Melhorar as condições de trabalho significa aumentar a produtividade, reter talentos e fazer o que é certo. Vejamos o caso do burnout, a mais nova doença do mundo do trabalho. Um relatório global da BCG revela que 48% dos trabalhadores em oito países estão lidando atualmente com burnout, e que o sentimento de inclusão no ambiente de trabalho reduz esse risco pela metade. Para prevenir esse e outros problemas, os gestores buscam indicadores de promoção da felicidade interna.
Dores crônicas, ansiedade, insônia, burnout: as novas doenças do trabalho não surgem do nada. Elas são respostas ao excesso, à cobrança constante, à cultura da hiperdisponibilidade e à falta de espaços de escuta real. Ambientes em que a saúde física e mental sejam prioridades envolvem mapeamento de riscos e capacitação das lideranças, entre outras iniciativas.

“Nosso corpo fala e isso é uma forma de nós estarmos falando”, diz Ana Cristina Campos, gerente de Saúde na Accenture, lembrando um antigo adágio. Médica do trabalho, há 20 anos na organização, ela reconhece um crescimento do adoecimento por transtornos mentais em todo o mundo. Situação agravada depois da pandemia. Mais casos, mais frequência e gravidade maior. “E o mundo corporativo não é diferente. Vivemos no ambiente corporativo como um espelho, um pedaço do que está na sociedade. As doenças de transtornos mentais também estão no espaço corporativo. Além disso, vivenciamos um processo de trabalho caracterizado por exigências e mudanças, dificuldades econômicas, pressão por entregas, inadequação de pessoas a determinadas funções, e isso gera o que chamamos de risco psicossocial. O trabalho é um pilar da identidade de uma pessoa, uma parte de sua vida. Não trabalhamos apenas para pagar boletos”. E tais doenças contemporâneas, ligadas ao trabalho, são menos palpáveis e concretas, segundo a médica. Não estamos falando de fraturas, cortes, e sim de um transtorno muito mais sutil.
Alguns números para dimensionar o problema são apontados por Sergio Amad, CEO da Fiter: no Brasil, com 112 milhões de habitantes, 100 milhões são trabalhadores ativos e somente no ano passado 470 mil afastamentos por saúde mental; cresceu 68% comparado ao ano anterior – com ansiedade, depressão e burnout. Isso gera, nos cálculos de Amad, um impacto de 15% no PIB. “Fora o impacto na vida das famílias. Essa norma de saúde mental dentro da NR1 é nova e começou a valer este ano. Hoje é uma pauta de saúde pública, de segurança pública, de PIB”.

A NR-1 (Norma Regulamentadora nº 1) é a norma brasileira que estabelece as diretrizes gerais para a segurança e saúde no trabalho (SST) e introduz o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). A atualização de 2024 da NR-1, em vigor desde 26 de maio de 2025, expande as exigências para incluir a gestão de riscos psicossociais, como estresse e assédio, visando um ambiente de trabalho mais seguro e saudável. Detalhando essa norma, Rochelli Kaminski, diretora de Recursos Humanos na Lotisa Construtora, lembra que o burnout foi reconhecido como doença do trabalho em 2022, ou seja, uma doença bem contemporânea. E é evidente que a pandemia mudou as relações do trabalho. “Pressões de alta performance geram sentimentos de culpa nas pessoas. Sem contar com a vergonha de admitir que tem depressão ou outra doença mental, porque essa lógica de alta performance nos cobra muito. Esse culto da produtividade, de estar sempre disponível. A mulher ainda é multitarefa, continua a trabalhar ao chegar em casa. Trabalhar exige um sentimento de pertencimento e segurança que nos ajudaria a nos sentir seguros psicologicamente para trabalhar melhor. Ambientes tóxicos, assédio moral, ambientes negligentes, falta de escuta. Isso faz com que o corpo fale e sinta todas essas doenças, somatizando tudo, como irritação e insônia; são sinais de alerta”.
E como lidar com esse desafio? Ana Cristina chama a atenção para o fato de que o burnout, por exemplo, não começa de uma hora para outra. A ONS conceitua o burnout como um dano causado pelo estresse do trabalho não gerenciado. Em outras palavras,” você tem uma exposição ao estresse no trabalho que não foi adequadamente gerenciada pela empresa, pelas lideranças, nem pelo funcionário, porque este tem que falar e pedir ajuda. Um ambiente psicologicamente saudável significa um ambiente em que podemos levantar as mãos, dizer o que não está bom, sem medo de sofrer retaliações. Então, a empresa precisa verificar cargos e processos para analisar onde pode existir desgastes no trabalho. Ouvindo os indicadores de absenteísmo, de engajamento. Assim mapeamos os problemas. Sintomas começam com dificuldades para dormir, irritação. O problema é que nós banalizamos o sofrimento”.

