A verificação de fatos e as possibilidades de o Jornalismo melhorar a segurança da informação

Nesse momento em que Mark Zuckerberg mudou as regras de verificação de informação do Meta, precisamos ficar atentos às novidades, que podem prejudicar muito os interesses da Opinião Pública

Por Vera Lúcia Rodrigues

O fim dos verificadores de informação da plataforma de mídia social Meta é um acontecimento preocupante para a imprensa e especialmente para as próprias mídias sociais. Uma das maiores razões é que nesse tipo de rede digital é o lugar onde as informações circulam em maior quantidade e com filtros insuficientes para assegurar uma comunicação absolutamente confiável.
Em comparação os meios jornalísticos sempre foram regidos por várias legislações, normas e critérios editoriais, seus códigos de ética profissional e a própria técnica, que tem um compromisso visceral com a verdade e apuração precisa dos fatos. Contudo, é conveniente advertir, que o jornalismo naturalmente não é propriamente perfeito ou infalível.
Na página oficial da Meta, Mark Zuckerberg, afirmou que as plataformas da organização (Facebook, Instagram, Messenger, WhatsApp, Threads e outras) são construídas para serem lugares onde as pessoas possam se expressar livremente. Segundo ele, isso pode ser confuso, porque nas plataformas onde bilhões de pessoas podem ter voz, tudo que é bom, ruim e feio está em exposição. Mas tudo isso também é liberdade de expressão, no entender dele.
O megaempresário avisou que o encerramento do programa de verificação de fatos de terceiros está migrando para um modelo de ‘Notas da Comunidade’. Elas funcionam a partir do cadastro dos interessados, que podem fazer publicações de notas sobre algum conteúdo conflituoso para oferecer um novo contexto ou corrigir informações com potencial enganoso.
Basicamente essas notas adicionadas são avaliadas por outros participantes do programa de verificação da empresa. Se um número adequado de participantes, com diferentes perspectivas, aceitarem a utilidade da nota, ela se torna pública e aparece ao lado da publicação original.
O objetivo é realizar uma moderação consensual da comunidade e sem a intervenção direta da empresa na avaliação das notas ou mesmo manter ou retirar as postagens. A partir de agora, a Meta expôs que vai procurar fazer uma abordagem mais personalizada no conteúdo político para disponibilizar maior volume de informações aos interessados sobre o assunto em seus feeds de notícias.
Além disso, suspenderão restrições sobre alguns tópicos do conteúdo predominante para proporcionar mais liberdade de expressão e ao mesmo tempo focar no esforço em violações da lei e de maior gravidade.
O problema que pode ocorrer em breve é que caso a Meta não tenha um sistema robusto de verificação independente, é possível que informações falsas ou enganosas circulem mais rapidamente nas suas plataformas, dificultando o combate à desinformação. Outra questão delicada é que vários meios de comunicação e entidades de checagem de informações dependiam da colaboração com a Meta para financiar suas atividades. A interrupção dessas colaborações pode diminuir os recursos para a operação dessas organizações.
A decisão da Meta também pode ser entendida como uma espécie de renúncia de responsabilidade, o que poderia enfraquecer a confiança do público nas redes sociais como espaços seguros para informação. Neste primeiro momento é difícil ter certezas nesta situação ainda indefinida.
No contexto geral, a partir das mudanças da Meta sempre haverá o risco do incremento de fake news e da própria desinformação. Talvez, nunca a imprensa tradicional passou a ser tão indispensável para contrapor a circulação de notícias falsas, a disseminação de boatos (informações falsas disseminadas principalmente boca a boca ou propagação por burburinho/buzz marketing); rumores (informação corrente, não confirmada, que pode ou não ser verdadeira), propagandas ideológicas (cujo propósito é difundir ideologias e convicções de um determinado grupo sobre outro) ou ainda teorias da conspiração (ideia de incitar que um grupo perigoso está conspirando para um objetivo de grande ameaça às pessoas).
Apesar da sua força e contribuição social tanto no entretenimento como na divulgação de informação, as mídias sociais infelizmente têm sido uma verdadeira usina de inverdades, bravatas, mentiras, lorotas e especialmente factoides (fato ou notícia forjada com o intuito de atrair a atenção da opinião pública).
