A conquista do espaço em meio ao caos

As estratégias adotadas pelas marcas para trabalhar ações e se manter relevantes na imprensa enquanto todas as atenções estão focadas na pandemia

Por Marcelo Daniel

No momento em que o medo e a busca por informações de saúde entraram no topo dos interesses de toda a população, a imprensa passou a assumir um papel de suporte diário. Tanto que no período inicial do isolamento social, o Datafolha divulgou levantamento mostrando que 61% das pessoas confiam nas informações sobre a crise veiculadas por emissoras de TV, 56% nas dos jornais e 50% nas das emissoras de rádio.

Em um comparativo com as plataformas tidas como “rivais” na disseminação de fake news, o índice de confiança em redes sociais como WhatsApp e Facebook é de 12%, relativamente mais baixo que os demais.

Com a televisão à frente na confiança da população, a Rede Globo se destaca. Uma pesquisa feita pela QualiBest, em abril, mostrou que 19% dos participantes consideram a emissora como o canal mais confiável para se informar sobre o novo coronavírus e os desdobramentos da pandemia. Na pesquisa, Record TV (14%) aparece em terceiro lugar, atrás dos órgãos governamentais, como o Ministério da Saúde e a OMS.

No entanto, quando falamos da comunicação corporativa como um todo, faz-se necessário o recorte: a busca intensa pelos canais jornalísticos teve relação direta com os temas da pandemia.

A pergunta que fica é: e os demais segmentos? Quais foram os desafios dos escritórios de comunicação das grandes corporações no país, para continuar uma operação de relevância em contato com a mídia?

Na visão da gerente de Comunicação e Relações Públicas na Syngenta, Fabiana Trebilcock, as empresas se viram diante de um cenário até então desconhecido para implementar suas estratégias. “Muito mais do que se reinventar e lançar mão de novos recursos e formatos para seguir com ações, foi indispensável correlacionar o propósito ao momento mais sensível de nossa geração”, destaca.

Destacar projetos

A Syngenta, que atua no desenvolvimento de tecnologias direcionadas à agricultura, destacou iniciativas que contribuem diretamente para a evolução sustentável da produção de alimentos.

“Mantivemos nosso relacionamento com a imprensa sustentado por informações objetivas e resultados concretos e, com isso, pudemos destacar projetos, lançamentos de plataformas de negócios e, principalmente, da nova fase de nosso Plano de Agricultura Sustentável, que baliza nosso posicionamento e objetivo como multinacional líder em seu setor”, destaca a executiva.

O objetivo da parceria, reforça Trebilcock, é o de estabelecer um diálogo aberto junto à sociedade. “Para nós está muito claro, há bastante tempo, que nos posicionarmos de forma objetiva, buscando responder às dúvidas e anseios da sociedade, é indispensável para a evolução sustentável de nosso negócio”, cita.

A coordenadora de Comunicação Externa para América Latina da BASF Agro, Maria Braga, também reforça o foco de estar sempre em proximidade dos agricultores, tendo a imprensa como canal de comunicação com esse público.

“Nossa estratégia foi a de continuar trabalhando para valorizar o legado da agricultura, por exemplo, nas premiações de alta produtividade do Cesb (Comitê Estratégico Soja Brasil) e do Desafio TOP SOJA (promovido pela BASF) destacamos e compartilhamos as conquistas dos agricultores que contribuem para elevar o patamar produtivo do país”, diz.

Esse tipo de iniciativa possibilitou que a marca estivesse sempre junto dos clientes, apesar da distância física imposta pela pandemia. “Ficamos mais digitais sem perder a essência do nosso propósito”, comenta.

Tranquilizar e descomplicar

O diretor de Estratégia de Crescimento e Marketing da Tokio Marine, Flavio Otsuka, comenta que a proximidade com os veículos foi divulgar os passos da empresa no momento delicado. “O intuito foi comunicar, de forma clara, todas as ações para atender aos protocolos estabelecidos pela OMS e manter a operação em pleno funcionamento, como prestar os melhores serviços para nossos corretores, assessorias e clientes”, diz.

Essa troca contínua com a mídia foi essencial para tranquilizar os parceiros e, também, reforçar para a população os benefícios da proteção do seguro de forma simples, descomplicando o tema e mostrando a importância do setor para a sociedade.

