
Ler e sonhar. Uma fórmula clássica que, ao ser combinada com uma produção de altíssima qualidade, conquistou crianças, pais e educadores em 60 países. A Storytime se tornou uma das revistas com maior circulação no mundo, predominantemente em inglês, mas também disponível em outros idiomas, como o mandarim. Isso se deve à sua abordagem comercial inovadora no setor editorial, baseada no licenciamento. Tudo isso sem anúncios. Essa estratégia permitiu que a revista alcançasse cinco países e fosse distribuída em mais de 60.
A ideia surgiu com a publicitária Lulu Skantze, que compartilhou sua experiência durante o FIPP Insider São Paulo, um evento internacional de publicadores organizado pela FIPP (Global Magazine Association), com o apoio da ANER. Apesar de ser brasileira e apresentar seu case em português, a Storytime ainda não possui licença no Brasil.
O licenciamento se revelou uma estratégia eficaz para expandir o produto, tornando-se o modelo mais rentável para a empresa de Lulu e seu sócio Leslie, ao lado da venda de assinaturas. Ela reside em Amsterdã por conveniência pessoal, mas realiza frequentes viagens à Inglaterra, onde está a sede da editora. As viagens não são tão necessárias, pois a revista opera efetivamente em um modelo de home office.
Como tudo começou
Lulu compartilha o insight que deu início a tudo. A observação de que, em um aeroporto internacional, crianças compravam revistas infantis, ou melhor, seus pais as adquiriam, “e as jogavam fora sem ler, apenas ficando com os brindes” – uma estratégia que, durante um tempo, fez sucesso no Brasil e no mundo, mas que se revelou um erro para as editoras ao desvalorizar o principal produto: o conteúdo. Segundo Lulu, o problema estava na falta de interesse das crianças por conteúdos de qualidade inferior. “Fiquei indignada”, relata, “mas percebi que o verdadeiro desafio era a carência de conteúdos que realmente atraíssem os pequenos”.
Essa deficiência não se limitava ao mercado infantil, era uma questão presente em todo o setor editorial. Assim, decidiu empreender e reverter essa situação. Skantze utilizou sua experiência anterior com marcas como Disney, Mattel e PlayStation para formular a revista com uma visão voltada para a expansão futura, sempre com foco no licenciamento.
Antes de fundar a Storytime, Lulu trabalhou em publicidade em grandes agências internacionais, como a Grey, na Alemanha. Decidiu fazer um mestrado em Londres, onde buscou oportunidades em agências e editoras de livros, pois sempre teve uma paixão pelo universo das revistas. Uma editora de livros se interessou por seu currículo e a contratou, permitindo que ela atuasse em feiras de livros, onde aprendeu sobre o licenciamento de obras no setor editorial. Após uma década nesse mercado, fundou sua própria editora. Desenvolveu projetos para editoras italianas e conquistou um prêmio com uma revista de culinária. Embora a revista fosse bem-sucedida, não era sua.
“Meu sócio e eu decidimos abrir uma editora e comecei a explorar diversos nichos. Contudo, o mercado na Inglaterra enfrentava dificuldades, com a crise da mídia levando ao fechamento de diversas publicações. Sempre acreditei que parte do problema residia na qualidade dos conteúdos, que não atraíam os leitores”. Assim, pensaram em formar uma nova geração de leitores, focando no público infantil. “Descobrimos que existiam muitas histórias infantis ao redor do mundo, algo que realmente encantava as crianças”.
Enquanto as revistas infantis eram visualmente pouco atraentes e utilizavam papel de baixa qualidade, Lulu optou por criar um produto diferenciado. Em 2014, a Storytime foi lançada, utilizando papel de qualidade superior, pensado para ser lido pelos pais na hora de colocar as crianças para dormir. “Logo descobrimos que professores utilizavam a revista para atividades pedagógicas em sala de aula”.

Inicialmente, a revista foi vendida em bancas, mas pesquisas posteriores revelaram que metade do público comprador era composto por professores, o que se confirmou nas vendas de assinaturas. Até hoje, metade das assinaturas em inglês é realizada por educadores em diversos países, especialmente em escolas bilíngues fora da Inglaterra e dos EUA. Essa estratégia foi crucial para a sobrevivência da editora durante a pandemia, quando as bancas de jornais estavam fechadas. A pandemia, na verdade, se tornou um período de crescimento.
