Diante dos avanços das notícias falsas, críticas, ataques e com credibilidade colocada em xeque, jornalistas defendem que profissão deve fazer autocrítica e redobrar a atenção com a apuração das notícias. As redes sociais, que propagam fakes news, também tem sido utilizada por jornalistas profissionais para melhor apuração e contato direto com as fontes. A questão, portanto, é saber usar e checar informações.
Nos últimos anos tem se tornado um desafio para a imprensa brasileira realizar seu trabalho. Com a aceleração de fake news pelas mídias digitais, a descrença na imprensa e ataques de políticos e militantes ideológicos que desejam ver o fim da democracia e são contra jornalistas — inclusive com ameaças físicas e virtuais — fez surgir nos últimos anos uma certa desconfiança do jornalismo profissional por parte da sociedade. Enquanto isso, grupos significativos cultuam a fakes news como verdades absolutas. Mas a audiência está dividida entre os que confiam na imprensa e os que não confiam.
De acordo com o Relatório Digital de 2022, elaborado pela agência inglesa de estudos em Jornalismo, Reuters, 48% dos brasileiros dizem acreditar nas notícias apresentadas por jornalistas profissionais. A pesquisa feita com 93 mil leitores de 46 países, revelou que o patamar do Brasil é superior ao de outros países da América Latina como o Peru 41%, Chile 38%, Colômbia e México 37% e Argentina 35%.
O estudo aponta também o aumento da falta de confiança da audiência e o crescimento de outras plataformas de disseminação de informação em detrimento de jornais e revistas que exercem jornalismo profissional. Pois, 54% dos entrevistados, no país, evitam buscar informações corretas propositadamente.
Outro estudo, é a III Pesquisa sobre o Impacto da Pandemia nas Redações da América Latina, organizada pela Latam Intersect PR. Esse levantamento mostra que os profissionais da imprensa também estão utilizando mais as redes sociais como fontes: Metade (50,9%) dos jornalistas utiliza as mesmas plataformas de redes sociais para comunicações pessoais e profissionais.
“Este ano, além de voltar a ouvir os jornalistas, adicionamos uma nova pesquisa que detalha como o consumo de notícias foi afetado pela pandemia e o ‘novo normal’”, acrescenta Claudia Daré, co-fundadora e diretora da agência de relações públicas.
Assim, de acordo com o levantamento da Latam Intersect, quase um terço (28,3%) dos latino-americanos pesquisados nunca leu veículos de mídia impressa, e 40,5% dos latino-americanos agora confiam nas redes sociais como sua principal fonte de informação. E quase três quartos (72,5%) consomem notícias diretamente dos perfis das postagens nas redes sociais, enquanto 40,6% dizem consumir notícias dos feeds de seus amigos e 36% diretamente dos perfis dos jornalistas nas redes sociais.
“Em toda a América Latina, as redes sociais já representam a principal fonte de notícias, seguidas por portais online e televisão”, diz Claudia. “Isso também significa que os meios de comunicação estão se voltando cada vez mais para as mídias sociais para divulgar suas notícias, o que, por sua vez, se reflete na proporção de consumidores ou leitores que acessam notícias diretamente dos feeds dos próprios jornalistas”.
Oportunidade para melhorar o jornalismo
Apesar do descrédito nos meios de comunicação tradicionais por parte do público, eles são essenciais para combater a disseminação no país. A jornalista e colunista da Folha de S. Paulo Patrícia Campos Mello acredita que o momento é propício para reafirmar o compromisso da imprensa profissional diante dos ataques que vem sofrendo, pois, segundo ela, “é uma oportunidade para fazermos o trabalho de forma mais cuidadosa”.
A jornalista que já foi atacada enquanto exercia seu trabalho, destaca que mesmo diante da crise do jornalismo profissional é preciso redobrar a atenção na prática jornalística, principalmente para atrair a confiança do leitor. “Essa crise serve para fazer o nosso trabalho de uma forma mais exigente, mais do que nunca. O que as redes de desinformação mais querem é que o jornalismo profissional erre, por isso precisamos redobrar atenção”, pontua a jornalista.
Jornalismo profissional também em novos meios
Diante dos cenários de multimeios e a crescente disseminação de informações, profissionais de comunicação se tornam alvo do público mais radical, que não acredita nos meios de comunicação tradicionais, muitas vezes por motivos ideológicos e muitos devido aos quatro anos de campanha do governo federal contra jornalistas. Em 2019 um estudo realizado pelo Congresso Nacional mostrou que mais de 50% dos brasileiros se informam principalmente pela televisão. Porém, 79% dizem acreditar nas informações que recebem pelo WhatsApp, e 49% afirmam que acompanham informações pelo YouTube e acreditam nos vídeos. Qualquer que sejam eles.
