As apostas de um futuro incerto

Especialistas da comunicação corporativa apontam as tendências do mercado e suas demandas em tempos cada vez mais exigentes

Entre follows e likes nas plataformas sociais, as novidades são praticamente diárias, diferente das mudanças de rota no mundo da comunicação corporativa: elas obedecem a um período maior de maturação.

Com enfoque institucional e forte influência dos pilares de negócios, nem sempre é fácil trazer para boards medidas que tenham sido anunciadas há pouquíssimo tempo e, assim, muitas vezes não apresentam a solidez necessária para a implementação na operação.  Será essa a realidade de engessamento enfrentada no Brasil nos últimos meses frente às imposições da pandemia? Não é a regra, como aponta Rogério Louro, diretor de

Comunicação Corporativa da Nissan. “Em 2020, a área mostrou toda a sua agilidade e importância, o que nem sempre é muito notado no dia a dia, mesmo dentro das empresas”, afirma.

Em função da pandemia, com toda a radical adaptação que exigiu das empresas e da própria sociedade, todos viram como o setor é fundamental e é ágil, quando necessário, segundo o executivo.

Essa e outras experiências foram divididas com os leitores da Negócios da Comunicação, por parte de lideranças de grandes empresas que estão alinhadas com as necessidades e demandas de um exigente mercado.

Mundo remoto e sustentável

Para Louro, mesmo com a aguardada difusão das vacinas, as ações virtuais, que ele classifica como híbridas, ainda terão forte presença no cenário. “Acredito que aprendemos muito e elas seguirão com força no portfólio, tanto de comunicação externa quanto interna – o grande desafio será mesclar o melhor do mundo on-line com o importante calor humano dos eventos presenciais”, pontua.

No mesmo foco, o executivo da Nissan aposta que as questões ligadas aos temas ambientais, sociais e de governança – ESG (Environmental, Social and Governance), que já vinham avançando dentro das empresas, saíram ainda mais fortalecidos. “Com toda a humanização e mudança de conceitos, aconteceu uma aceleração que precisa ser acompanhada pela Comunicação Corporativa, para conscientizar, ajudar na disseminação da cultura e da mensagem e, é claro, informar”, diz.

Mas é importante separar o joio do trigo. De acordo com a Head de Relações com a Imprensa na TIM Brasil, Alessandra Ber, todo mundo despertou para o tema de ESG durante a pandemia e saiu comunicando. “O mercado, agora, vai verificar o que é de fato real, tem hedge ou é só marketing – e as empresas serão cobradas por isso”, diz. “O consumidor está mais exigente na compra: quer produtos que atendam às suas necessidades, mas também a seus propósitos”, enfatiza.

Nesse sentido, a head global de Assuntos Corporativos e Comunicação da Nexa Resources, Lucila Ribeiro, ressalta a escuta ativa como um legado importante que se converteu em tendência. “Escutar os diversos grupos de relacionamento e a comunicação genuína sobre o impacto social gerado pela empresa na sociedade gera uma conexão muito mais profunda entre a marca e os públicos envolvidos”, afirma.

A Nexa realizou investimentos sociais no combate à pandemia, doando respiradores, EPIs, cestas básicas para milhares de famílias carentes, além de treinar profissionais de saúde pública e apoiar a melhoria da gestão pública. “Vimos nossa conexão e espaço de diálogo aumentarem com os públicos de interesse, pois trabalhamos em sinergia, todos focados em um objetivo único”, diz.

Momento estratégico

A gerente de Comunicação Corporativa da CVC Corp, Priscila Bures, que é responsável por marcas como CVC, Submarino Viagens, Experimento Intercâmbio Cultural, entre outras, acredita que, na comunicação interna, há uma tendência de que ela seja mais direta, com ares mais colaborativos e participativos. “O presidente e os diretores passam a desempenhar papéis estratégicos na companhia, inspirando equipes e demais líderes a inspirar pelo exemplo”, enumera.

