Transformação cultural demanda tempo e exige liderança

Barreiras como preconceitos explícitos e vieses inconscientes não terminam com uma canetada, mas diminuem com políticas internas e o exemplo do alto escalão

As políticas de diversidade e inclusão (DI) têm passado por mudanças dentro das empresas, o que exige uma profunda transformação cultural — e orçamento direcionado para isso. Além do envolvimento constante das lideranças responsáveis pelo processo. Nada acontece do dia para a noite. Mesmo aquelas que sabem que avançaram muito no processo, os desafios são permanentes. Como dizem os especialistas, é uma questão de jornada, não de ponto de chegada.

Dois painéis no 2º Fórum Melhor RH Diversidade e Inclusãodiscutiram possibilidades concretas de uma política inclusiva e aberta às diferenças: o Headcount da inclusão  e Diversidade não é diferencial. O evento foi promovido pelas Plataformas Melhor RH e Negócios da Comunicação.

O primeiro painel teve a presença de Leandro Corrêa, gerente de Gente, Diversidade e Inclusão – Brasil da Arcos Dorados; Mário Augusto Costa Valle, coordenador do Programa de Inclusão e Diversidade do Senac; e Melina Gavazzi, gerente de Gestão de Talentos da Atlas Schindler.

Melina começou o “esquenta” lembrando que é sim necessária uma transformação cultural e apontou alguns caminhos. O primeiro é uma formação em torno do tema, estudos. “As organizações precisam de muito conteúdo, letramento, aprendizado conceitual em termos de todo esse assunto que em geral fica fora da organização”, opinou. A próxima etapa, ainda segundo ela, é reconhecer também os vieses inconscientes: “Como ser  humano, é algo normal. Todo mundo tem vieses baseados em suas vidas, naquilo que tem experiência”. Outra coisa que não se pode esquecer, num processo inicial de implantação desse novo olhar corporativo, é ter um diagnóstico da situação interna, ainda segundo Melina: “Entender onde estão as dores, e você vai precisar saber onde estão os dados, o senso da empresa, os piores e melhores resultados, e tomar decisões baseadas nesses dados”.

Fazer barulho

Outro ponto importante na visão da gerente: “DI precisa fazer barulho dentro da organização, baseado em metas, de forma consciente, sem a necessidade de abraçar o mundo de uma só vez. Tanta coisa para ser feita, é uma jornada, e sempre tem o que melhorar. Com dados na mão, sugiro que se estabeleça um foco, veja onde estão as principais dores, e defina metas baseadas nessas dores principais. Sem querer abraçar o mundo; você não consegue o foco que quer, se tentar mudar a cultura de uma só vez”.

Mário Augusto, do Senac, aponta outro fator fundamental para impulsionar essa transformação cultural:  “O ponto de partida é o envolvimento da alta gestão, não é determinante, mas vai viabilizar que essas ações, voltadas a DI, ganhem força”. E, além disso, sugere, o envolvimento de todos os setores, sob coordenação do RH.

Corrêa, da Arcos Dorados, diz que existem três pontos desafiadores nesse processo: a capacidade do profissional ou área de DI de dialogar com o negócio; a cultura da organização, que não muda da noite para o dia, muito menos com uma simples declaração de princípios; e, finalmente, criar espaços seguros na organização, para as pessoas serem elas mesmas e criar uma atmosfera sem violência psicológica e discriminações.

Network como aprendizado

O network, a troca de experiências, é também fundamental, lembrou Melina: “Criar relacionamento com pessoas dentro e fora da organização; se conectar com pessoas que entendam o tema, empresas que já tenham uma estrutura robusta de DI, que já venham trabalhando o assunto há alguns anos… porque aprendemos muito com o sucesso e o insucesso de empresas e com as outras pessoas”. E exemplificou com sua própria experiência: “Aqui na empresa uma das dores é o percentual homem/mulher na organização; tem uma questão cultural no país que se reflete internamente, nossa empresa tem muitos técnicos, engenheiros e aqui entra o fator da formação acadêmica. Quem busca nossa área, historicamente, são homens, apesar de isso estar mudando aos poucos. Para fazer essa virada em termos de gênero, e retenção de mulheres, foi preciso estabelecer essa questão em um dos nossos princípios básicos. Um dos objetivos principais. Depois, partimos para outros fatores, inclusive a questão de orçamento de DI. Precisamos de fato trabalhar afinados com a estratégia e mostrar que essa nova política vai trazer benefícios que a empresa precisa”.

“Nossa gestão é descentralizada e isso ajuda muito”, observou o coordenador do Senac. “Temos representantes em todos os setores e em todas as escolas do Senac em São Paulo. Assim, todos podem dialogar e contribuir para essas ações”, destacou. Mas as barreiras atitudinais, pondera Mário Augusto, “são as mais difíceis de transpor”.

Na Arcos Dorados, a diretoria de RH foi transformada em Gente, Diversidade e Inclusão: “Essa iniciativa firmou nossa atuação em termos de DI, num novo patamar, colocando o tema como fio condutor de todos os processos da área; aqui faz parte de nosso planejamento estratégico. E como resultado, das 1.500 pessoas com deficiência, que trabalham conosco, 70% são possuem alguma deficiência intelectual, quando, no mercado brasileiro, o número de pessoas empregadas nessa condição é de apenas 8%. No último ano, de todas as promoções concedidas aqui, 61% delas foram ocupadas por pessoas negras. Na posição de liderança em nossos restaurantes, 54% foi ocupada por pessoas negras, e as mulheres ocupam 51% de todas as lideranças em nossa organização. Esses resultados todos foram consequências de ações que percorrem todas as áreas de negócios, estão introjetadas na nossa cultura, e passaram por um exercício continuo de levar para a estratégias da organização a demandas de DI”.

