A paridade de gênero e de raça no mercado de trabalho é um problema bastante antigo e que atinge mulheres e afrodescendentes de várias idades e profissões. A pandemia da Covid-19 agravou a questão para as mulheres. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), as mulheres foram as mais afetadas pela crise sanitária: das 825,3 mil vagas fechadas, 593,6 mil eram femininas.
Um dos problema é o preconceito enraizado em algumas empresas, que fazem com que muitas mulheres se afastem do mercado de trabalho. Segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), intitulado “Mulheres no mercado de trabalho brasileiro”, as mulheres desempregadas somam 42.395, e a maioria relata não conseguir oportunidades, buscando recolocação profissional há mais de um ano.
E, ainda de acordo com o IBGE, apenas 29,9% dos cargos gerenciais estavam comandados por negros. Segundo o Instituto, negros são 55,9% da população brasileira, mas estão em 4,4% em cargos na diretoria de grandes empresas.
Diante das dificuldades, as companhias precisam criar maneiras de atrair, reter e proporcionar a possibilidade de mulheres e negros se inserirem no ambiente corporativo e galgarem carreira interna pelos seus méritos. O problema também faz parte da agenda de diversidade e inclusão e esteve na discussão do 2º Fórum Melhor RH Diversidade e Inclusão, promovido pelas Plataformas Melhor RH e Negócios da Comunicação, no início de novembro. Dois painéis discutiram o assunto: Onde estão as mulheres? e Black Pride além do calendário.
As discussões sobre o papel das mulheres na agenda de diversidade e inclusão das empresas foram comandadas por Angélica Consiglio, CEO da Planin Comunicação e contou com a participação de: Sandra Maura, CEO da TopMind e Beatriz Carvalho, analista de Recursos Humanos master da Vale
Beatriz lembrou que as mulheres estão encontrando, em algumas empresas, menor preconceito quanto ao trabalho feminino. A analista ressalta que por muitos anos “a imagem do homem foi muito associada à competência” e, principalmente por questões culturais, as mulheres acabaram escolhendo outros cursos, deixando áreas mais masculinas, atitude que precisa ser revista. “Eu acho que caminhamos muito quando falamos de mulher no mercado de trabalho. Mas, na área de tecnologia, nós temos mais dificuldade, não caminhamos tanto como em outras áreas”, diz Beatriz, que continuou: “Eu vejo que existe uma questão cultural, que vem desde os estudos das mulheres, porque muitas não sabem sobre as carreiras de tecnologias e optam por outras áreas”.
Na TopMind, as mulheres estão em diversos cargos, e Sandra ressalta que há diferenças nas respostas das entrevistas entre homens e mulheres. Para a CEO, mulheres chegam com as melhores respostas durante as seletivas: “No meu trabalho, nós temos mulheres de várias idades dentro da área de Tecnologia da Informação. O que chama atenção quando entrevistamos uma mulher são as respostas, sempre diferentes dos homens; elas não falam tanto do currículo mas como podem ajudar”.
Skills também são importantes
Considerado um ambiente quase inóspito para mulheres, áreas como TI e cargos de lideranças hoje estão cada vez mais receptivos para esse grupo, reconhece Sandra: “Talvez a TopMind não seja o número do mercado. Nós temos mulheres nas mais diferentes áreas, na gerência, em finanças, e assim por diante. Homens e mulheres se complementam. Temos a visão mais detalhista das mulheres e o olhar especial dos homens”.
A CEO destaca ainda que para o sucesso é preciso um processo que envolve o interesse da empresa e as oportunidades que elas concedem a suas funcionárias: “As mulheres em cargos de lideranças precisam que as empresas queiram trazer elas para esses cargos, e é necessário investir em desenvolvimento e trabalhar os vieses inconscientes. Além de apostar em mentorias e programas de aceleração de carreiras”.
Homens sobem na carreira de maneira menos penosa
A CEO da Planin, Angélica Consiglio, lembrou que as mulheres têm uma jornada mais difícil no mercado de trabalho: “Elas seguem uma jornada com mais barreiras, enquanto os homens conseguem de uma forma menos penosa”.
Angélica exemplificou que, no início da carreira como CEO, sentiu falta de mulheres que estavam seguindo o mesmo caminho. “Eu vejo por mim, eu fundei minha própria agência e por muitos anos fui a única sócia; eu tinha a necessidade de compartilhar algumas questões, mas não queria compartilhar com alguém do meu trabalho. Se eu tivesse mais sócios ou mais mulheres, ajudaria muito o olhar do outro”, recordou a executiva.
Futuro das mulheres no mercado de trabalho é otimista
Para as speakers, o futuro das mulheres no mercado de trabalho vai ser melhor do que há dez anos. Segundo elas, apesar das dificuldades, o mercado está evoluindo e apostando em novos talentos. Beatriz aponta que atualmente tem muito mais mulheres ocupando postos que antes não eram vistos. Para a analista, no futuro, a diversidade de gênero nas empresas não será uma questão, mas uma realidade.
“Daqui há alguns anos as mulheres vão ter mais em quem se espelhar. Há trinta anos talvez não tivesse uma profissional estudando aquela área para ser uma grande especialista como acontece hoje. Eu sou bastante otimista com relação ao futuro, assegura Beatriz.
Angélica complementou afirmando que nos últimos anos as mulheres conseguiram maior independência nas empresas, o que antes não ocorria: “A minha geração muitas coisas eram proibidas às mulheres. Sempre que perguntava a alguém sobre determinado cargo, essa pessoa respondia que era coisa de homem. A área de TI era coisa de homem, dirigir e ganhar dinheiro também. A líder da Planin continuou: “As mulheres precisam criar independência financeira e ter uma jornada profissional sem medo de ser mãe ou de errar. Esse não vai ser um problema para as gerações futuras”.