“O relacionamento com a imprensa tem um enorme valor estratégico, pois trata-se de uma aliada essencial na construção de uma sociedade mais consciente em relação à importância do papel do seguro na proteção da vida e do patrimônio das pessoas”, ressalta.

Na Arteris, houve uma preocupação em destacar, de forma confiável e no momento correto, a atuação essencial de uma rodovia, permitindo o funcionamento das principais cidades, com pistas seguras e serviços essenciais disponíveis para o transporte de itens prioritários.

“Além de adequarmos todas as nossas instalações para oferecer mais segurança aos funcionários e usuários, demos apoio importante a mais de 60 mil caminhoneiros”, comenta a head de Comunicação da Arteris, Claudia David.

“Distribuímos kits de higiene, vacinas contra a gripe e tags para pagamento eletrônico de pedágio”, complementa. O investimento para apoio a hospitais, caminhoneiros e comunidade foi de R$ 7 milhões.“Com a realidade das redações cada vez mais enxutas, e com tantos profissionais em home office, o relacionamento com os jornalistas se tornou ainda mais desafiador e fundamental – buscamos estabelecer vínculos de forma ágil, transparente e humana”, diz.

Diminuir ou não o ritmo

A analista de Comunicação da Engie, Karina Howlett, observa que todas as estratégias tiveram de ser revistas. “Optamos por, em alguns casos, pausar ou diminuir a frequência de algumas iniciativas, ligadas por exemplo diretamente ao nosso business, para que à empresa não parecesse estar insensível a situação complexa pelas quais as pessoas estavam passando”, conta.

Por outro lado, a comunicação de iniciativas que a empresa liderou no combate à Covid-19 foram reforçadas, assim como de projetos socioambientais. “Elaboramos uma estratégia que abarque as diferentes plataformas e ferramentas de comunicação disponíveis”, ressalta.

“Apesar de o mundo ter se tornado e continua se tornando cada vez mais digital, a comunicação com a imprensa continua sendo um pilar muito importante, através do qual conseguimos divulgar os nossos negócios, as nossas ações sociais, temas relevantes para nossos negócios”, complementa.

Já para a gerente de comunicação da AkzoNobel para a América do Sul, Karen Watanabe, o ano de 2020 foi de operação intensa. “A companhia manteve o seu programa de colaboração e inovação com as startups, inaugurou um escritório que materializa o propósito da empresa e iniciou um novo caminho de relacionamento com os seus colaboradores que é pautado na escolha da forma de trabalho”, detalha.

Todas essas iniciativas foram refletidas e acompanhadas pela comunicação. “Mais do que nunca, os jornalistas precisam de pautas assertivas e de impacto para os seus públicos – e o nosso relacionamento com esses profissionais foi estreitado no período, justamente por meio de uma comunicação feita sob medida para cada um deles”, afirma.

Para a gerente de Marketing e Comunicação da Atlas Schindler, Jacqueline Krebs Rempel, a atividade da empresa foi considerada essencial para o período. “Sob a ótica do transporte vertical, elevadores e escadas rolantes ganharam um protagonismo especial nos últimos meses – e permanecemos atuando sob rígidas regras de prevenção e controle para assegurar a integridade de colaboradores, clientes e usuários”, diz.

Outro ponto que se intensificou na companhia foi a implementação de novidades operacionais. “Nos mobilizamos para trazer ao mercado novas tecnologias em tempo recorde como a inteligência artificial para monitoramento remoto dos equipamentos, soluções touchless e renovadores de ar.”
A estratégia com a imprensa, afirma, foi manter a consistência das ações que já estavam planejadas, dar mais visibilidade às novas soluções e encontrar oportunidades de sinergia entre os nossos serviços e o momento atual.

Nova realidade

Nos primeiros momentos da crise da pandemia, a equipe de comunicação da Fundação Getulio Vargas (FGV) teve de correr para se adaptar ao novo cenário que se instaurou no país. Instituição de numerosa procura para pautas e entrevistas, logo nos primeiros dias, a assessoria de imprensa se mobilizou para viabilizar o contato entre jornalistas e fontes de forma remota.

