As imagens chocantes dos incêndios que devastaram boa parte do Pantanal e do óleo que manchou as praias e a vida marinha do Nordeste chocam. Apesar disso, ainda houve demora dos veículos de imprensa a tomar pé da real situação desses desastres, de suas causas e consequências para o meio ambiente.
A reflexão fica por conta de Maristela Crispim, fundadora, gestora e editora geral da agência Eco Nordeste, e de Juliana Arini, jornalista, fotógrafa, environmental storyteller e grantee do Pulitzer Center, que contaram suas experiências de cobertura jornalística de desastres recentes na história do meio ambiente no Brasil durante participação no painel Notícia sem eco: Os desafios na cobertura dos desastres ambientais no Brasil em 2020, do 3º Fórum de Jornalismo Especializado, promovido pela plataforma Negócios da Comunicação nos dias 1, 2 e 3 de dezembro. O bate-papo teve mediação de Dal Marcondes, diretor de redação da Envolverde.
Memórias
“Eu cubro queimadas há um tempo e já tinha passado por lugares bem ruins na Amazônia, mas o Pantanal tem um significado sentimental para mim. É o bioma da minha infância, onde eu cresci”, conta Juliana. “Além de ver os animais em desespero, eram as minhas memórias de infância que estavam queimando. Aquela beleza não tinha mais”.
Juliana chegou para cobrir os incêndios com dois voluntários e entrou em choque com o que viu. “A gente não conseguiu retratar em imagens nem 1% do que a gente viu. Animais pegando fogo, com o corpo queimado, olhando com aquela cara de socorro”, recorda-se. “Eu fiz várias fotos chorando.”
Da mesma forma, o derramamento de óleo nas praias do Nordeste que, por semanas a fio, se espalhou chegando até o Sudeste também foi uma cobertura difícil. “Desde que começou, ninguém sabia onde ia aparecer o óleo e não dava tempo de deslocar”, diz Maristela. “Com a pandemia, tivemos que cobrir a distância, e isso foi muito desafiador: ouvir a academia, os pescadores impactados. Foi um grande desastre, se gastou muito dinheiro, ninguém sabe de onde veio o vazamento e qual a consequência disso”.
Atenção da imprensa
Em ambos os casos, a imprensa nacional demorou a descobrir as verdadeiras dimensões do incêndio. “Quem vive no Cerrado tem a mesma percepção de quem vive na Caatinga”, reflete Maristela. “Temos uma Floresta Amazônica estratégica e uma Mata Atlântica devastada, e elas capturam toda a atenção da imprensa. E a imprensa nacional tem dificuldade de enxergar as diversidades regionais dos outros lugares”.
E isso pode colaborar para invisibilizar o problema ou mesmo empoderar narrativas que desejam minimizá-lo. O cenário para o próximo ano não é animador. “Pantanal não é Cerrado, é um sistema muito complexo, com alagados, locais que não deveriam queimar”, reforça Juliana. “E nada está sendo feito para prevenir que não aconteça no ano que vem. A política do ‘nada vai acontecer’ a gente vê há anos. Chegamos aqui em Cuiabá num dia a ter 3 vezes a poluição de Beijing. Nós queimamos 28% do Pantanal e isso é muita coisa. E ainda está queimando, gente. Até semana passada vários locais estavam queimando. Por quê? Porque não choveu porque o Pantanal não alagou. E pro ano que vem a previsão será de seca também”.
A reflexão em torno destes dois problemas ajuda a construir coberturas mais focadas e eficazes. “Nós temos tantos biomas e tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo que o jornalismo precisa estar atento”, explica Maristela. “É um alerta para como estamos lidando com isso”.
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