a responsabilidade das lideranças na era da pós-verdade. Também revisita conceitos como densidade simbólica, coerência narrativa e comunicação como vetor da democracia.

Mais do que um panorama sobre os desafios contemporâneos, a entrevista propõe uma reflexão sobre o que deve orientar a atuação das empresas em um ecossistema informacional cada vez mais complexo, onde credibilidade, transparência e diálogo tornam-se ativos estratégicos.

Paulo Nassar recebe, nos EUA, o Atlas Award, o “Nobel das Relações Públicas

Olhando para a trajetória da comunicação empresarial no Brasil, qual sua avaliação da consolidação dessa área como estratégica dentro das organizações?

A comunicação empresarial só se consolidou como estratégica porque a sociedade a forçou a sair da caixinha do “release” e do “clipping”. A pressão social, os escândalos de reputação, as crises ambientais e os movimentos de consumidores empoderados obrigaram as organizações a olhar para a comunicação como oxigênio. As empresas não se tornaram estratégicas porque quiseram, mas porque foram encurraladas.

Muito se fala do valor da reputação. Na sua visão, qual é o papel da comunicação corporativa na construção e preservação da reputação das empresas?

Reputação não é uma estátua no saguão da empresa. É uma chama que precisa ser alimentada todos os dias com coerência, transparência e diálogo. Comunicação corporativa que não escuta, que não dá voz aos críticos, é só maquiagem. E maquiagem derrete na primeira chuva.

A Pesquisa Empresas que Melhor se Comunicam com Jornalistas evidencia uma intersecção importante entre jornalismo e comunicação corporativa. Como o senhor enxerga essa relação, considerando tanto as convergências quanto as tensões?

Jornalismo e comunicação corporativa são como vizinhos de muros baixos: convivem, se ajudam, mas também se espionam e brigam pelo território. Há convergências, como a busca por narrativas que façam sentido, mas também há tensões inevitáveis, porque o jornalismo responde ao interesse público e a comunicação empresarial ao interesse organizacional. Negar esse conflito é infantilizar o debate.

Você deu destaque à expressão “comunicação com densidade simbólica”. Poderia explicar o conceito e como as organizações podem aplicá-lo para gerar sentido em meio ao excesso de informações?

Comunicar com densidade simbólica é deixar de entregar pílulas de informação diet, sem sabor, e oferecer narrativas que alimentem. É transformar dados em mitos, números em histórias, relatórios em experiências. No mar de informações rasas, a densidade simbólica é como um mergulho profundo: exige fôlego, mas revela mundos que a superfície não mostra.

Ao longo de sua trajetória, quais marcos ou cases o senhor destacaria como fundamentais para a evolução da comunicação empresarial no Brasil?

Os grandes marcos da comunicação empresarial no Brasil não estão apenas em cases premiados, mas nas crises que desmascararam narrativas frágeis. Casos como acidentes ambientais, greves, crises políticas, fizeram a comunicação sair da zona de conforto. A evolução da área é, em grande parte, fruto da dor e não apenas da criatividade.

Vivemos em um tempo marcado pela pós-verdade e pela disseminação de fake news. Qual deve ser a responsabilidade das empresas e do jornalismo profissional diante desse cenário?

As empresas que se calam diante das fake news são cúmplices. O jornalismo que se omite, idem. Não basta negar mentiras: é preciso disputar narrativas, ocupar espaço público, educar para a cidadania informacional. Neutralidade, nesse caso, é só outro nome para covardia.

“Propósito sem resultado é poesia vazia. Resultado sem impacto social é barbárie. Impacto sem propósito é oportunismo.”

As novas tecnologias, como inteligência artificial e algoritmos das redes sociais, têm transformado a forma como as pessoas consomem informações. Quais os impactos disso na comunicação corporativa e no relacionamento com a sociedade?

As redes sociais e a inteligência artificial transformaram a comunicação corporativa em refém de cliques e métricas vazias. O risco é a empresa acreditar que engajamento é sinônimo de confiança. Algoritmo não gera vínculo humano. E vínculo humano é o que sustenta uma organização em tempos de crise.

O senhor sempre destaca o papel da comunicação para a democracia. De que maneira os comunicadores e as lideranças empresariais podem contribuir para preservar valores democráticos em tempos de polarização?

Comunicação empresarial que serve apenas ao lucro imediato é inimiga da democracia. Lideranças e comunicadores só contribuem de fato quando defendem a pluralidade, dão espaço a vozes divergentes e não reduzem o público a consumidores. Comunicação é política, negar isso é ingenuidade ou má-fé.

“Comunicação corporativa que não escuta é só maquiagem. E maquiagem derrete na primeira chuva.”

Cada vez mais se cobra das marcas coerência entre propósito, impacto social e resultados de negócios. Como equilibrar essas dimensões de forma consistente?

Propósito sem resultado é poesia vazia. Resultado sem impacto social é barbárie. Impacto social sem propósito é marketing oportunista. O desafio não é equilibrar, é integrar. Uma marca coerente não precisa viver no malabarismo: ela simplesmente age em alinhamento com o que prega.

Por fim, olhando para o legado da Aberje e para sua trajetória acadêmica, quais são os principais desafios e oportunidades na formação das novas gerações de comunicadores?

O maior desafio para formar novas gerações de comunicadores é tirá-los da dependência das fórmulas e modismos. É afastá-los da Indústria das Relações Não-Públicas. Oportunidade existe para quem consegue ser antropólogo, filósofo, estrategista e contador de histórias ao mesmo tempo. Comunicação não é carreira para quem quer conforto: é profissão para quem gosta de caminhar sobre a corda bamba da sociedade contemporânea.

Homenagem Especial

Durante a cerimônia de premiação da 15ª edição da Pesquisa Empresas que Melhor se Comunicam com Jornalistas, o Professor Paulo Nassar — presidente-executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e professor titular da ECA-USP — será homenageado em reconhecimento à sua contribuição histórica para o fortalecimento da comunicação corporativa e para a valorização do jornalismo no Brasil.


*Paulo Nassar é Professor Titular da USP, Diretor- Presidente da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) e Chefe do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Entre outras premiações recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America, considerado o Nobel da área, por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha).

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