Segunda ela, com a pandemia, a comunicação precisou ser mais frequente, e transparente com todos os colaboradores, um fenômeno que deve se manter ao longo de 2021. “Nessa configuração, propósito e valores saem do âmbito do simples discurso e estarão cada vez mais evidentes, sendo colocados em prática nas relações entre pessoas e negócios”, pontua.

A diretora de Relações Institucionais e Regulatório da LATAM Airlines Brasil, Gislaine Rossetti, observa que o ano que se passou precipitou rupturas e emergiu exponencialmente a flexibilidade e adaptabilidade da sociedade e das empresas diante do desafio da Covid-19. “O protagonismo vai continuar exigindo que as empresas coloquem foco e lente de aumento no engajamento das equipes internas – seus colaboradores –, pois eles são os embaixadores desta nova dinâmica social e tecnológica, sem perder de vista toda a cadeia de stakeholders com os quais a empresa interage e que requer diálogos constantes e ações com impactos positivos”, detalha.

Sobre empatia, Rossetti acredita que as empresas terão de continuar se esforçando para gerenciar as narrativas que embasam as suas marcas, dando prioridade para os assuntos que são realmente importantes para a sociedade e que transformam comportamentos. “Construir narrativas aliadas ao desafio da empatia tendo como premissa ‘escutar’ as necessidades e os anseios da sociedade para que os valores, as crenças e ações da empresa estejam de alguma forma conectados ou em sintonia com essa ‘nova ordem’”, acredita.

Gestão de dados

De acordo com a visão da diretora de Comunicação Corporativa e Digital da Roche, Regina Moura, a gestão de dados nesse segmento é um ponto cada vez mais relevante. “Uma vez que a era digital democratizou de forma ampla e ágil o acesso à informação, o gerenciamento de dados passou a revolucionar todos os negócios”, observa.

Dentre os pontos destacados, a executiva ressalta desde a personalização da medicina ao desenvolvimento de seriados completamente embasados no comportamento de usuários nas plataformas de streaming.  “Uma gestão ética e estratégica dos dados tem permitido aos diferentes segmentos realizarem investimentos mais assertivos, bem como conquistarem melhores resultados e a Comunicação não pode ficar alheia a isso”, afirma.

Regina cita uma eventual maturidade da Lei Geral de Proteção de Dados como motivação para que profissionais da área explorem, cada vez mais, esses recursos em seus segmentos. “Precisamos nos afastar, cada vez mais, da subjetividade ao olhar a mensuração de resultados e os planejamentos de comunicação – e uma gestão mais sistêmica e estratégica dos dados gerados por nossas audiências será grande aliada para isso”, pontua.

Para o gerente de Comunicação do Grupo Fleury, Marcelo de Andrade, uma tendência que vai ser norteadora para o ano que se inicia é o Walk the talk. “Mais do que mensagens-chave, os profissionais de Comunicação, seja interna ou externa, precisam certificar-se de que a empresa expressa seus valores culturais em todos os canais de interação, pontos de contato com a marca e macroprocessos”, cita.

No entanto, para alcançar êxito com esta abordagem, o executivo salienta que é preciso ter um posicionamento ancorado em autenticidade, legitimidade e materialidade. “Ou seja, o cenário exige, mais do que nunca, um branding walk the talk transversal e ubíquo”, diz.

A gerente de Comunicação da Bunge, Roberta Correia, acredita que o digital permeou toda a comunicação interna e também foi protagonista na relação com o público externo. “O campo está cada vez mais globalizado e conectado e isso exige que nossas interações acompanhem esse movimento, de forma ágil e dinâmica”, complementa.

Uma premissa que coloca a informação como um pilar essencial, que precisa estar disponível com qualidade e solidez, o tempo todo. “Os clientes e parceiros compram, vendem, fecham negócios e contratam serviços em poucos cliques e em apenas alguns segundos, e as empresas (e suas respectivas áreas de comunicação) precisam estar completamente inseridas nesse modelo para suportar esse novo modo de se relacionar”, detalha.

Cidadania Corporativa

O superintendente de Comunicação Corporativa e Relações Governamentais do Itaú Unibanco, Leandro Modé, brinca que o ano de 2020 foi responsável para que o escritório “ressuscitasse” as entrevistas coletivas.