A bem da verdade, tanto a Polícia como a Justiça têm grandes dificuldades para identificar fake news e punir seus criadores. Por outro lado, na imprensa tradicional qualquer texto tipificado como calúnia, difamação ou injúria pode ser facilmente identificado e ser objeto de processo judicial. Ele tem a chance ainda de ser alvo de enérgicas discussões éticas e críticas na própria categoria dos jornalistas.
Tanto os jornalistas como seus respectivos veículos, possivelmente, vão ter que empenhar mais esforços ainda para verificar informações antes da sua publicação. A carga de trabalho nas redações que já tem sido alta deve ficar mais pesada por causa da responsabilidade de informar bem a opinião pública, o que naturalmente exige esforço, dedicação e tempo de trabalho.
No enfrentamento das notícias falsas, um grupo de empresas jornalísticas no Brasil há alguns anos tem formado equipes próprias para fact-checking (verificação de fatos) ou contratado agências especializadas para esse fim. O estudo Jornalismo na era da pós-verdade: fact-checking como ferramenta de combate às fake News (2018), de Egle Müller Spinelli e Jéssica de Almeida Santos, concluiu que o trabalho sério de apuração de fatos e defesa da credibilidade é fundamental para que a própria audiência refute fake news e compartilhe as informações produzidas por veículos de credibilidade. No entanto, o trabalho lamentavelmente comprovou ainda que fatos objetivos têm sido menos influentes na opinião pública do que emoções e crenças pessoais.
Muitas vezes por falta de tempo, desinteresse ou comodismo as pessoas não verificam a veracidade do post lido e assimilam o conteúdo com uma verdade provisória que se torna uma falsa realidade permanente.
Possivelmente o maior divulgador de fake news, hoje em dia, sejam os militantes e colaboradores de políticos que têm interesse em enaltecer seus correligionários e lideranças e difamar rivais ou adversários. Mas o plantio planificado de boatos não é um costume novo e já era uma prática muito empregada ao longo do tempo.
Diante dessa problemática bem complexa os meios de comunicação de massa e os jornalistas precisam se debruçar em soluções e encontrar inovações no espaço da verificação de fatos. Um bom caminho tem sido o das parcerias entre a mídia e Ongs ou associação a projetos sociais de contenção de fake news. Há também o desenvolvimento de sistemas digitais colaborativos para verificação automatizada. Quanto mais houver interessados e instrumentos para debelar essa chaga, melhor para toda a sociedade.
Na perspectiva do próprio setor de social media, para fugir da tutela governamental seria muito cabível, que as bigtechs pensassem numa maneira grupal para estabelecer, por exemplo, um sistema geral de verificação de fatos por autorregulação como existe na área de publicidade em todo o mundo, assim como no Brasil onde há o Conar – Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária, que trata da ética na propaganda.
Algumas organizações independentes têm se esforçado na criação de projetos em educação midiática para crianças, jovens e adultos visando combater essa desinformação maldosa.  No entanto, a divulgação desse relevante trabalho e sua utilização ainda é muito tímida, e precisa ser fortalecida e muito mais disseminada junto à opinião pública. O empresariado pode fazer sua parte tratando essas iniciativas como uma ação de marketing social, como alguns já fazem, por sinal.
No que se refere às fakes news possivelmente a maior preocupação seja exatamente aquelas de conteúdo político e seu respectivo discurso de ódio. No livro publicado pela Unesco, Jornalismo, Fake News & Desinformação – Manual para Educação e Treinamento em Jornalismo, de Cherilyn Ireton e Julie Posetti, há uma grande questão que atormenta as democracias em relação à social media. Conforme a obra alerta, “se líderes de mentalidade autoritária chegarem ao poder, eles encontrarão uma arma legal e poderosa, pronta para determinar o que é ‘falso’ e o que não é em relação a qualquer cobertura crítica de seu desempenho.”
Neste mesmo exemplar o gerente de produto e de engajamento cívico do Facebook, Samidh Chakrabarti, complementou: “Se há uma verdade fundamental sobre o impacto da mídia social na democracia, é que ela amplifica a intenção humana – boas ou ruins. Na melhor das hipóteses, nos permite expressar-nos e agir. Na pior das hipóteses, permite que as pessoas divulguem informações falsas e corroam a democracia”.
Vera Lucia Rodrigues é jornalista profissional e mestre em comunicação social pela Universidade de São Paulo, e diretora da Vervi Assessoria de Comunicação, empresa que há 43 anos atua na área de comunicação corporativa.

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