É inegável a presença, cada vez maior, das mulheres em grande parte das profissões e isso também é verdade no jornalismo. A sensibilidade do olhar feminino trouxe ganhos para a produção de notícias, mas as mulheres ainda pagam o preço do preconceito, do assédio e da diferença de remuneração.
O Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, foi proposto pela ONU, e oficializado em 1975, não como uma data festeira e sim para motivar reflexões e lembrar de lutas históricas pela emancipação feminina no ambiente de trabalho. A escolha dessa data no calendário não tem uma explicação simples. E sim várias hipóteses. Uma das versões mais aceita foi o incêndio que matou 125 mulheres em 1911, numa fábrica de tecidos em Nova York (EUA) em 25 de março. As más condições de trabalho, insalubridade e falta de segurança que essas operárias estavam sujeitas, além do número de mortes trágicos, segundo alguns pesquisadores, teria gerado a efeméride, para que não fosse esquecido o que aconteceu.
Portanto, existe uma ligação política da data vinculada à luta das mulheres trabalhadoras, conforme proposta da jornalista alemã Clara Zetkin (1857-1933) que anunciou a ideia da efeméride (sem data definida) durante o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, ocorrido em Copenhague em 1910, ou seja, um ano antes da tragédia nos EUA. E dois anos antes desse congresso, no último domingo de fevereiro (dia 26) de 1908, aconteceu uma grande manifestação nas ruas que foi denominada Dia das Mulheres, também nos EUA. Foram reivindicados o direito do voto feminino e melhores condições de trabalho.
O dia 8 de março é feriado em muitos países, como a Rússia. Na China, as mulheres trabalham apenas meio período hoje.
Equidade e Comunicação Interna
De acordo com o relatório Global Gender Gap, divulgado em 2023 pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil melhorou significativamente no ranking dos países com melhor paridade entre os gêneros – pulando da 94ª posição em 2022 para a 57ª no ano passado.
No que diz respeito ao mundo do trabalho, de acordo com o IBGE, a diferença salarial entre homens e mulheres no Brasil voltou a subir e atingiu 22% no final de 2022. Isso significa que, em média, uma mulher brasileira recebe 78% do que ganha um homem. Já quando pensamos em cargos de liderança, por exemplo, essa desigualdade também é bastante presente. Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria em parceria com o Instituto FSB, divulgada em 2023, mulheres ocupam apenas 29% dos cargos de liderança no setor. Além disso, só 14% das empresas têm áreas específicas dedicadas à promoção da igualdade de gênero no trabalho.
Embora a nível global o Brasil tenha avançado na pauta de equidade, ainda há muito a ser feito. Para Bruna Simoni, Head de Pessoas, Estratégia e Cultura na Dialog, HR Tech que lidera o setor de Comunicação Interna e engajamento no Brasil, a Comunicação Interna é a principal aliada das empresas nessa luta. “A Comunicação Interna desempenha um papel crucial na promoção da equidade de gênero dentro das empresas, pois fornece uma estrutura para disseminar informações, promover a conscientização e criar uma cultura organizacional viva. No entanto, tudo isso só é possível se as lideranças estiverem dispostas a fomentar essa transformação no ambiente de trabalho”, explica.
“A desconstrução de vieses inconscientes, por exemplo, é uma importante tarefa da CI. A área precisa desempenhar um papel educacional e informativo, induzindo os profissionais a refletir a respeito de conceitos automáticos e involuntários que influenciam o nosso pensamento e as nossas tomadas de decisão”, recomenda Bruna.
Desafios na busca pela igualdade de gênero
“A análise do estudo do IBGE em 2022 traz à tona uma realidade preocupante sobre a desigualdade de gênero no Brasil”, analisa Juliana Bertoni, headhunter na Gi Group Holding. Os dados revelam disparidades marcantes entre homens e mulheres em diversas esferas, desde o trabalho doméstico não remunerado até a participação no mercado de trabalho e os salários.
Um dos aspectos mais alarmantes é a sobrecarga de trabalho doméstico enfrentada pelas mulheres. Enquanto os homens dedicam em média apenas 11 horas por semana a essas tarefas, as mulheres investem cerca de 21 horas semanais, quase o dobro. Essa disparidade é ainda mais acentuada entre mulheres negras, que dedicam aproximadamente 2 horas a mais ao trabalho doméstico em comparação com mulheres brancas.
Além disso, é importante considerar o contexto da Agenda 2030 e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O ODS 5, que trata da Igualdade de Gênero, estabelece metas ambiciosas para promover a igualdade de gênero e empoderar mulheres e meninas em todo o mundo. No entanto, o alcance dessas metas pelo Brasil enfrenta desafios significativos, especialmente em um cenário onde as políticas relacionadas à igualdade de gênero estão em colapso.
No mercado de trabalho, a participação feminina é menor, com taxas mais altas de informalidade. Enquanto 53% das mulheres estavam empregadas, essa proporção era de 72% entre os homens. Além disso, 39% das mulheres estão na informalidade, em comparação com 37% dos homens. Entre as mulheres negras, quase metade está na informalidade.
A distribuição de horas de trabalho também é desigual. Cerca de 30% das mulheres ocupadas trabalhavam até 30 horas por semana, enquanto entre os homens esse número era de 14%. Novamente, as disparidades são mais acentuadas entre mulheres pretas e pardas em comparação com mulheres brancas.
Os salários também refletem essa desigualdade, com as mulheres ganhando em média apenas 78% do salário dos homens. Esse número cai ainda mais em áreas como ciências e intelectualidade, onde as mulheres recebem apenas 63% do salário dos homens.
