Ziraldo, vida e obra

O cartunista, co-fundador do jornal alternativo O Pasquim e criador do Menino Maluquinho, faleceu aos 91 anos

“Eu fiquei velho semana passada. É assustador, mas tem uma vantagem: você vai subindo uma escada, cada ano um  degrau. Eu cheguei ao alto da torre, e a vista daqui é linda”. Essa declaração, dita pelo cartunista Ziraldo em uma de suas últimas entrevistas, resume seu pensamento sobre a passagem dos anos e uma reflexão da obra que deixou para gerações.  Ele faleceu neste sábado (6/4) aos 91 anos.

Entre sua diversas obras e legados, fica duas grandes lembranças: a criação do personagem infantil Menino Maluquinho, e o antológico jornal O Pasquim.

Ele começou a carreira fazendo uma coluna de humor em 1954 para o o jornal Folha da Manhã (hoje Folha de S. Paulo). E sua fama se fortalecer a partir de trabalhos publicados na revista O Cruzeiro e Jornal do Brasil.  Se destacava pelo tom critico e ataques a políticos extremistas e à ditatura. E isso lhe rendeu muitos problemas. Mas ele persistiu.

Charges críticas e literatura infantil foram suas grandes armas para falar com diferentes gerações e despertar o espírito crítico. Em 1960 lançou a revista em quadrinhos Turma do Pererê, a primeira em cores no Brasil da época. Também foi o primeiro gibi produzido por um só autor. Mas a produção foi cancelada pelos censores da ditadura militar, e só retornou no final da década de 70, quando o regime militar perdia o fôlego. Em 1980 lançou a obra que seria sua marca nos últimos anos: O Menino Maluquinho. Fez fãs entre o público infanto-juvenil, mais precisamente 4,1 milhões de livros vendidos.  Não foi o único. Publicou outros 200 livros para a mesma faixa etária, quase todos best-sellers.

Uma Professora Muito Maluquinha, de 1995, já vendeu mais de meio milhão de exemplares. O Bichinho da Maçã, de 1982, mais de 300 mil. As histórias de Ziraldo também chegaram a crianças do mundo todo, traduzidas em espanhol, italiano, inglês, alemão e francês, entre outras línguas.

Tinha vocação para as artes e foi um menino prodígio. Em 1939, com apenas 6 anos, viu seu primeiro desenho ser publicado no jornal Folha de Minas.

Em meio a prisões e perseguições, o artista foi contemplado com o principal prêmio do 32º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas, considerado o Oscar do humor, depois de ter trabalhos publicados em revistas na Europa e Estados Unidos. Ziraldo ainda se tornaria o primeiro artista latino convidado a desenhar o cartaz da campanha anual do Unicef.

Pasquim, o humor contra a ditadura

Diversas edições de O Pasquim não deixaram morrer a história do atentado ao Rio Centro, com muito humor

Para o jornalismo, sua grande contribuição foi ser co-fundador de O Pasquim. Foi um marco na luta pela redemocratização do país e trincheira contra a censura da ditadura, que atingia todos os veículos nacionais. Foi célebre a capa de umas das edições de O Pasquim com a foto dos militares atingidos por uma bomba que tentaram colocar e explodir o Rio Centro em 1981. “Puma o carro do ano”, foi o título com a foto que não deixava dúvidas que facções de militares queriam endurecer ainda mais o regime. A partir desse atentado — negado pelos militares e pelo presidente-ditador na época, João Figueiredo, que contaram a lorota (fake news) que comunistas que jogaram uma bomba no carro — o regime chegou ao fim internamente e perante a opinião pública. O atentado, articulado por alas radicais do DOI-Codi, do Exército e da Polícia Militar, seria o maior atentado terrorista no Brasil caso a bomba chegasse e fosse detonada no local planejado. Cerca de 20 mil pessoas assistiam a shows comemorativos ao Dia do Trabalhador. Um dos militares morreu e o outro sobreviveu.

Ilustração: divulgação/Instituto Ziraldo

Figura sempre ligada à esquerda, o artista foi membro do Partido Comunista Brasileiro. Em 2005, se filiou ao recém-criado Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), para o qual desenhou o logo. Seu engajamento o levou a ser preso três vezes durante o período militar, a primeira delas em dezembro de 1968, apenas um dia após a decretação do Ato Institucional Número 5, o AI-5, que deu início ao momento mais duro do regime.

O cartunista comentou sobre sua tentativa de ressuscitar o jornal em 2002, como “O Pasquim 21”. Apesar de ter durado até 2004, o projeto se somaria à lista de fiascos editoriais em que investiu, como as revistas “Palavra” e “Bundas”, uma sátira ao sucesso da “Caras”, em 1999. Depois dessas experiências, disse ter desistido do jornalismo. “Cansei de levar porrada. Eu sou o rei dos bons projetos e dos fracassos econômicos.”

Nas redes, inúmeras pessoas prestaram homenagem a Ziraldo neste sábado, segundo a BBC:

O presidente Lula classificou Ziraldo como um dos “maiores expoentes da cultura, da imprensa, da literatura infantil e do imaginário do país”.

“São inúmeras e diversas as contribuições de Ziraldo, seja com a turma do Pererê, em seu trabalho à frente do Pasquim, nos anos da ditadura, em livros inesquecíveis, como Flicts, e num extenso trabalho em revistas e jornais brasileiros. Na defesa da imaginação, de um Brasil mais justo, com democracia e liberdade de expressão”, escreveu o presidente.

O criador da Turma da Mônica, Maurício de Souza, também lamentou a morte de Ziraldo. “Perdi mais que um grande amigo. Perdi um irmão. Das letras, dos traços e da vida! Mas ele estará sempre aqui em meu coração. E nos corações de milhões de brasileiros maluquinhos, de todas as idades, que seguirão apaixonados por sua obra. Viva, Ziraldo!”, escreveu.

Alguns times de futebol do país também prestaram homenagem ao cartunista nas redes sociais, como Corinthians, Palmeiras e São Paulo, clubes para os quais Ziraldo fez trabalhos pontuais como escritor ou cartunista.

Ziraldo foi o último entrevistado no programa de TV de Jô Soares, que bateu recordes de audiência nessa ocasião

A  história e toda obra do cartunista pode ser conferida no Instituto Ziraldo. A sede física fica no Rio de Janeiro, no local que foi o estúdio do artista.

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