Contra-ataque: jornalistas também no digital
Nos últimos anos, jornalistas profissionais migraram para as plataformas digitais, é o caso do canal MyNews, fundado por Mara Luquet. O formato, pioneiro no país, traz informações, com jornalistas conhecidos do grande público, pelo YouTube. Myrian Clark, editora chefe do canal, afirma que o formato apresentado é diferente do modelo de jornalismo tradicional, porém pautado pela ética profissional e voltado a informar de uma maneira mais informal.
O canal, que hoje tem mais de 700 mil inscritos, propõe debater as notícias de forma leve. “Acredito muito no jornalismo profissional. No MyNews nós estamos trabalhando de casa, mas tomamos o maior cuidado possível para não parecer uma produção caseira, sempre temos a preocupação de ouvir os dois lados”. Myrian afirma ainda que uma das preocupações do jornalismo atualmente é não ficar pautado apenas nas declarações dos entrevistados. “Não podemos ficar só no jornalismo declaratório, muito dos problemas que enfrentamos hoje é por causa deste jornalismo. Precisamos procurar pessoas credenciadas para falar dos assuntos e trazer pluralidade de vozes para que a audiência forme a sua opinião”, afirma a jornalista.
Da mesma opinião compartilha Patrícia Campos Mello. Para a profissional, nos últimos anos o jornalismo tem se tornado mais declaratório e pouco pautado em dados ou fontes que contribuam com a clareza dos fatos: “No jornalismo atual têm opinião demais, e é preciso deixar claro o que é opinião e o que é notícia. Ambas são importantes, mas hoje em dia tem opinião demais nos jornais”.
Credibilidade da imprensa é tema de debate
As causas da descrença na imprensa, fake news e novos modelos de informação foi tema de debate no “Festival Piauí de Jornalismo”, realizado nos dias 3 e 4 de dezembro, em São Paulo. No evento, jornalistas e especialistas discutiram a credibilidade da imprensa e os desafios que os jornalistas e o jornalismo têm enfrentado diante da crise.
Após dois anos sem festival presencial, devido a pandemia, o tema que marca o retorno do evento está associado à confiança na imprensa durante a crise sanitária. “Estávamos buscando um tema, e vimos pelo relatório Reuters que a credibilidade no jornalismo caiu no mundo todo. Em um ano que as fake news e a desinformação foram tão relevantes casou com o tema”, ressalta o editor-executivo da Revista Piauí, José Roberto de Toledo.
Ameaças à imprensa em outros países
Um dos painéis do evento comandado pela jornalista Consuelo Dieguez, com Ricardo Gandour , ex-Estadão e professor da ESPM, com a participação da jornalista salvadorenha Julia Gavarrete, tratou do autoritarismo político e as consequências para o trabalho da imprensa livre. Os profissionais debateram como o regime autoritário do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que foi eleito de forma questionável, interfere no trabalho da imprensa do país, muitas vezes para descredibilizar o trabalho dos profissionais.
Em abril deste ano Bukele aprovou uma nova lei de imprensa que proíbe os meios de comunicação de noticiar questões desfavoráveis a seu governo. Júlia relatou que os órgãos policiais do país sequestram jornalistas e seus materiais de trabalho e teve seu celular invadido. “Comecei a suspeitar quando meu celular passou a reiniciar sozinho no meio da noite, outros profissionais passaram por isso”.
Em outro painel, a jornalista finlandesa Jessika Aro, relatou como o governo russo alavancou as notícias falsas na Internet, muito antes delas se tornarem conhecidas. A profissional que cobriu a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, relatou que o Governo Putin criou mecanismo para ameaçar jornalistas russos e jornalistas que trabalham na Rússia como correspondentes. Uma das técnicas usadas foi a disseminação de notícias falsas contra profissionais da imprensa e ameaças por redes sociais ou ligações. “Um perfil fingindo ser alguém real ameaçava me matar e isso me mostrou como a Rússia estava agindo não só contra a mídia tradicional, mas contra as pessoas que individualmente queriam participar de debates nas redes sociais”, lembra Jessikka.
No Brasil, apesar do tamanho menor, notícias falsas e ameaças contra a imprensa se tornaram constantes. Segundo o relatório “Monitoramento de ataques a jornalistas no Brasil” lançado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em 2021, foram registrados mais de 453 ataques à violação de liberdade de imprensa, aumento de 23,4% em relação ao ano interior.
O levantamento aponta que a credibilidade da imprensa brasileira está em cheque diante de tantos ataques e desconfianças. Consuelo Dieguez, da revista Piauí, afirma que a falta de credibilidade da imprensa surge por muitas razões, inclusive pela instabilidade política. A profissional aponta que o jornalismo precisa fazer autocrítica e entender o porquê muitas pessoas buscam informações por outros meios que não seja a imprensa. “Pela crise no jornalismo nós reduzimos muito o número de profissionais, passamos a dar muita opinião, e paramos de olhar o Brasil”. Consuelo contínua: “Deixamos de entender o que está se passando com parte da sociedade, nos achamos dono da verdade, e descobrimos que não é assim”.