A importância da imprensa e sua luta constante na atualidade contra as fakes news e ao mesmo tempo a busca de novos meios de financiamento marcou as apresentações no primeiro dia do 6º Fórum de Jornalismo Especializado, Regional e Comunitário, evento organizado pelo Cecom – Centro de Estudos da Comunicação e Plataforma Negócios da Comunicação.
Abrindo o evento, Márcio Cardial, diretor do Cecom e publisher da Negócios da Comunicação, falou da importância óbvia do jornalismo que contribui para desvendar malfeitos e falta de políticas públicas em todas as esferas e, apesar desse papel meritório, sofre uma crise conjuntural com o fechamento de inúmeros veículos de imprensa pelo país, e sem o jornalismo geral ou o especializados, deixa de dar voz ao cidadão comum. O deserto de notícias aumenta, com várias regiões não tendo mais veículos regionais. Empresas e consumidores precisam de informações precisas para tomar decisões. A importância do jornalismo para a sociedade não pode ser subestimada. Ela é a bússola da opinião pública, educa os cidadãos e fomenta o debate crítico”. E ainda é particularmente importante neste momento para o país no enfrentamento das fake news.
A questão do meio ambiente, do ESG, extremamente importante neste momento, onde assistimos pela mídia o desastre ambiental no Rio Grande do Sul, e quase toda população do Estado está sendo vítima da falta de medidas para mitigar a crise ambiental, que muitos negam, tivemos um painel importante: “ESG em pauta – O investimento crescente no jornalismo socioambiental“. Inclusive com a participação da professora Ilza Girati, que atua na pós-graduação na UFRGS e que no momento da live estava no meio de uma região alagada. Inclusive faltou luz na sua casa, no meio da apresentação. E falou sobre a necessidade de debater melhor o tema nas mídias. Meio ambiente é disciplina obrigatória nos cursos de jornalismo, lembrou bem a jornalista e professora Lilian Rodrigues, do Amapá. A também professora Maristela Cispim, ressaltou o papel do jornalismo onde atuou em 22 anos, em redações de Fortaleza, para combater as fake news e a desinformação que vem de todos os lados, inclusive no meio político e de gestores públicos. Ela não comentou, mas um vereador de Porto Alegre culpou as árvores pela tragédia e colocou em pauta cortar todas as árvores da cidade, que segundo ele “pesam na terra e causam inundações”. Uma colocação não só ridícula, mas criminosamente falsa.
E informação é diferente de entretenimento, que domina o mundo novo dos influenciadores digitais. Generalizando, claro, pois no mundo dos creators tem muita informação boa e jornalistas de prestígio estão nesse campo. Esse foi o assunto do painel “Conteúdo profissional e autêntico – união diferenciada entre jornalistas e criadores de conteúdo”. Com Élida Mattos Vaz, professora e coordenadora de Pós-Graduação na área da Economia Criativa na Universidade Estácio de Sá; Regina Bucco, diretora executiva da ANER; e Samira de Castro Cunha, presidenta da FENAJ. Regina mostrou-se inconformada com o volume de informações falsas relativas a crise climática no RS, e buscou colegas da ANJ e outras entidades de comunicação e até o STF, pedindo um basta nas fake news e a entidade está criando uma campanha de combate à desinformação. Élida criticou as fake news que fazem a contra-informação com a verdade e defende interesses que não são dos cidadãos, por isso ela defende a regulamentação. Samira concordou, chamando a atenção que a maior parte das informações circulam pelas redes sociais, mas esse conteúdo não ilumina, não é a internet livre que se sonhava há anos atrás.
Fake news foi o tema também do painel: “Opinião é informação? – O papel do jornalismo opinativo no combate a fake news”, com Diogo Sponchiato, editor-chefe da Veja Saúde; Gilberto Scofield Júnior, executivo de contas e mentor de projetos jornalísticos digitais; e Vicente Nunes, correspondente Internacional no Correio Braziliense. Scofield foi enfático ao apontar que a desinformação é o maior fenômeno de mídia do século 21. Para Nunes, é importante que os jornalistas não sejam propagadores de notícias falsas, que chequem os fatos e não sejam pressionados pelo desejo de ser o primeiro a dar uma notícia. Sponchiato lembra as desinformações na época da pandemia, pois tinha tanta gente falando por todos os lados, que as fontes seguras, como infectologistas, ficavam perdidas nesse emaranhado de falas.
Outro painel que discutiu os limites do jornalismo, não só de opinião, mas também entre investigação e sensacionalismo foi “A notícia nua e crua – True Crime e a popularização do jornalismo policial e investigativo, com Dannilo Duarte, professor Titular do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da UESB; Juvercy Jr, editor executivo do Jornal O TEMPO; e Paula Passos, repórter freelancer. Juvercy foi repórter policial, e contou a transição dessa editoria de anos atrás para os dias de hoje. Cobria 30, 40 homicídios só nos finais de semana. “A partir do surgimento dos Portais e das redes sociais essa cobertura mudou”, avalia. Hoje o jornalismo policial é feito por todos, inclusive o público que posta nas redes”, segundo ele, que insiste que o jornalista deve oferecer algo a mais do que essa avalanche de informações. Paula, que hoje também atua com cinema, falou da linguagem do jornalismo policial, que tem mudado e se dirigido muito para documentários e produção de streamings. Danilo, autor de um livro clássico de jornalismo policial na TV, da época do mundo cão, onde o apresentador do programa fazia o julgamento no tribunal midiático. A cobertura mudou um pouco. No Linha Direta e outros programas de TV, e principalmente nos streamings, com documentários, os grandes casos de crimes são investigados com mais calma e mais profundidade, segundo ele.