“Isso envolveu um grande esforço para entender de que forma as redações passariam a operar nesse novo cenário, bem como um intenso trabalho de treinamento e orientação das fontes em relação ao uso da tecnologia, escolha de ambientes adequados para entrevistas e uma série de outros aspectos que passaram a ser de extrema importância”, relata o diretor de Comunicação e Marketing da FGV, Marcos Facó.

Outra adaptação foi em relação às pautas, visto que toda atenção do noticiário se voltou para a cobertura da pandemia. “Dessa forma, foi feito um mapeamento dos diversos impactos que as medidas de isolamento causariam à sociedade e de que forma os professores e pesquisadores da FGV poderiam continuar contribuindo com o debate público”, explica.

Na visão de Vanessa Vieira, gerente de comunicação externa da EDP no Brasil, para manter a relevância, foi necessário ter a sensibilidade de adaptar a agenda de comunicação à pauta de cada momento. “Nosso cronograma de divulgações seguiu três grandes eixos: reagir, recuperar e reformular”, observa.
Na primeira etapa, quando as prioridades da empresa eram proteger os colaboradores, garantir a continuidade da operação e ajudar a sociedade, a pauta se dedicou às alterações no modelo de trabalho nos diferentes negócios para assegurar o fornecimento de energia elétrica ao país, entre outras medidas.

“Em um segundo momento, nos dedicamos a divulgar as medidas adotadas pela empresa para neutralizar os impactos da crise do coronavírus, com anúncios como a conclusão de um lote de linhas de transmissão antes do cronograma, permitindo à companhia antecipar receitas”, enumera.

Por fim, no eixo de reformulação, a agenda de divulgações se voltou à busca de alternativas e novas oportunidades de negócio no cenário de pandemia.
De acordo com a diretora de Comunicação da BRK Ambiental, Juliana Calsa, como a empresa é responsável por um serviço essencial, foi mantido um posicionamento ativo e intenso de comunicação das iniciativas, com foco na importância do cuidado com a água. “Em um momento em que lavar as mãos com água e sabão é uma das principais medidas para evitar a contaminação pela Covid-19, reforçamos o propósito de transformar a vida das pessoas por meio do saneamento”, comenta.

Os canais de comunicação com a imprensa, complementa, têm papel fundamental para a prestação de contas com clientes e sociedade. “Somos prestadores de um serviço público, e agir com transparência faz parte do nosso trabalho”, afirma.


Transparência

Em meses tão difíceis, com os noticiários preenchidos por notícias tristes e alarmantes, o gerente de Comunicação da Braskem, Rodrigo Uchoa, ressalta a importância de uma informação cristalina.

“A maior estratégia que as empresas podem adotar é a mais absoluta transparência; colocar sempre em primeiro lugar a abertura de informações e o esclarecimento de dúvidas”, enfatiza.

O executivo analisa que as empresas não são ilhas isoladas, mas fazem parte das comunidades em que atuam, têm impacto sobre elas e precisam da licença social dada por essas comunidades para que continuem funcionando.

“A imprensa é a grande mediadora da relação entre as empresas e o público geral; as comunidades impactadas pelas empresas têm procurado informações qualificadas nos veículos e isso é importantíssimo”, frisa.

Para o gestor de Comunicação da MRV, Daniel Simonetti, a maneira de se consumir informação é bem diferente de alguns anos atrás. “Todas as pessoas possuem condições de serem geradoras de informação, mas a credibilidade é essencial neste cenário”, ressalta. Ainda que a tecnologia seja facilitadora a todos, o executivo pontua que o jornalismo continua exercendo um papel determinante na credibilidade da informação.

O coordenador de Relações com a Mídia da Fiat Chrysler Automobiles, Roberto Baraldi, enxergou nessa busca intensa por informações a necessidade de adaptações internas.

“Vimos que era preciso abrir novos canais de relacionamento com os jornalistas, preparando nossos porta-vozes para isto; procuramos nos adaptar e acho que tivemos sucesso, pois conseguimos manter um relacionamento de alto nível com os jornalistas durante todo o ano”, relata.

O executivo classifica a estratégia de comunicação com a imprensa como o canal consagrado e respeitado de reflexão e de formação da opinião pública. “Relacionar-se com transparência é uma forma de valorizar o vínculo que a empresa tem com a sociedade e seus consumidores, que se informam através desses veículos – e a qualidade dessa parceria impacta diretamente a reputação da empresa”, conclui.

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