“Oferecemos assinaturas com entrega em casa ou na escola, em uma campanha que alcançou 27 mil escolas primárias na Inglaterra. Crescemos 35% em assinaturas e, em alguns momentos, dobramos nossa tiragem, com a revista sendo enviada para as casas de professores e alunos. Os pedidos não paravam. A revista ajudou os alunos em suas atividades home office durante a pandemia”. Durante esse período, Lulu começou a gravar áudios com as histórias e a produzir podcasts. Em seguida, foi lançado um portal com produtos digitais, que hoje se integra a diversos aplicativos. O Storytime Hub funciona como uma plataforma EdTech com histórias em áudio, enquanto os aplicativos permitem o consumo de conteúdo sem mídia impressa. Além disso, o licenciamento para terceiros abrange cadernos, jogos de tabuleiro e programas educativos variados.
Assinaturas e licenciamento
As assinaturas vêm de diversos países, facilitando o projeto de licenciamento, que começou na Indonésia, Singapura, Austrália e outros locais, sendo a Índia o mais novo cliente. O licenciamento inclui a versão original, que pode ser traduzida para o idioma local, além de incluir histórias originais do país. As edições variam de 62 a 52 páginas. A Indonésia decidiu lançar uma edição anual no formato de livro. Em Singapura, a edição acompanha um glossário de palavras em inglês. Na China, toda a edição é em mandarim. Somente na Inglaterra, são 25 mil assinantes, além de 10 mil exemplares distribuídos gratuitamente em escolas públicas, em parceria com prefeituras. Nesse país, ainda existem vendas em bancas, embora em número reduzido.
Na China, a revista chegou há dois anos, com 50 mil exemplares. Na Ásia, são 15 mil, distribuídos em três países. As assinaturas incluem uma operação BtoB, com a venda de pacotes de revistas para escolas. “Às vezes, as escolas ou bibliotecas adquirem o produto por meio de portais educacionais, que revendem nossas revistas”, explica. O licenciamento é a operação que mais cresce na editora de Lulu, com números atuais de 60% para assinaturas e 40% para licenciamento. No entanto, a tendência é que o licenciamento supere essa proporção em breve, pois se trata do modelo mais lucrativo, com custos operacionais baixos. Muitos aplicativos infantis compram o conteúdo de áudio para suas plataformas ao redor do mundo.
Os clientes são variados. Na Romênia, um site licenciou todo o conteúdo da Storytime. Uma empresa da África do Sul compra cinco histórias por mês. A revista não possui publicidade. A Ásia foi a primeira região a adquirir o licenciamento. Na América do Sul, a revista chega por meio do licenciamento de uma empresa que distribui o material em escolas em inglês. Contudo, existe um projeto para lançar versões em espanhol e português.
A empresária menciona que teve algumas reuniões recentes no Brasil, mas nada foi concretizado até o momento. “Tive duas conversas no Brasil, com uma empresa que produz áudios infantis e outras que criam livros para o MEC, além de um grande jornal”. Sua editora planeja lançar outros títulos. “Queremos retornar ao mercado de trabalhos manuais, como artesanato, tricô e crochê, pois esse segmento de hobbies está em crescimento. Atualmente, colaboramos com uma revista finlandesa de costura sustentável, onde estamos no conselho editorial e gostamos dessa área”.
Estrutura enxuta
Toda a operação é realizada por uma equipe enxuta na Inglaterra, composta de seis membros permanente na equipe – três editorias e mais três em vendas e marketing. A parte de serviço de consumidor, financeiro, e distribuição é toda terceirizada – além de um CFO e conselheiro executivo. “Procuramos trazer criativos do mundo todo a cada edição! Todo mês são oito novos ilustradores de diversas partes do mundo, incluindo Europa, Ásia e até Cuba e Jamaica recentemente! Ilustrar para a Storytime funciona como um rito de passagem, pois a revista é uma forma de projetar esses artistas e descobrir novos talentos”. O lado brasileiro não foi esquecido. Entre as histórias publicadas, algumas são inspiradas no folclore nacional, como o Curupira e Iemanjá. Tudo em inglês. “Uma escola na Inglaterra solicitou histórias da Amazônia, e encontramos excelente material que eu não conhecia para publicação.”