Os aficionados em carros, uma paixão nacional, ainda mantém uma fidelidade à revista Quatro Rodas, da editora Abril, que completa 65 anos. Foi a primeira revista brasileira especializada em carros, e apesar de inúmeros influencers produzindo conteúdo no ramo e outras publicações concorrentes, mantém uma relevância de destaque para o público.
A publicação, como todo mercado editorial, se adaptou aos novos tempos digitais e também à época da pandemia, que provocou uma avalanche no mercado de revistas. As bancas de jornais, antes o principal ponto de venda, estão mais seletas agora e se dedicam mais a bugigangas. Mas ainda existem 6 mil bancas que ainda oferecem jornais e revistas, segundo Paulo Campo Grande, diretor de redação da Quatro Rodas. A tiragem física é de 70 mil exemplares, atingindo assinantes e venda avulsa. “As revistas estão em alta”, dispara Paulo, referindo-se obviamente, ao seu produto, mas ele também se mostra otimista com o mercado: “A geração Z [composta por pessoas nascidas após 1995, e que cresceram num ambiente digital] estão descobrindo as publicações do mundo físico e muitas revistas voltaram a circular, caso da Capricho” – apenas para citar outro título da Abril, e que estava fora do mundo gráfico há 10 anos. “Ela voltou em dezembro, agora com edições semestrais”, explica, garantindo que se trata de um fenômeno mundial, desmentindo o pessimismo dos publishers brasileiros, que entregaram o jogo muito rápido no ambiente físico. “Nos EUA 70 novos títulos retornaram à vida física, e a venda em banca está crescendo. O mundo das revistas impressas começa a ter de volta seu lugar de merecimento, segundo ele.
Apesar dessa boa notícia, a maior parte da tiragem da Quatro Rodas vai para assinantes. Aliás, esse sempre foi o melhor dos mundos para as editoras.
Para comemorar os 65 anos, completados em agosto, a revista planeja uma série de eventos e especiais. “Será um ano intenso, porque já estamos num processo de melhorias desde o pós-pandemia. Estamos investindo em novos produtos e a indústria automotiva brasileira passa um bom momento e teremos um grande Salão do Automóvel em 2025”, comemora.
Equipe
Hoje, 10 jornalistas e um estagiário atuam na redação, que funciona em regime hibrido. indo para a redação apenas um dia por semana. Também possuem um cinegrafista, fotógrafo, e um editor de arte. O tema automóvel continua o mesmo, mas a forma da equipe trabalhar e abordar o assunto vem se aperfeiçoando e se adaptando também ao digital. O título está presente num site próprio e em diversas mídias sociais, e o vídeo tem sido bem explorado. No site são 4,7 milhões de papers views mensais. Nas redes sociais o número chega a 4,3 milhões de seguidores, com 7,5 milhões de alcance médio. Somando a produção no Youtube, Instagram e Tik Tok, a audiência ultrapassa outros 1 milhão. O Instagram já está chegando a 2 milhões de inscritos, e assim é a maior página nesta mídia sobre o setor automotivo em toda América Latina, gerando mais de R$ 1,8 milhão de receita. “Temos uma carteira equilibrada entre o físico e o digital” explica o diretor.
A receita do sucesso, segundo ele, é produzir um jornalismo sério, tendo o leitor como prioridade. E uma paixão pelo que se faz. As mudanças ao longo dos últimos anos foram em uma série de fatores: pauta, novos recursos, por exemplo. A editora diminuiu de tamanho e se adaptaram a essa estrutura
“Quando eu entrei aqui, em 1997 tínhamos 30 pessoas na redação, mas, por outro lado, os processos se agilizaram”, justifica. “Testes de carros levavam dois dias para instalar o equipamento, era algo demorado. Hoje precisamos apenas de uma antena de GPS que capta sinal de um satélite e esta calcula a aceleração do carro. Uma instalação de apenas 10 minutos”.
A internet e a tecnologia ajudaram a rever os processos. “Hoje, entendemos o retorno no mercado com mais rapidez, com métricas online, que também ajudam no offline”. O mercado automotivo brasileiro também cresceu e se diversificou em termos de marcas e produtos. Não apenas automóveis. Existem atualmente 20 montadoras de carros em operação no Brasil e de diversas bandeiras, fora os importados. Essas montadoras possuem 65 fábricas em 11 estados do país. Além disso, surgiram inúmeras outras marcas de pneus e lubrificantes. A cobertura ficou maior e mais complexa.
