Estudo recente da Universidade do Arizona, chamado Beyond objectivity – producing trustworthy news in today’s newsrooms, dos professores, pesquisadores e experientes jornalistas Leonard Downie Jr e Andrew Heyward, conclui, com base em entrevistas em grandes redações norte-americanas, que a pretensa objetividade não faz mais sentido quando se busca credibilidade e altos padrões na produção jornalística. A publicação causou grande repercussão em todo o mundo, com comentário de especialistas e profissionais da área.
O trabalho diz que a objetividade fria, aquela em que o repórter descreve um caso e colhe opinião de duas fontes contrárias, é um conceito ultrapassado e está a afetando a credibilidade do jornalismo num contexto de proliferação de fake news, mentiras e desinformação, feitas de forma sistemáticas por grupos intolerantes diversos. Os autores justificam que a desinformação, exacerbada nas mídias sociais, distorceu a percepção pública da realidade. Por isso as redações precisam explicar melhor os fatos, dar contextos e suas consequências. Não de fora opinativa, Mas quase isso, mantendo o equilíbrio necessário.
A busca pela objetividade
No livro “Sobre Ética e Imprensa (Companhia das Letras, 2000), Eugênio Bucci já tratava a questão: “Quando o jornalismo busca a objetividade, está buscando estabelecer um campo intersubjetivo critico entre os agentes que aí atuam. Os sujeitos que produzem o fato, os que observam e o reportam e os que de fato tomam conhecimento”.
Hoje, Bucci afirma que sua opinião continua valendo. E a respeito do trabalho da Universidade do Arizona, que recomenda ser de leitura obrigatória para profissionais da área, avalia que “ninguém conta a verdade apenas arrolando fatos. Mais do que investigar o que aconteceu, o jornalismo precisa iluminar o contexto escondido soba a superfície e levar em conta as múltiplas perspectivas de análise, sem cair na armadilha de narrativas enviesadas” — sem confundir com partidarismo ou apologias diversas. A tarefa jornalística hoje está mais complexa.
Até porque o jornalismo não está dando conta de furar as bolhas, principalmente a da extrema-direita. Mas isso é outro assunto, apesar de ter relação com essa questão. As matérias e postagens mentirosas, em sites e blogs “sujos” tem ajudado a criar uma atmosfera de, mais do que desinformação, de perda do sentido da verdade e de confusão a respeito dos fatos.
Ana Clauda Peres, da Universidade Federal Fluminense examinou a tensão entre a ideia da ‘testemunha ocular’ e os outros modos assumidos no contemporâneo quando testemunhar não é mais apenas ver e ouvir e passa a dizer também sobre como somos interpelados por um ‘texto testemunhal’. “Para investigar o abismo que há entre experiência e discurso, aborda-se a questão da “lacuna” no testemunho sugerindo uma nova matriz”, opina.
Os autores do trabalho da Universidade do Arizona sabem o que estão falando. São profissionais experientes no mercado da informação e também na área acadêmica e estão hoje lecionando na Escola de Jornalismo e Comunicação Walter Cronkite, naquela instituição. Leonard Downie Jr., foi da equipe lendária do Washington Post, chegando a editor executivo. Andrew Heyward foi presidente da CBS News.
Orientações para aperfeiçoar a a objetividade jornalística
O trabalho deles propõe seis orientações para sair da objetividade fria e produzir com mais qualidade:
- Jornalistas com independência editorial para não sofrerem pressões e poderem publicar informações verídicas
- Redações mais diversificadas e inclusivas
- Ter uma política clara e coerente para orientar os jornalistas nas interações com redes ou atividades políticas
- Foco no jornalismo investigativo original que ajuda as pessoas (de interesse público)
- Ter transparência nos processos de trabalho, nas apurações e edições
- Definir os valores centrais da redação e agir de acordo com eles