O jornalismo continua sob ataque, mesmo após o período mas crítico na gestão Jair Bolsonaro, onde a violência verbal e física, tentativas de censura, intimidação e todo tipo de ameaças contra profissionais de imprensa foram estimulada quase como uma política de Estado. Dados do Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, versão 2024, divulgado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), aponta que a violência contra jornalista recuou, mas ainda é preocupante. Essa violência apontada pela FENAJ inclui o chamado assédio judicial – quando diversos processos contra um jornalista ou órgão de imprensa são abertos em diferentes cidades do país ao mesmo tempo para dificultar e onerar a defesa -, prática abusiva reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal ano passado, como uma forma de intimidação como prática abusiva e contrária a liberdade de imprensa. Enquanto isso, e nesse contexto, a Procuradoria Geral da República (PGR) enviou denúncia ao Supremo Tribunal Federal dia 18, contra Jair Bolsonaro e aliados, acusando-os de praticar a desinformação com o objetivo de estimular um golpe de estado. Segundo a PGR, a Jovem Pan, influenciadores digitais e bloqueiros bolsonaristas foram (e continuam desinformando e incentivando discurso de ódio) usados como veículos para desacreditar as eleições, pressionar militares e justificar uma intervenção contra um governo democraticamente eleito.
Números
A pesquisa da Fenaj registrou 144 casos de agressões contra profissionais de imprensa em 2024. O número é menor e comparação com o registro desde 2018 e representa queda de 20,44% em relação a 2023, quando ocorreram 181 casos. Entretanto, esse levantamento do ano passado continua a preocupar e não pode ser minimizado segundo avaliação de Samira de Castro, presidente da Fenaj, considerando que a violência contra jornalista continua preocupante no País. “O que chama a atenção da federação é o fato de ainda estarmos vivendo um patamar elevado de violações ao direito de informar. Porque os 144 casos ainda são maiores do que os 135 registrados em 2018”, disse a presidente da Fenaj, Samira de Castro, durante audiência pública na Câmara dos Deputados no dia 20.
Samira ressalta que a violência explode no Brasil a partir do ano de 2019, com o governo anterior, de Jair Bolsonaro. “A gente tem que fazer esse marcador, que não é um marcador meramente cronológico, mas resulta do fato da violência ter sido institucionalizada durante aqueles quatro anos.”
“Ao proferir discursos que descredibilizavam jornalistas, ao atacar veículos de imprensa, aquele governo acabou gerando um clima beligerante contra a imprensa de uma forma geral”, completou Samira. Para a presidente da Fenaj, os dados corroboram um cenário de violência persistente contra profissionais da imprensa e sugerem que a prática pode estar se tornando estrutural na sociedade brasileira. “Virou comum atacar jornalista. E não é porque você é crítico ao trabalho da imprensa. Não é isso”. “A imprensa precisa ser criticada, precisa ser avaliada. Mas muitos casos acontecem vindos de políticos, assessores, correligionários e eleitores que simplesmente se acham no direito de ameaçar, agredir e processar jornalistas”, explicou.
Entre os tipos de violência citados como mais recorrentes, o relatório aponta um crescimento proporcional do assédio judicial, que passou de 13,81% do total de casos em 2023 para 15,97% em 2024, somando 23 registros.
A Fenaj destaca que o termo “cerceamento por meio de ação judicial” foi substituído por “assédio judicial” para explicitar “o caráter abusivo e recorrente dessas ações, muitas vezes promovidas por políticos, empresários e lideranças religiosas, com o objetivo de intimidar e censurar jornalistas”.
Outro dado classificado como preocupante é o aumento de 120% nos casos de censura, que saltaram de cinco para 11 episódios no período, impulsionados, segundo a federação, sobretudo por decisões judiciais e pressões de agentes públicos.
Já os casos de agressões físicas caíram de 40 para 30 registros, uma redução de 25%. “Apesar disso, a Fenaj alerta que os episódios continuam sendo alarmantes, incluindo tentativas de homicídio e ataques com arma de fogo”.