“O Brasil é o segundo país mais ansioso e estressante do mundo”, dispara Amad. A Finlândia e os países top 20 da felicidade estabelecem, entre outras coisas, limites ao trabalho. Países da Europa equilibram a vida de família e trabalho. Na América Latina, existem indicadores altos de corrupção, desemprego, violência e excesso de trabalho. Esses fatores, combinados, exigem, por parte das empresas, pesquisas de clima e capacitação de lideranças. Tudo para prevenção. Atividade física também ajuda a prevenir e reduzir o estresse”. Ana Cristina recomenda ainda o autoconhecimento, que ajuda as pessoas a se enxergarem melhor. Outro conselho da médica é ter relações confiáveis. Pessoas com as quais estabelecemos relações de confiança e que irão perceber nossos problemas e nos apoiar, minimizando os efeitos de ambientes tóxicos. Como ensinou o psicanalista Jung, ‘frente a uma alma humana, seja outra alma humana’. E, por último, as empresas devem ter ferramentas para as pessoas procurarem ajuda”. Saber dizer não e reconhecer nossos limites também são boas recomendações.
Indicadores balizam soluções
“Bem-estar” deixou de ser um conceito abstrato e virou KPI estratégico. Mas como medir felicidade no trabalho de forma consistente, sem cair em métricas vazias? Estudos apontam que empresas que priorizam a saúde mental e o equilíbrio vida-trabalho têm até 25% mais produtividade e 65% menos turnover.

Comentando a importância das pesquisas e números de felicidade corporativa, Marisa dos Santos, gerente de Gente e Gestão na ESPM, acredita que as empresas estão entendendo o tema como benefício para as pessoas e para a organização e não como um modismo. Proporciona segurança emocional e cuidado contínuo. “De qualquer forma, é preciso mensurar, conseguir comprovar, via indicadores, a estratégia de ter uma proposta de felicidade na empresa. Na ESPM, elaboramos um questionário chamado de mapeamento de saúde, no qual conseguimos trabalhar diversos indicadores, e é analisado por uma equipe de médicos, porque envolve questões de saúde, mas se fala também de carreira e endividamento. A saúde mental tem foco por necessidade da NR1. Trabalhamos com escuta ativa para saber se os programas atendem às expectativas dos funcionários. Um indicador que trabalho muito é a sinistralidade do plano de saúde, que é um importante termômetro”. Em sua empresa, ela utiliza mapeamento de saúde como um dos indicadores, que foca na estuca ativa. E também um plano de comunicação para entender se as pessoas estão confiantes para responder os questionários.

Rafael Jaworski, diretor de Gente & Gestão no Grupo Romitex, também se utiliza de pesquisas de clima, segmentadas por área e setores, e declarou que felicidade e resultados econômicos têm que andar de mãos dadas. “Não adianta ter felicidade sem resultados, não se sustenta. E ter resultados sem felicidade para as pessoas também não se sustenta. Estamos saindo do discurso para práticas de fato. Existe um movimento para fazer com que a felicidade seja possível no ambiente de trabalho. E aqui utilizamos a pesquisa de clima como um importante indicador. Uma grande mudança que fizemos foi segmentar a pesquisa por área e setor. Assim, podemos ter um plano de ação por área. Existem vários projetos de felicidade nas empresas, todos são válidos, mas tem questões mais básicas que outros, necessidades básicas que devem ser atendidas. Não adianta, por exemplo, ter um programa de felicidade se o banheiro dos funcionários tem mau cheiro”.

Maurício Chiesa Carvalho, gerente de RH e Responsabilidade Social na Tamarana Tecnologia Ambiental, lembra da responsabilidade do RH, que cuida de todos na empresa, mas o desafio é como conseguir engajamento da alta direção, dos stakeholders, fazer o letramento da felicidade para o público interno. Isso inclui as lideranças, que de devem ficar atentas a sinais de doenças como o burnout, detectadas por mudanças de comportamento, faltas e queda na produtividade. Essa percepção fica mais explicita quando se tem um mapeamento de riscos, feito por pesquisas e analisado por especialistas. “Mas, tem que fazer o básico antes, como o cumprimento da legislação. Especialistas de Harvard dizem que felicidade tem a ver com alinhamento de valores. E, quando fazemos um recrutamento e seleção alinhados ao fit cultural, a percepção da felicidade vai ser muito mais latente, por ter compatibilidade de valores. Eu ouvi de um CEO certa vez: quer conhecer uma empresa? Comece pelo banheiro. E temos que cuidar do funcionário como cuidamos do cliente externo, e este até pode ser demitido, por mais que me ofereça lucro, porque não quero minha marca vinculada a uma empresa agressora ao meio ambiente ou que pratica assédio moral. Felicidade é uma jornada, não o destino”.
Esses temas foram discutidos no 5º Fórum Melhor RH Felicidade Corporativa
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