E não existe competição entre a publicação impressa e a digital, confirma Paulo “No começo existia um certo territorialismo, se guardava material para o digital, e outro para a edição física. Tínhamos medo que digital furasse o físico, a matéria de segredo, de novos modelos em preparação. Hoje em dia percebemos que quem gosta de carro consome todo tipo de conteúdo. Existem vários níveis: quem consome tudo e o que seleciona o meio que gosta mais. Nunca recebi uma queixa que nosso público do impresso por ler tal coisa que saiu antes no site e também o contrário. O que é publicado primeiro depende da ocasião. Utilizamos muito hard news, o segredo que alguém pode dar antes, e aí o site se presta bem; mas tem coisa que tem cara de revista; ou seja, não tem uma regra fixa”. A produção de conteúdo já é pensada para alimentar todas as mídias.
O diretor avalia que no site existe a facilidade do SEO, mas na revista o leitor em mais liberdade, mais tempo para ler. E ainda existe a adequação para mídias digitais diferentes. Uma coisa é produzir conteúdo para o Tik Tok, outra para o Instagram. “O conteúdo básico é o mesmo, mas a forma de apresentação requer adaptações”.
“O Mercado cresceu muito e chega um hora, ao fazer comparativos entre modelos, fato que gera muita leitura no site e nas redes sociais, temos que ter uma nota de corte para utilizar no máximo 4 marcas ou modelos”.
Passado e futuro
A Quatro Rodas acompanhou todo o nascimento da indústria indústria automotiva brasileira no início dos anos 60. Desde a própria industrialização, construção de fábricas, e também de estradas. “O Guia Quatro Rodas nasceu nessa vibe, ao produzir mapas e marcar pontos de apoio nas estradas, indicação de hotéis, restaurantes, postos de gasolina, borracheiros, oficinas, mas também escolas e parques e outras referências de apoio ao motorista ou turista”. O Guia impresso foi produzindo entre 1965 e 2014.
“À partir dos anos 90, com a maior abertura das importações, chegou muita tecnologia e hoje vivemos um novo momento, com a eletrificação dos carros, um movimento mundial”. Os governos criaram diretrizes de segurança e normas ambiental, de emissões e redução de poluentes com cronograma até os anos 2000, explica. “A ideia era reduzir a zero as emissões de combustível fóssil mas os governos viram que isso não era possível até aquela data, e o calendário foi mudando e postergando o prazo. Se fala hoje na Europa em datas que chegam a 2030 ou 2035. A realidade impõe fatos diferentes que as leis imaginam. Não é só a indústria atender com produtos de combustível limpo, como eletricidade; trata-se de algo mais complexo, depende da infraestrutura de recarga, da geração de energia para atender a essa demanda, e aceitação pelo mercado”.
“Hoje, os especialistas e os legisladores em todo o mundo não admitem abertamente que se equivocaram com as datas, mas estão revendo essa tolerância; não é algo simples, como girar um botão ´para sairmos do motor térmico para o elétrico. Carro híbrido tem se mostrado uma solução mais viável, inteligente; não depende de baterias tão robustas, e isso vai ajudar na transição e dar sobrevida ao motor de combustão”.
Jornalistas automotivos
Para trabalhar nesse segmento é preciso, como ponto de partida, gostar de carro. Paulo alega que já gostava de carros como usuário antes de se transformar em jornalista automotivo. Ele também é piloto de competições automobilísticas, formado na Escola de Pilotagem Interlagos. Começou sua carreira em 1990 no jornal O Estado de São Paulo, onde ficou apenas um ano e foi transferido para um filhote da casa, o Jornal do Carro, do Jornal da Tarde, onde ficou até 1994. Após uma temporada residindo nos EUA, voltou para atuar na coordenação de Imprensa da DaimlerChrysler do Brasil. Saiu da montadora em dezembro de 2000 para ser editor responsável pelos testes da revista Quatro Rodas onde permanece até hoje. Em 2014 lançou o livro O homem que dirigiu tudo, contando sua tragetória na cobertura automotiva.
“O carro demanda alguma intimidade, depende do que vai fazer como jornalista, se irá cobrir a indústria é uma coisa, competição outra; quando faz teste, tem que ter afinidade com carro, gosta de dirigir. É uma estrada para trilhar, se não tem prazer de fazer teste vira um fardo. A profissão tem certo glamour, mas dá trabalho, ir para pista, colocar equipamento, no sol, com ar condicionado ligado, mesmo assim se cansa muito, se não prazer nisso fica difícil”.
Jornalismo x influencers
Ao comparar o jornalismo aos influencers – Paulo também produz um blog – ele afirma que a qualidade da informação é fundamental em qualquer espaço. “A concorrência dos influencers é bem-vinda, mas existem concorrentes que não tem o mesmo compromisso dos jornalistas. O mercado vai aprendendo a separar o joio do trigo. No digital tem muito público que consome conteúdo rápido, só de passagem, não sei se é o mesmo público que eu disputo”.