Nem todos podem contar essa história

Por mais comum que tenham se tornado, os bons conteúdos de marca continuam sendo feitos por grandes empresas e fortes grupos de mídia multiplataforma

Ele chegou para ficar. O branded content já é bem mais que uma tendência, principalmente nos EUA, onde o conceito foi desenvolvido e encontra-se consolidado. Mas, tudo indica, ainda não foi devidamente apresentado ao mercado brasileiro, em que veículos e clientes ainda tateiam e até fazem de conta que sabem do que se trata. Hoje, praticamente, toda agência tem sua área de BC, normalmente em destaque, exposta como sinal de modernidade e excelência de serviços. A realidade, contudo, tem mostrado que muitas vezes essa estratégia de abordagem se confunde com os antigos publieditoriais, ou informes publicitários — isso quando não passam a impressão das famigeradas “matérias pagas”. Porque, é preciso admitir, nem todos sabem fazer a chamada narrativa em que conteúdo, informação, marca e plataformas de mídia se unem em função do engajamento e aproximação voluntária do consumidor ou público-alvo. São notadamente as grandes empresas e grandes veículos que sabem lidar com essa abordagem que requer bom acabamento e, sobretudo, capacidade logística de entregar o necessário para que o branded content não seja apenas uma réplica mais onerosa de algo nem tão original assim.

Há os que argumentam, com considerável dose de razão, que não há nada de novo nesse front. É o caso de Paulo Lima, sócio-fundador e publisher da Trip Editora, fundada em 1986 e ainda hoje sinônimo de juventude e ousadia, não só por conta de inovações gráficas e temas originais ou polêmicos, como também por ser vista pelo mercado publicitário como um canal tão diferenciado que, no início, os anunciantes não entendiam direito por que e o que anunciar lá. Lima desde sempre procurou anunciantes não convencionais, de áreas como moda e esportes, que se envolveram a partir da sugestão de conteúdos. A ideia prosperou e gerou produtos próprios, caso das revistas customizadas, segmento de cujo boom, na década 90, a Trip participou com cases perenes como o da publicação de bordo da Gol e das revistas da Audi e rádio Jovem Pan. Outras empresas, como a OP (Ocean Pacific, de moda surf), solicitaram que se produzissem catálogos além de anúncios. “Começamos a produzir conteúdos diversos, inclusive vídeos, e hoje temos até uma produtora própria que alimenta diversas mídias digitais e cinemas”, comenta o também editor da Trip.
“Poucos sabem construir a narrativa em que conteúdo, informação, marca e mídia se unem em função do consumidor”

Para Lima, o BC, apesar de recente no Brasil, produziu uma euforia injustificada de que era a panaceia das necessidades do marketing. “O conteúdo customizado não é algo novo, mas a forma como está sendo tratado agora faz toda a diferença”, explica. Segundo ele, o publieditorial, invasivo e pouco lido, passou a ser um conteúdo trabalhado com o mesmo critério jornalístico da revista e acompanhando o contexto do tema de uma reportagem. Este seria, na avaliação de Lima, o chamado branded content, que só dá muito certo se produzido com qualidade, responsabilidade e isenção editorial. “A narrativa vai além do produto e humaniza conteúdos com informação relevante”, aponta. O veículo impresso não vai acabar, e só faz sentido, segundo o dirigente da Trip, “quando faz parte de um carrossel de comunicação”, o que significa estar associado à distribuição de conteúdo em outras plataformas, principalmente mídias digitais.

Como exemplo dos novos tempos, Paulo cita o trabalho para o Itaú Personalité, cliente da Trip de muitos anos. “Quando começamos o banco tinha 400 mil clientes, hoje tem 3 milhões. Imagine fazer uma revista customizada para atingir esse público. É aí que entra a necessidade de trabalhar com multiplataformas.”
Dois dígitos por ano

Mas há os que reconhecem no BC uma alavanca para novos negócios. No Sul do Brasil, a RBS logo posicionou uma estratégia comercial para dar conta dessa tendência, há pelo menos cinco anos. Marcelo Leite, diretor executivo de marketing do Grupo, conta que a empresa se divide em duas grandes áreas: jornalismo e entretenimento, cada um “desses processos com obstáculos éticos diferentes e soluções igualmente diferentes”. No jornalismo, o BC entra com um trabalho especializado feito pela divisão Clik Estúdio. Ali, jornalistas contratados e treinados para o serviço específico produzem conteúdo fortemente conectado com o marketing das empresas contratantes. “Temos ainda um profissional de marketing que suporta nossa área comercial para o atendimento dessa demanda”, diz Leite.

