O futuro do jornalismo passa pelo streaming, Inteligência Artificial e redução da dependência das mídias sociais

Rosental Alves, ex-editor executivo do Jornal do Brasil, colaborador da ANJ e diretor do Centro Knight para Jornalistas nas Américas, sediado os EUA, destaca as principais tendências da indústria jornalística

O jornalismo passa por profundas transformações e esse processo, muito impactado pela tecnologia, está longe do fim. O negócio é surfar na onda e aproveitar as oportunidades que estão se abrindo. Para Rosental Calmon Alves, ex-diretor executivo do Jornal do Brasil, e atualmente diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, com sede em Austin (Texas/EUA), as principais tendências no mundo das notícias estão ligadas ao uso mais acentuado do streaming, e não apenas pelas redes de TV tradicionais e emissoras de rádio, mas qualquer outra empresa de comunicação; a disseminação da Inteligência Artificial nas redações, incluindo o uso dos chatbots; a necessária redução da dependência da mídias sociais; e ainda a maior proximidade com o público, em clubes de leitores, que são uma evolução dos departamentos de assinaturas, fazendo dos leitores um participante na co-produção de noticiário, com a palavra mágica de hoje que é o engajamento.

O Centro Knight organizou recentemente o 24º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ, na sigla em inglês), e depois desse evento Rosental participou de um bate-papo com os integrantes do Fórum de Editores da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e da Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER).

Rosental Alves

Há alguns anos, Rosental Alves foi convidado para criar o Grupo Editorial da ANJ, um dos comitês da entidade. Naquela época, seu objetivo era treinar uma mentalidade gerencial nos editores, para que eles se envolvessem mais nos negócios, pensando em planejamento, finanças, e orçamento. Hoje, o foco se ampliou, segundo o diretor do Centro Knight: o negócio ficou mais complexo, o jornalista em cargos de liderança deve aprender, além de ser um bom gestor, precisa também ter mentalidade de produto, um gerente de produto, cargo similar em outros setores econômicos.

Isso porque a tecnologia está reformulando os produtos jornalísticos. O streaming por exemplo, Não é uma ameaça, e sim uma oportunidade para as redes de TVs e de rádio: “A NBC [National Broadcasting Company, um dos maiores grupos de TV americanos] vai investir pesado no streaming, que eles chamam de NBC Now. A TV linear não vai desaparecer, mas vai ser cada vez menor num ambiente de streaming onde o público escolhe a hora de assistir. É o mesmo investimento pesado que a Globo Play está fazendo, esse é o caminho”, sugere.

Inteligência Artificial

A Inteligência Artificial generativa, aquela que cria uma linguagem própria, como o ChatGPT e o Bard, terá um evidente impacto no jornalismo. “Devemos entender que estamos no início de uma nova era da tecnologia e do jornalismo”, anuncia Rosental, lembrado que “a gente terá que se adaptar, não adianta sentar e chorar”. Alguns jornais já estão uado o ChatGPT para produzir pauta, detalhar perfis de pessoas importantes a serem entrevistadas (por jornalistas) e ainda resumir notícias para alimentar postagens nas mídias sociais. Muitos erros tem sido cometidos pelo ChatGPT, destaca o diretor, mas para ele, é uma questão de tempo de aprendizado da máquina.

Rosental destaca questões de proteção do trabalho jornalístico. E elogia a PL das fake news, no Brasil, como uma necessária regulamentação das tecnologias. “Nós achamos que nos últimos 20 anos a tecnologia gerou uma grande confusão, mas o que vai acontecer daqui pra frente será em pior”, alerta. Ele acredita que passou a fase romântica inicial da internet, quando se falava numa web baseada na criação de muitos protocolos compartilhados, e agências intergovernamentais envolvidas. “Agora, se os governos não prestarem atenção na necessidade de regulamentação, o caos vai ser muito pior”,  Isso porque, explica, a web e mais recentemente as mídias sociais, agora são controladas por grupos econômicos privados de forte vocação monopolista.

“Eu achava que a grande manifestação nessa área seria o metaverso. A coisa parece que não foi para a frente mas essa tecnologia não acabou”. Ao contrário. “O fato do Mark Zuckerberg [dono da Meta/Facebook] ter perdido 11 bilhões de dólares com o metaverso em um ano mostra que ele estava num caminho desse novo mundo. Enquanto nós aqui estamos pensando no impacto essas tecnologias no momento atual, essas grandes plataformas estão pensando no impacto disso daqui há 20, 40 anos”.

Sem depender das redes sociais

Outro aspecto importante, segundo Rosental, é acabar com a dependência das redes sociais pelos meios jornalísticos. Será uma conta que nunca fechará porque as big techs manipulam os algoritmos, e reduzem ou reduzirão os ganhos dos veículos jornalísticos. Projetos baseados em tráfego tendem a desaparecer. A saída, sugere, é criar meios próprios. “O Brasil tem um trunfo que é o uso massificado do Whatsapp, diferente dos EUA, que é pouco usado. Os veículos de comunicação podem usar esses comunicadores para entrar em contato direto com seu público. E também criar canais próprios de podcasts e newsletters”.

E tem mais oportunidades até no que já existe. Assinaturas por exemplo, que “é o grande dilema da formação do modelo de negócios”. Tem empresas acabando com as assinaturas e se concentrando nos anúncios, e outras justamente o contrário, ou unindo as duas possibilidades. “Não tem bala de prata, cada empresa terá que descobrir o que é mais adequado em suas estratégias”.

Ainda citando exemplos americanos, Rosental diz que a revista Time decidiu acabar com as assinaturas e se concentrar nos anúncios. O New York Times prefere o caminho oposto e já conseguiu quase 10 milhões de assinaturas. Ou seja, o jornalismo tradicional está ganhando muito dinheiro na era digital, basta acertar a bússola.

 

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