A comparação está relacionada à facilidade de promover esses eventos de maneira digital – o que havia se tornado difícil, em especial em São Paulo, com as dificuldades de mobilidade no trânsito. “A digitalização é uma tendência e eventos, coletivas e entrevistas online deverão ser a regra, em especial no primeiro semestre do ano”, comenta.

À frente da gerência de Comunicação Corporativa da Caixa Seguradora, Rodrigo Cicutti também reforça o peso dos eventos virtuais e transmissões ao vivo nas rotinas do próximo ano. “Da mesma forma que em 2020, tudo indica que a tendência das lives seguirá firme em 2021; a sociedade parece ter se acostumado ao modelo e esse tipo de transmissão de eventos se mostrou prático e econômico para as organizações”, conta.

Outro ponto que Modé, do Itaú, destaca é o papel da cidadania corporativa. “A internet, o celular e as redes sociais dotaram o cidadão de um poder nunca antes visto, e isso leva a uma cobrança constante sobre as empresas”, diz.

Na visão do executivo, para fazer frente a essa realidade, não há outro caminho senão engajar-se em causas, tendo como pano de fundo uma legitimidade para operar. “Nesse contexto, a comunicação corporativa é vital, porque faz a ponte entre a corporação e a sociedade, difundindo as mensagens do ambiente interno para o externo”, afirma.

De acordo com a gerente sênior de Comunicação da Kimberly Clark, Monica Kleina, a necessidade de uma comunicação interna mais ágil e mais direta, que rapidamente chegue aos colaboradores da ponta, é fundamental. “O líder ocupa um papel fundamental para disseminar informações no sentido de agilidade e transparência”, diz.

Outro aprendizado que a executiva aponta é a flexibilidade. “Entendo que, mesmo após a pandemia, temos que analisar os formatos e estarmos prontos para adequarmos cada ação, tanto no planejamento e criação dos materiais, quanto nos canais de execução e interação, de maneira ainda mais viva para cada realidade”, complementa.

Divisão de responsabilidades

É papel dos profissionais de comunicação estabelecer e manter relacionamentos com seus públicos, no entanto, a diretora de Marketing da TOTVS, Diana Rodrigues, aponta para um problema bastante recorrente nos dias de hoje. Como garantir as melhores comunicações se surgem recursos novos nas redes sociais a todo momento, se os algoritmos dos motores de busca mudam diariamente e os sistemas de gestão de conteúdo mudam com frequência?

“A resposta é: tendo uma equipe multidisciplinar, muito afinada, em que cada um contribui com seu olhar para os diferentes projetos; só assim vamos tirar o melhor proveito de todas as inovações nos mais diversos canais e plataformas que hoje em dia são a base de uma estratégia de comunicação corporativa vencedora”, diz.

A superintendente de Comunicação Institucional e Relacionamento com a Imprensa da SulAmérica, Thaís Arruda, ressalta que 2020 foi o mais desafiador e que fez repensar, rever e reinventar nos segmentos de comunicação e marketing. “Quem estava mais preparado para as adversidades, tinha planos prontos e testados de continuidade de negócios, fluxos consolidados de gestão de crise e políticas inovadoras de RH, como a prática de home office e home work, conseguiu ser mais veloz nas adaptações necessárias”, acredita Thaís.

A figura dos colaboradores, por sua vez, deverá aparecer, cada vez mais, fortalecida, como aponta a diretora de Gente, Estratégia e Marca da Algar Tech, Luciana Gonçalves. “Estão ganhando crescente relevância como influenciadores, já que os consumidores e profissionais têm buscado referências sobre empresas e produtos com quem já se relaciona com a marca no dia a dia”, observa.

Na sua visão, os funcionários são, naturalmente, aqueles que mais conhecem uma organização e, nesse contexto, trabalhar a marca empregadora, melhorando a experiência do colaborador. “Ampliará seu time de comunicadores, tornando a marca mais atrativa e engajando para a disseminação de valores e propósito”, conclui.

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