A responsabilidade das plataformas de redes sociais na transmissão de fake news que foram o pano de fundo da justificação de invasores atacarem a praça dos Três Poderes em Brasília e destruir patrimônio público, no domingo, e ainda a utilização dos canais de mensagem para organizar e incitar os atos terroristas deverá ser colocada em discussão, segundo especialistas.
Entre as narrativas falsas, estava a manipulação do resultado das eleições e que Lula não governava, “e sim o general Augusto Heleno”, aponta Rafael Evangelista, pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, as redes sociais poderiam ter tomado a iniciativa de bloquear essas mensagens falsas e sua geração de receita, e agora, corremos “o risco de contaminação dessa mobilização”.
Justiça intervém por falta de regulamentação
Como nada foi feito antes pelas empresas proprietárias das redes sociais, a Justiça interviu. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), exigiu formalmente que essas postagem sejam apagadas, que não ocorra monetarização com a proliferação delas, e que as mensagens sejam conservadas por 180 dias. Moraes citou especificamente o TikTok, Facebook, Instagram, WhatsApp e Twitter. Além disso, o magistrado pediu a remoção e desmonetização de 17 contas de radicais que insuflaram os ataques, como o bolsonarista Bernardo Kuster.
A ordem judicial inclui ainda que as empresas de telecomunicações também deverão guardar por 90 dias os registros de conexão e GPS das pessoas que estiveram no local das depredações. Mesmo não notificadas, as plataformas Youtube, do Google, Kwai e Koo disseram que iriam apagar essas postagens.
A Meta, que controla o Facebook, anunciou, em comunicado, que irá excluir qualquer conteúdo que apoia e elogia as ações bolsonaristas ocorridas neste domingo. O porta-voz do Meta, Andy Stone, disse que a agitação deste domingo (8/1) no Brasil configura um “evento de violação” às políticas do Facebook e, por isso, os conteúdos que violam essas regras serão excluídos da plataforma.
A Meta declarou ainda que não tem culpa das depredações, organizadas previamente nas redes sociais com nomes falsos. e que essa responsabilização é de quem invadiu os prédios e infringiu a lei e não da empresa. A Meta declarou que de 16 de agosto até 8 de janeiro, derrubou 1 milhão de conteúdos no Facebook e mais de 960 mil no Instagram, por violação a sua política de violência e incitação que inclui pedidos de intervenção militar. Também foram retirados conteúdos de ódio — 570 mi posts no Facebook e 530 mil no Instagram. O TikTok também enviou relatório para a Justiça brasileira dizendo que barrou 10,5 mil vídeos incentivando o golpe militar. Para as redes, a violência em Brasília foi gerida ao céu aberto, nos acampamentos em frente dos quartéis e não necessariamente em postagens nas redes.
A manipulação dos fatos vai mais longe, pois as fakes pós-ataques nas redes bolsonaristas dizem que a depredação foi feita por pretensos esquerdistas infiltrados no movimento, e pior, o delírio aponta, com fotos alteradas digitalmente, que existiam “comunistas” dentro do palácio antes da turba invadir. O que comprova que as redes sociais só bloqueiam fake news se forem acionadas pela Justiça.
Para Rogério Passos, especialista em redes sociais da Link3, as redes sociais tem mecanismos internos para analisar denúncias de fraudes e fake news, como aconteceu nos EUA, onde essas empresas suspenderam contas e apagaram postagens na invasão de radicais no Capitólio, incentivados pelo ex-presidente Trump. “Essa suspensão foi feita no mesmo dia da invasão, sem esperar qualquer determinação de autoridades”. O problema, segundo ele, é que “não temos leis claras sobre o assunto”.
Apesar disso, as redes sociais não são terras sem lei. Existe o Marco Civil da Internet, que incentiva a liberdade de expressão, a diversidade e a pluraridade, mas impõe alguns limites. Passos opina que se órgãos políticos e a Justiça não se moverem as plataformas “irão seguir da forma que for mais conveniente”.
O Marco Civil da Internet, aprovado no governo Dilma Rousset, deve ser aperfeiçoado agora, segundo Floriano de Azevedo Marques, professor de Direito Público da USP: “A mudança na Lei evitaria que o Judiciário tenha de agir como polícia”.
Esse assunto não é novo. Desde 2019 foram abertos inquéritos no STF para investigar milícias digitais e divulgação de atos antidemocráticos, atingindo empresários e parlamentares bolsonaristas, sob relatoria de Alexandre de Moraes. Em agosto de