A redação passa para o marketing suas pautas e o pessoal da área comercial procura o mercado em busca de interesse no conteúdo a ser divulgado. Ao detectar oportunidade de divulgação que tenha a ver com a matéria que será produzida, as empresas contratam a Clik para a formatação do conteúdo customizado, e este entra como uma espécie de box no material jornalístico. No caso do entretenimento, o rigor do conteúdo do programa e do material das marcas é mais flexível, e apresentadores de rádio do grupo, por exemplo, podem se envolver com o material trazido pelo anunciante. A porcentagem do branded content no faturamento da RBS ainda é pouco, mas “tem crescido dois dígitos por ano”. Nada mal para um período identificado pelo mercado como de crise. Hoje, o BC é um produto consolidado no portfólio da RBS e “ajuda a compor planos mais complexos de mídia”.
O mesmo manual de redação

Multiplataforma é uma palavra-chave para definir os novos tempos da mídia — e neste movimento concomitante de sobrevivência e expansão, o BC encontrou seu lugar principalmente entre os grandes players da comunicação. É o caso decorrente da fusão dos jornais O Globo, Extra e Valor com a Editora Globo, todos inclusive em um mesmo CNPJ. Edward Pimenta, desde agosto de 2017, trouxe de sua passagem pela Abril a expertise para organizar e padronizar os esforços já existentes nessas empresas do Grupo, onde assumiu o cargo de diretor do G. Lab, estúdio da Infoglobo.

“Durante muito tempo as marcas falavam com seu consumidor final via anúncios; agora, querem cada vez mais falar via conteúdo, o que é absolutamente legítimo. E quem vai emprestar a voz para isso é o próprio publisher, que fez isso a vida inteira”, conceitua Pimenta. “Temos um número gigantesco de pessoas alcançadas, é uma audiência extremamente qualificada, e nos posiciona como o maior grupo no cenário da mídia brasileira.”
Agregar esse valor do veículo a uma marca custa mais caro que apenas abrir um espaço publicitário? “Eu entendo o BC como o biscoito fino; além do valor de circulação, tem o custo de produção desse conteúdo. O mesmo critério que eu tenho para dar uma notícia eu tenho para dar um branded content. Tem de ser verdadeiro e relevante”.
O BC produziu uma euforia injustificada de que era a panaceia das necessidades do marketing,
sentencia Paulo Lima, da Trip”

“A publicidade tradicional continua tendo seu papel, sempre será importante para construção de marca e conceito. O BC é melhor quando tem que desfazer preconceito, explicar processos ou características de um produto, falar institucionalmente. E isso precisa ser apresentado dentro de um discurso jornalístico, de um contexto. Não pode ser o mesmo tratamento gráfico, tem de ser sutilmente parecido ou sutilmente diferente. O manual de redação é o mesmo.” Segundo Pimenta, um exemplo dessa característica e poder do BC foi um trabalho feito para a Petrobras na fase devastadora pós Operação Lava-Jato. A editora criou uma série de perfis de cientistas brasileiros – alguns deles funcionários da estatal – que foi publicada nas revistas Época, Galileu, Marie Claire e jornal O Globo — cada um com conteúdo exclusivo e único. “O segredo é transformar um assunto árido numa pauta interessante.”

Ampliar o foco do consumidor

Daniela Antunes, diretora de comunicação da GE na América Latina, incorporou o branded content nas atividades de sua área responsável pela comunicação corporativa da companhia. “Começamos em 2012 quando iniciamos ações fortes nas plataformas digitais. Fomos pioneiros na área de B2B no Brasil”, comenta Daniela. Ela passou a se relacionar com blogueiros e influenciadores digitais, ampliando o público-alvo inicial que era apenas de engenheiros e amantes de tecnologia. “Publicidade não faz parte de nosso escopo aqui”, diferencia Daniela.

Como uma ação que mostra a relevância do BC, ela cita o case da campanha de prevenção de câncer de mama, distribuída para diversas mídias. Depoimentos em vídeo e escritos mostravam histórias de mulheres que utilizaram os exames preventivos como forma de evitar problemas futuros. O interesse em mostrar o trabalho da GE na área de saúde ajudou a ampliar o foco do consumidor que via a marca apenas como fabricante de eletrodomésticos e lâmpadas. “O BC traz o cliente para o centro da narrativa”, explica Daniela, “agora somos uma fábrica de conteúdos.”

Na prateleira

A Globosat também vem direcionando o BC para os diversos canais que gerencia, como GNT, Multishow e Telecine/Fox. “Estamos indo além das soluções tradicionais de mídia”, conta Daniela Medeiros, gerente de projetos especiais da Globosat. “Buscamos soluções para nossos clientes e para suas marcas.”

O BC entrou para a prateleira de produtos comerciais da Globosat há seis anos. “O crescimento é muito forte”, comemora, sem detalhar números. O BC tem evoluído no Brasil e quanto mais se produz mais se aprende com ele a fazer coisas melhores, segundo ela. “Algumas marcas têm um DNA forte, com licença poética para fazer experimentações.”

Assim, cada marca tem uma maneira de falar com o cliente e diversos posicionamentos diferentes em diferentes canais. A Globosat está fazendo um trabalho para a Chamyto, focado no público infantil, envolvendo apresentadores da GNT, pauta no programa Saia Justa e muito conteúdo no YouTube feitos por uma produtora própria. “A linguagem do digital é diferente”, detalha Dani: “O que o mercado quer fazer dentro do que não está previsto nas mídias tradicionais — é isso que envolve minha área.

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