Diversidade está na agenda do mercado

No painel Diversidade não é diferencial, foi abordada a questão o custo reputacional de quem ainda não entendeu essa mudança. O tema foi discutido por Eduarda (Duda) Lopes, sócia-diretora da Planin Comunicação; Gustavo Tavares, gerente geral Américas no Top Employers Institute; e Robert dos Anjos, diretor Educacional do Senac São Paulo.

Diversidade não é apenas mais uma política desejável dentro das empresas. Embora o mundo empresarial ainda seja dominado por gerações que se esforçam para entender o básico do ABC da diversidade, já está mais do que comprovado o impacto direto dela na retenção de talentos, na imagem da companhia e, principalmente, no lucro. A economia americana perde cerca de 23 trilhões de dólares todos os anos em consequência da falta de diversidade em suas empresas — a mesma causa também resulta em outros 70 trilhões perdidos por produtividade. Isso se deve ao fato de que quando há menos diversidade consequentemente há menos inovação, retenção de talentos e receitas.

Robert, do Senac, confirma que a diversidade não é mais um diferencial. Muitas empresas estão adotando devido à necessidade de uma reparação social histórica e também ao fato de ser algo lucrativo para as organizações. “É uma questão de representatividade”, diz, e aponta a realidade que choca: “A gente olha para o Brasil e o mundo e é possível afirmar que somos uma sociedade que se organizou e se estruturou de forma racista, machista, LGBTfóbica, capacitista, gordofóbica, xenofóbica, e etarista. E a gente observa, comprova a existência dessa realidade, desde o vocabulário que os homens se utilizam de forma pejorativa, até o fato de existir grupos sociais privados historicamente de direitos básicos e que foram marginalizados”.

Alguns dados do último senso do IBGE lembrados pelo diretor do Senac: “53% dos brasileiros são pessoas negras, independentemente de serem pretos ou pardos e 51,1% são mulheres. Somos predominantemente negros e mulheres”. Com essas informações, ele compara com números apontados pelo Instituto Ethos, com base nas 500 maiores empresas do Brasil, e que abordou as discrepâncias de DI: “Nessas 500 empresas, no Conselho Diretor, apenas 11% são mulheres, e 4,9% são pessoas negras. Todo o resto são homens e brancos. Quadro funcional: 35% de mulheres, 36% negros. Os números aumentam aqui, mas, como são a maioria na população, ainda não são equivalentes. Pessoas com deficiência: não existem no Conselho Diretor, e no quadro funcional são 2%. Começa a se equilibrar apenas em cargos de aprendizagem. Salário do homem branco e mulher branca: 25% o salário menor para mulher branca; homem negro ganha 48% menos, comparado ao homem branco; mulher negra tem salário 71% menor que homem branco. Mulheres tem que lidar com assédio, 47% relatam que já vivenciaram situações de assédio, e 78% destas tiveram medo de denunciar o fato para não perder o emprego”. Em LGBTIQ+, os dados são mais estarrecedores: “Até 1990 a homossexualidade estava listada no CID (Classificação internacional de doenças). Mais recentemente, até 2018, a transexualidade também estava no CID. Há quatro anos atrás apenas, o transexual poderia obter um atestado médico dizendo que estava doente pelo fato de ser transsexual”. Por tudo isso, ainda segundo o dirigente do Senac, criar políticas organizacionais no sentido de fomento a diversidade e ações afirmativas, é algo bem vindo.

Duda, da Planin, confirma os estudos apontados pelo colega do Senac, e vai mais longe dizendo que viveu boa parte disso em sua carreira profissional: “Eu entendo meu privilégio como mulher branca e hétera…. mas continuo sendo uma mulher num país que sabemos ser culturalmente machista;  e tenho que reconhecer que já foi pior; as coisas estão relativamente melhores agora”. Ela reconhece que a Planin é uma empresa com proposta inclusiva e diversa, mas, anteriormente, trabalhou numa multinacional onde a discriminação pelo fato e ser mulher travava seu salário e sua carreira. Duda apontou duas saídas: uma pela educação. “Fóruns como esse ajudam muito a discutir tema”. E também, o bolso: “As grandes marcas puxam as médias e pequenas empresas para isso. Pessoas se atentam às marcas que vão adquirir, e se preocupam agora se elas tem diversidade. Nessa comunhão de interesses, as empresas podem conseguir um resultado financeiro interessante”.

Gustavo Tavares, do Top Employers, complementa outros dados: “Na construção de um legado corporativo, a reputação é importante. A diversidade é uma necessidade do ponto de vista da inovação. Está academicamente provado que empresas que tem uma maior representatividade nos processos de tomada de decisão, não só no nível executivo, tomam decisões melhores e fundamentadas. E isso não acontece naquelas empresas que tomam decisões baseadas apenas nos vieses inconscientes dos grupos e dos comitês executivos”. Com isso, “as empresas não querem mais se colocar numa situação excludente, se comparando até com outras companhias”, e estão buscando se reposicionar.

Dados do Top Employers apontados por Tavares: “De uma escala de 0 a 100, das empresas em termos de DI, temos a nota 76. Tem uma boa e uma má notícia nesse número. O 76 é uma nota razoável, em termos de competitividade, e a má notícia é o que falta para chegar ao 100, o que é que falta nesses 24%. Falar que tem DI não é mais um diferencial”. Uma dica do líder do Top Employers no Brasil: “Se você conseguir ter o amparo da conscientização interna, de ajudar uma pessoa entender o que é esperado dela, o que são as convenções que a gente pode ter em termos de diversidade, já é um grande passo. A conscientização é simples, do ponto e vista de explicar, mas complicada do ponto de vista de conceder”.

 

 

 

 

 

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