Violência contra jornalistas aumentou ano passado

A cada dois dias, a imprensa brasileira sofreu algum tipo de ataque: 137 casos de violência não letal, que envolveram pelo menos 212 profissionais e veículos de comunicação. E dois assassinatos

Alguém no Brasil não gosta de jornalistas. Ano passado, há cada dois dias a imprensa sofreu algum tipo de ataque. Foram 137 casos de violência não letal, que envolveram pelo menos 212 profissionais e veículos de comunicação. E dois assassinatos, mais um terceiro a ser apurado, segundo relatório Relatório ABERT sobre Violações à Liberdade de Expressão — da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e  Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Não se pode concluir, ainda, que seja algo orquestrado, comandado por algum grupo econômico ou político,  mas as manifestações de ódio, violência e truculência sobre profissionais de imprensa, diretamente, na rua, ou indiretamente nas redes sociais parece não fazer sentido num Estado Democrático de direito. Afinal, jornalistas tem um papel importante de relatar fatos, denunciar abusos de todas as espécies, e funcionar como uma espécie de quarto poder, monitorando os outros três, além de personalidades e empresas. Talvez alguns desses grupos, pegos com a boca na botija em algum tipo de irregularidade, não gostem de alguém colocando o dedo nas feridas e dando publicidade ao que deveria estar debaixo do tapete.

A era Bolsonaro

É sempre bom lembrar que o governo Jair Bolsonaro deu um start perigoso, ao insuflar quase diariamente um sentimento de ódio e deboche contra a imprensa e peitar jornalistas que cumpriam o seu dever de apurar notícias.  Foram quatro anos de ataques, no cercadinho do Palácio do Planalto e em outras ocasiões.

De acordo com estudo encomendado pela ABERT à Bites, empresa de análise de dados para decisões estratégicas, em 2022, ano marcado por eleições gerais, mais uma vez, a mídia brasileira não ficou imune às agressões e correntes de ódio virtuais.

Os ataques à imprensa, partindo de aliados do então presidente Jair Bolsonaro, chegaram a 1,32 milhão de posts, uma redução de 6% em relação ao ano anterior, quando chegaram a 1,4 milhão de críticas publicadas no Facebook, Twitter e Instagram.

Manoel Fernades, da Bites

Os números significam que, em 2022, a imprensa brasileira sofreu, nos meios digitais, 3,6 mil ataques por dia, 150,7 por hora ou 2,51 ataques por minutocom palavras pejorativas e de baixo calão contra os profissionais e veículos de comunicação.

“Como nos anos anteriores, Bolsonaro se manteve como principal hub de ataques ao trabalho da mídia e sua capacidade de engajamento amplificou essas mensagens contra o jornalismo e os jornalistas”, afirmou Manoel Fernandes, diretor da Bites.

Depois de um ano sem registrar homicídios relacionados ao exercício da profissão, o país contabilizou, no ano passado, ao menos dois crimes brutais, além de uma terceira ocorrência ainda sendo investigada no Ceará. O caso mais notório foi do jornalistas britânico Dom Philips, na Amazônia.

Quatro meses antes, em fevereiro, o dono do site de notícias Pirambu NewsGivanildo Oliveira da Silva, foi morto a tiros nas proximidade de sua casa, em Fortaleza (CE). Gigi, como o comunicador era conhecido, foi atingido por diversos disparos, logo após noticiar a prisão de um suspeito de duplo homicídio.

A Abert aguarda a conclusão das investigações do homicídio do jornalista e empresário Luiz Carlos Gomes, ocorrido em agosto do ano passado, no Rio de Janeiro. Dono do Jornal Tempo News, de Italva, no noroeste fluminense, Gomes dirigia seu carro quando dois homens se aproximaram em uma moto e efetuaram disparos. O caso não foi contabilizado no relatório da Abert, porque a Polícia Civil do Rio de Janeiro ainda não confirmou tratar-se de um crime relacionado ao exercício do jornalismo.

Diferentemente de 2021, quando as ofensas lideraram os registros, desta vez, as agressões físicas estiveram no topo da lista de violações ao trabalho jornalístico. Foram 47 casos contra os 34 do ano anterior, um aumento significativo de 38,24%. O número de vítimas também subiu de 61 para 74, um aumento de 21,31%. Quase 64% dos casos de agressão física ocorreram nas regiões Sudeste e Sul.

Considerando o total de casos classificados como violência não letal, o número de denúncias foi 5,5% menor do que em 2021, com 7,83% menos vítimas. Além das já citadas ocorrências de agressão física, as denúncias incluem ofensas, intimidações, ameaças, ataques/vandalismo, importunação sexual, injúria, atentados, censura, sequestro e roubo/furto.

Autoridades públicas e políticos são os principais agressores

Conforme o relatório, políticos e autoridades públicas são, no país, os principais autores de agressões verbais e ofensas contra jornalistas e profissionais da comunicação em geral.

Flávio Lara Resende, da Abert

“Os ataques em várias cidades brasileiras ocorreram, em sua maioria, nos dias seguintes ao segundo turno da eleição presidencial, durante a cobertura dos protestos contra o resultado do pleito, em defesa de um golpe militar, e durante a desmobilização de acampamentos em frente aos quartéis do Exército.”, aponta o relatório.

Para a Abert, o comportamento é visto no mundo todo como uma ameaça à democracia, que se vê enfraquecida pelos ataques à liberdade de imprensa e de expressão.

“A manutenção de uma mídia livre, independente e plural é essencial ao desenvolvimento e preservação da democracia. A tarefa de apresentar uma visão crítica sobre fatos de interesse da sociedade, com a devida checagem, continua sendo o antídoto a qualquer ameaça ao trabalho da imprensa”, afirmou o presidente da Abert, Flávio Lara Resende, na introdução do relatório cuja íntegra está disponível no site da entidade.

Importunação Sexual

Os autores do relatório destacam, no documento, que, assim como os homicídios, os casos de importunação sexual voltaram a aparecer no mapa da violência. Foram computados ao menos quatro casos de assédio praticado contra jornalistas mulheres no exercício de suas funções.

As vítimas eram, em sua maioria, repórteres e apresentadoras de TV. Em 75% dos casos, as profissionais faziam coberturas esportivas na Região Sudeste. Além de beijos sem consentimento, mensagens anônimas e vídeos de cunho sexual foram enviados para as comunicadoras.

Em setembro, um torcedor beijou a repórter da ESPN, Jéssica Dias, enquanto ela fazia uma transmissão ao vivo, momentos antes do início de uma partida pela semifinal da Libertadores, no Maracanã (RJ). A equipe que acompanhava Jéssica conseguiu segurar o assediador, que foi preso após prestar esclarecimentos à polícia.

O Brasil continua nas listas mundiais de nações perigosas para o exercício do jornalismo

De acordo com dados da organização internacional Repórteres sem Fronteiras (RSF), no período de 2003 a 2022, 42 jornalistas perderam a vida no Brasil. Na maioria dos casos, a motivação dos assassinatos estava diretamente relacionada a denúncias e investigações de crime organizado e corrupção.

Ao lado de México, Colômbia e Honduras, o Brasil figura entre os 15 países da América Latina que registaram o maior número de casos de assassinatos de jornalistas nas últimas duas décadas.

Já o Observatório de Jornalistas Assassinados da UNESCO aponta que, em 2022, 87 profissionais da mídia foram mortos em todo o mundo, um a cada quatro dias.

 

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