E para contrapor a força das big techs, que foi muito comentada hoje, o painel que discutiu isso especificamente foi “Inscreva-se para fugir das redes – As estratégias para construir canais (e relações) mais próximas com o leitor”, com Bernardo Moura, diretor editorial e de Operações do Aos Fatos; Demetrios dos Santos, head de produtos OKN Tecnologia da ANER; e Jean Mannrich, gerente executivo digital na NSC Comunicação e Rádio CBN. O problema, apontado por Demetrios é a excessiva dependência dos veículos de comunicação tradicionais pelas grandes plataformas nas redes sociais, para divulgar suas notícias. E existe uma relação unilateral por parte das big techs de não priorização de conteúdo, com penalização nos algoritmos para as fontes jornalísticas, que por isso, perderem divulgação. Bernardo, diz que esse momento é uma antessala da virada do modelo de negócios que o jornalismo pratica, com as plataformas digitais e distribuição de notícias pelas buscas do Google, que irá mudar agora, com assistentes de IA que dará apenas um resumo da informações buscadas, sem os links que estamos acostumados a ver. “Estar nas redes sociais não pode ser uma critica”, defendeu Mannrich, alegando que “as big techs são proprietárias dos meios de distribuição e elas fazem as regras do jogo, e os veículos de comunicação devem se adaptar a elas”.
Também fazendo um contraponto ao poder econômico exagerado de alguns veículos, a mídia (quase) sem fins lucrativos foi o ponto do painel “Informação sem fins lucrativos – A crescente de políticas de fomento ao jornalismo”, com Marina Parreira Barros Bitar, que faz parte do grupo de pesquisa em jornalismo da Universidade Federal do Tocantis (UFT), e também é assessora de imprensa no Sistema Fecomércio Sesc-Senac, do mesmo Estado; Tatiana Dias, editora geral da Intercept Brasil; e Vitória Régia da Silva, presidente e diretora de Conteúdo na Gênero e Número. Tatiana contou que o Intercept Brasil veio de uma fundo dos EUA que financiou durante um tempo a operação brasileira, que em 2018 sentiu a necessidade de uma certa independência. E começou a campanha de financiamento coletivo que foi muito bem sucedida. Vitória também falou de sua luta pela sobrevivência do veículo e a sustentabilidade da Gênero e Número, que em 2016 era uma empresa privada e depois se transformou em associação, para continuar a falar de gênero e raça e uso de dados. “Essa mudança foi para a governança, para continuar no futuro, independentemente das três fundadoras”. E Marina abordou projetos feitos por alunos, associações, e a importância de fazer prestação de contas para o público, como uma forma de transparência.
Por outro lado, alguns painel apontaram as alternativas de rentabilidade e o futuro construído com bases tecnológicas. Um desses painéis foi: “A arte de sujar… o teclado? – Como fazer reportagens inspiradoras em tempos de tecnologia“, com Inácio França, editor e diretor de Conteúdo na Marco Zero, em Recife (PE); Nathalia Tavolieri, repórter da TV Globo, do programa Profissão Repórter; e Mariama Correia, editora e repórter na Agência Pública, que não pode comparecer. França falou que as boas e as ruins reportagens aconteciam no tempo das mídias analógicas e prosseguem nas mídias digitais. “Nosso entrave não é a tecnologia e sim o financiamento da operação jornalística”. Para Nathalia, a tecnologia, a internet, facilitou bastante o trabalho do jornalista, o acesso às informações e velocidade de produção e distribuição.
Também discutiu as opções tecnológicas o painel “Manual de redação dos novos tempos – Como manter o ritmo com micro conteúdo, acessibilidade e gamificação”, com Ana Lucia Selvatici, consultora de Inovação e Negócios Digitais da Diagonal Minds; Paulo Leal, CEO e fundador do Portal iG; e originalmente estava previsto Paulo Lima, fundador e presidente da Trip, que não pode comparecer, sendo substituído por Felipe Gil, diretor de conteúdo da Trip. Paulo Leal contou novidades em primeira mão, como o uso da IA para a produção de um resumo das notícias da semana e que começou no último sábado, e recentemente, também com a IA, a tradução de todo Portal para vários idiomas como o holandês, alemão, inglês e espanhol, criando o iG internacional, . “Adotamos a IA como importante ferramenta estratégica”, anunciou Leal. Gil, que iniciou carreira do iG, disse que, na Trip, “nunca fomos refratários à tecnologia, e parceiros desde o início do UOL, com conteúdo nessa plataforma”. Estão aplicando IA com cautela, em partes do processo editorial. “Não podemos achar que é só apertar um botão que todo trabalho será feito”, destaca. E Ana Lucia chamou atenção para a análise de métricas para saber lidar com a melhor informação que o público deseja. “A estratégia digital tem que estar muito bem construída”.
Assista aqui ao primeiro dia.
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