O que as empresas estão fazendo para garantir equidade
A empresa TopMind tem buscado diversidade tanto de gênero, como de idade, ressalta Sandra Mara: “Nós temos mulheres de 19, 20 e 67 anos. Mulheres com várias idades na área de Tecnologia da Informação, o que para nós é uma alegria. Nós temos diversidade em todas as áreas. Este ano nós contratamos três mulheres de 65+, cada uma tem em média 15 funcionários em sua liderança, e isso faz com que aquela equipe performe muito bem, pois elas acolhem, ensinam, dão aula”.
A Vale segue o mesmo caminho em busca de diversidade entre seus profissionais. Beatriz Carvalho diz que nos últimos anos a empresa tem priorizado cada vez mais o bem-estar de suas funcionárias: “Na Vale nós temos casos muito interessantes de mulheres grávidas, isso não é um problema, pelo contrário ficamos muito felizes de poder fazer estas contratações. Ter um ambiente acolhedor e de bem-estar para mulheres é o que queremos”.
Falta de equidade nas empresas atinge também negros
O tema da Consciência Negra dentro das empresas não deveria estar presente no calendário apenas no mês de novembro. Para muitos ativistas e membros da sociedade civil organizada, os meios de comunicação e as empresas apenas utilizam a causa durante um mês do ano.
Cenários como esse são reflexos do racismo estrutural e se refletem de forma prática na falta de oportunidades. O assunto foi tema do painel: Black Pride além do calendário. Com a participação de Daniele Mattos, co-fundadora e sócia na Indique Uma Preta; Gilberto Costa, diretor executivo da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial e Lucas Morais Da Silva, gerente de Diversidade e Inclusão da Dasa.
Daniele afirmou que as empresas começaram a pensar em praticas afirmativas para negros recentemente, em 2020, devido aos protestos que começaram nos Estados Unidos e se espalharam pelo mundo, pedindo igualdade e o fim dos diversos tipos de violência contra a população negra. “A temática do negro ganhou força depois de George Floyde, nos Estados Unidos. A partir disso as empresas começaram a abrir as portas para pessoas negras entrarem no mercado de trabalho”, explicou.
Porém, Mattos questionou se esse movimento das companhias é legítimo ou apenas estão seguindo uma tendência. Segundo ela, as empresas precisam criar condições para que negros se mantenham no trabalho: “Da mesma forma que estão trazendo essas pessoas para empresas, tem que garantir inclusão e desenvolvimento para chegar a cadeiras decisórias dentro das companhias”.
“Nas empresas precisa haver uma cadeira de diversidade para e provocar um ambiente de cultura inclusiva”, complementou Lucas. O gerente de Diversidade e Inclusão pontua que nos últimos anos as empresas têm adotado cada vez uma cultura inclusiva.
Diversidade e uma coisa, inclusão e outra
Segundo Daniele, mais de 50% dos casos de racismo nas empresas vêm da liderança. Para ela, a inclusão de mulheres negras no mundo corporativo ainda é uma grande barreira: “Ainda existe mentalidade da branquitude, de manter privilégios dentro das instituições, onde de forma muito sutil é ótimo que venham pessoas negras, mas até certo ponto, desde que não se posicione, não fale alto; isso de forma inconsciente”.
Atuando há mais de 30 anos no mercado financeiro, Gilberto Costa lembra que no início pouco se falava sobre questões raciais, e em muitas instituições pregava-se o mito da democracia racial. “Quando eu entrei no mercado financeiro, as pessoas fumavam no escritório e as mulheres eram perguntadas se estavam grávidas nas entrevistas de emprego. A sociedade veio caminhando e a questão das mulheres, LGBTQIA+, e por último as questões negras, surgiram nas empresas, muito pela democracia racial”.
Para os speakers, o problema da representativa nas instituições não se resolverá apenas com o departamento de Diversidade e Inclusão ou com RHs mais receptivos à causa. A mudança de mentalidade dentro das empresas precisa ser real e não uma forma de marketing, dizem os especialistas.
“Diversidade e Inclusão não faz parte do RH, não faz parte do departamento de Diversidade e Inclusão, faz parte da estrutura de negócios. Faz parte do protocolo ESG racial, que é uma maneira de apoiar as empresas a navegar nesse mar de diversidade racial em que vivemos atualmente”, disse Gilberto.
Mudando a agenda nos próximos anos
A inclusão exige inserir pessoas de todos os tipos em cargos hierárquicos e não apenas criar programas. Para que as ações afirmativas estejam de fato presentes é preciso que haja oportunidades. Danielle enfatizou que é preciso proporcionar ainda mais a entrada de negros nas empresas. “É necessário manter a frequência nas ações, projetar pessoas negras em cargos de liderança, estabelecer metas e tempo para investir nas futuras lideranças da companhia, esses são os próximos passos para o futuro”, ressaltou.
Gilberto complementou as observações de Danielle afirmando que o movimento iniciado com o Black Lives Matter não tem mais volta, empresas e instituições de todo o mundo precisam se adaptar à nova realidade, mais inclusiva. “Mesmo que tenham iniciado com um processo doloroso, a discussão do combate à desigualdade racial não tem volta. A agenda ESG também garante a estratégia de negócios alinhada com a inclusão. As empresas já tiveram tempo de se adaptar à elas”, finalizou o diretor executivo.
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