O ano de 2023 será de reconstrução para o jornalismo, indica um especial produzido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Farol Jornalismo. O trabalho constou do depoimento de 10 jornalistas e pesquisadores que fazem uma reflexão a respeito dos rumos da profissão.
“Em 2022, sob pancadas, o jornalismo avançou. Em 2023, em seu processo de cicatrização, seus profissionais não terão descanso. Porque no ano que se avizinha o jornalismo precisará transformar suas feridas em consciência, e sua consciência em novas práticas que o afirmem como uma instituição capaz de dar conta dos desafios impostos à sociedade brasileira. Assim, ele cumprirá seu papel como um dos pilares da democracia”, escreve Moreno Cruz Osório no texto introdutório do especial, que está disponível gratuitamente na internet.
Para Natalia Viana, diretora executiva da Agência Pública e presidente da Ajor (Associação de Jornalismo Digital), as táticas da nova direita digital vieram para ficar, o que cria a necessidade de os jornalistas entenderem melhor os mecanismos de desinformação e o ambiente digital, especialmente para investigar a política nacional. Ela acredita que o clima de hostilização contra jornalistas vai continuar: “A imprensa seguirá sendo um alvo preferencial, pois o ódio a ela funciona como elemento aglutinador da identidade bolsonarista”.
Denise Mota, editora na agência de notícias France Presse, onde integra o Comitê de Diversidade, e colunista e autora do blog Preta, Preto, Pretinhos, na Folha de S. Paulo, também acredita que o clima contra o jornalismo vai continuar por parte de grupos radicais da direita, porque os profissionais da área, para esse grupo e uma parte da população, deixaram de ser vistos como interlocutores qualificados, “a voz que pautava o debate público, o detentor da verdade constituída, para serem achincalhado, expulso, humilhado, violentado”.
Maristela Crispim, editora-chefe da Eco Nordeste, aborda a cobertura ambiental, sobretudo da crise climática, que, segundo ela, será um dos principais desafios para o jornalismo em 2023: “O jornalismo precisa continuar a vigiar, fiscalizar e educar, ao dar luz à ciência e aos conhecimentos tradicionais, tão caros à manutenção dos serviços ecossistêmicos para as atuais e futuras gerações”.
A desinformação e o negacionismo foram tratados por Lucas Thaiynan e Graziela França, da Agência Tatu, de Alagoas, e colocam o jornalismo de dados local como protagonista nesta frente de batalha: “Espera-se que em 2023 novas iniciativas locais possam surgir e ampliar a produção jornalística baseada em dados para além do eixo Rio-São Paulo”.
Isabela Sperandio, gerente de marketing digital e audiências no JOTA, apresenta o SEO (otimização de mecanismo de busca) como uma ferramenta possível para combater o problema e fazer com que o jornalismo de qualidade chegue até as pessoas: “Não só porque os sites precisam de páginas vistas e usuários únicos para sobreviver, mas porque espectros políticos antidemocráticos presentes nessa guerra cultural vão ganhando a disputa do consumo de notícias”.
Isabelle Maciel, cofundadora e editora-chefe do portal Tapajós de Fato, do Pará, sublinha o papel cada vez maior do jornalismo que cobre os assuntos mais próximos das comunidades, com potencial para “ecoar vozes e realidades que muitas vezes não têm espaço na grande mídia tradicional brasileira”.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Jacques Mick, diz que as mídias que apoiaram o presidente Bolsonaro, após sua derrota, tem algumas alternativas: continuar fazendo oposição radical ao próximo governo; administrar críticas à nova administração; adotar uma nova postura editorial e apoiá-la; ou abraçar valores jornalísticos clássicos.
Rafiza Varão, professora de Jornalismo e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), após apontar os erros cometidos pela imprensa nos últimos anos, como o apego à ideia de que se deve ouvir sempre os dois lados, focando apenas na imparcialidade e objetividade, sem refletir, por exemplo, acerca dos perigos de ajudar a fomentar opiniões antidemocráticas e contrárias à ciência, a pesquisadora defende que, em 2023, o jornalismo deve ter como lição o entendimento de que a ética profissional não é algo estanque, “uma norma que deve ser seguida de forma irrefletida mesmo que as evidências digam o contrário”.
Tiago Rogero, criador e coordenador do projeto Querino, da Rádio Novelo, e diretor da Abraji, fala sobre podcasts e como os veículos que atuam nessa plataforma devem ser financiados pelo mercado apenas com base em audiência, com ênfase no conteúdo de crimes e de celebridades.