As ameaças e intimidações, por sua vez, somaram 35 ocorrências, o equivalente a 24,31% do total, mantendo-se estáveis em números absolutos. Durante o período eleitoral de 2024, entre maio e outubro, foi registrado o maior número de ataques contra jornalistas: 38,9% dos casos, com julho sendo o mês mais violento do ano. A entidade atribui esse aumento “ao acirramento do discurso de ódio, em especial, promovido por grupos de extrema direita”.
O relatório aponta que políticos seguem liderando o ranking dos agressores a profissionais de imprensa. Em 2024, 48 episódios envolveram agressões físicas e verbais, tentativas de intimidação, ofensas em atos públicos de campanha, tentativas de censura a matérias e assédio judicial, um dos itens que mais cresceu no último período.
“A esses 48 agressores políticos, que representaram 33,33% de todos os ataques, acrescente-se apoiadores diretos (cinco ocorrências), manifestantes de extrema direita (seis casos) e servidores públicos ou órgãos como prefeitura e governo de estado (nove casos), que, em última análise, estão a serviço de interesses de políticos”, destacou a Fenaj.
Diante desse cenário, Samira de Castro defendeu que o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, considere a vulnerabilidade dos jornalistas, garantindo segurança para o exercício da profissão.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, Reimont (PT-RJ), destacou a importância da imprensa livre e da liberdade de expressão para ao país. “Quando um jornalista é violado no seu direito, todos somos violados”, afirmou.
Comparando com o que acontece no exterior, em 2024, 122 jornalistas foram assassinados em todo o mundo, com a maioria das mortes registrada na Faixa de Gaza. O relatório também alerta para riscos à liberdade de imprensa com a reeleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos e o papel das big techs na disseminação de desinformação e na tolerância a projetos autoritários.
PGR denuncia
O outro lado da violência contra jornalistas, que por tabela, e uma violência contra a democracia, existe o uso de veículos de imprensa e mídias digitais para ataques sistemáticos a jornalistas, a chamada “imprensa bolsonarista”, segundo a PGR. Em sua denúncia enviada ao judiciário, o esquema era operado pelo Núcleo de Inteligência e Segurança, na época do governo Bolsonaro, liderado por Alexandre Ramagem e Filipe Martins, responsáveis por coordenar campanhas de ataques a instituições e a opositores políticos. A Procuradoria divide as ações golpistas em cinco núcleos.
A PGR detalha que a Jovem Pan utilizou sua concessão pública para amplificar falsas alegações de fraude eleitoral e entrevistas com militares alinhados ao plano golpista. A emissora foi um dos principais meios de pressão sobre as Forças Armadas, disseminando dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas e atacando ministros do STF e generais que resistiram à conspiração, em diversos de seus programas, por parte de comentaristas da emissora ou membros daquele governo em entrevista.
Outros veículos da imprensa bolsonarista também participaram desse esforço, segundo a PGR. A Revista Oeste publicou conteúdos que reforçavam a tese de que Lula havia vencido de forma ilegítima, enquanto canais alternativos, como o Terça Livre, ajudaram a espalhar a teoria da fraude eleitoral.
Além da imprensa tradicional, a denúncia destaca o papel de influenciadores e blogueiros de extrema direita. Entre eles, Fernando Cerimedo, influenciador argentino, produziu vídeos amplamente compartilhados que alegavam fraude eleitoral; Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor de Bolsonaro e integrante do “Gabinete do Ódio”; e Filipe Martins, que articulou a estratégia digital para descredibilizar o sistema eleitoral e fomentar a radicalização da base bolsonarista, entre outros.
A denúncia da PGR pode levar à responsabilização criminal de influenciadores, jornalistas e veículos de comunicação que participaram da campanha de desinformação. Além disso, investigações sobre o financiamento dessas redes podem revelar mais detalhes sobre os patrocinadores da tentativa de golpe.