“A persistência da desigualdade de gênero não apenas prejudica as mulheres, mas também tem impactos negativos na sociedade e na economia como um todo. Ao promover a igualdade de oportunidades e garantir o pleno empoderamento das mulheres, podemos criar um ambiente mais justo, inclusivo e próspero para todos”, finalisa a headhunter.
Empreendedoras
Levantamento do GetNinjas revela aumento de 51% no cadastro de novas profissionais autônomas, no primeiro trimestre de 2024 em comparação com o mesmo período de 2023.
Mulheres no jornalismo
Existem diversas pesquisas que tratam a questão da mulher no jornalismo. Vou citar uma mais antiga e outras mais recentes. A mais antiga, e não menos importante, por ter sido inédita, foi feita em 2017, uma iniciativa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) com o apoio do Google News Lab: “Mulheres no jornalismo brasileiro”. O objetivo foi analisar os desafios enfrentados pelas mulheres no exercício da profissão de jornalista. Responderam a um questionário 477 mulheres de 271 veículos. Além disso foi feita uma pesquisa qualitativa, com grupos focais, envolvendo 42 jornalistas.
Como resultado, 73% das depoentes afirmaram já ter escutado comentários e piadas de mau gosto de natureza sexual no ambiente de trabalho; 92% foram mais específicas e afirmaram ter ouvido diretamente piadas machistas; 46% afirmaram que as empresas não dispunham de canais para receber denúncias de assédio e discriminação de gênero; 64% receberam abuso por parte dos chefes; 83,6% admitiram terem sofrido violência psicológica nas redações; 65,7% tiveram sua competência questionada pelo simples fato de serem mulheres; 70,4% receberam cantadas no ambiente de trabalho — 1 em cada 10 jornalistas já haviam recebido proposta de favorecimento no trabalho em troca de favores sexuais; 59% souberam de colegas ou elas mesmos, passando por cantadas por parte das fontes de entrevistas.
Entre as pesquisas mais recentes está o estudo Mulheres e liderança na mídia: evidências de 12 mercados, feito pelo Reuters Institute, em 240 organizações de 12 países. Esse levantamento revelou que, no Brasil, as mulheres ocupam só 13% dos cargos de liderança — a penúltima posição, ao lado do Quênia. O pior resultado é o do México, onde as mulheres ocupam 5% dos cargos de comando. Os Estados Unidos apresentam o melhor índice, com 44% das mulheres em postos de mando.
Outro estudo: Perfil do Jornalista Brasileiro 2021, feito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Os perfis mais predominantes nas redações brasileiras são as mulheres brancas entre 31 e 40 anos, moradoras de São Paulo, solteiras, sem filhos e com ensino superior completo. O que mais chama a atenção nesses dados é a falta de representatividade da população negra e parda nas redações: 67,8% são brancos; 20,6%, pardos; 9,3%, pretos; 1,3%, amarelos; e 0,3%, indígena.
A pesquisa mais recente é a da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), com mais de 300 jornalistas em 15 países, divulgada no Brasil pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) este ano: Situação das Mulheres Trabalhadoras da Imprensa na América Latina e Caribe. Entre as entrevistadas, 66% precisam procurar empregos fora da área de comunicação para complementar sua renda. E mais da metade delas afirmam ter colegas homens que recebem salários mais altos pelo mesmo trabalho.
Quase 60% das mulheres entrevistadas sofrem violência de gênero por parte de colegas e/ou chefes do sexo masculino e um número semelhante afirmou que não existem ferramentas nos seus locais de trabalho para lidar com estas situações; 59% das mulheres pesquisadas disseram ter sido vítimas de algum tipo de violência por parte de colegas e/ou chefes do sexo masculino, e 55% disseram que seus empregos não têm ferramentas como protocolos ou guias de ação para lidar com essa violência.
Violência moral
Além desse tipo de problema, existe a violência física e moral contra jornalistas mulheres fora do ambiente de trabalho, mas exercendo a profissão e que cresceu nos últimos 4 anos.
Um desses (vários) exemplos de violência moral contra mulheres é da jornalista Vera Magalhães. Difamada e ameaçadas várias vezes pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e seguidores cegos da ultradireita brasileira nas redes sociais, apenas por exercer de forma íntegra a sua profissão, ela foi homenageada pelo Cecom – Centro de Estudos da Comunicação e Plataforma Negócios da Comunicação, na 9ª edição do Prêmio Especialistas, ocorrida no dia 7 de novembro, em São Paulo. Ela recebeu um prêmio especial, pelo conjunto de sua obra e sua carreira inspiradora para outros profissionais.
Assassinato de jornalista do Estadão por colega ex-namorado
Um dos casos mais dramáticos de violência contra jornalistas mulheres nas redações, foi o assassinato de Sandra Gomide em agosto de 2000. Ela foi morta com dois tiros pelo réu confesso, seu colega e chefe Antonio Marcos Pereira, e ambos tiveram um relacionamento amoroso. Trabalhavam do Estadão. O motivo do crime foi o rompimento do namoro por parte de Sandra e que Pereira tentava retomar. Ela foi assassinada, aos 32 anos, quando estava no Haras Setti, em Ibiúna (70 km de São Paulo). Lá, ela e o ex-namorado Antônio Marcos Pimenta Neves, com 63 na época, mantinham cavalos. Pimenta foi demitido do Estadão logo após o crime.
Pimenta Neves, ex-diretor de redação do jornal O Estado de São Paulo, e condenado por 15 anos de prisão pela morte da jornalista Sandra Gomide, foi solto do presídio de Bragança Paulista (SP) no dia 10 de fevereiro de 2016, com 79 anos e passou a cumprir em casa o restante de sua pena pelo homicídio, cometido em agosto de 2000. Hoje, com 87 anos continua solto.