
O uso de dados e a Inteligência Artificial (IA) já estão modificando operações jornalísticas, sobretudo jornais (online e impressos), do país. Para discutir esse tema a Associação Nacional de Jornais (ANJ) reuniu diversos especialistas durante o 3º DATA DAY, em São Paulo. “Foi uma grande oportunidade para se conhecer exemplos de como usar dados e IA de forma eficaz nas áreas de mercado, usuários e editorial, entre outras”, diz Marcelo Rech, presidente executivo da ANJ. Não apenas IA, mas formas criativas de atrair publicidade também foram apresentadas por diversos veículos.
IA na frente
O jornalista Pedro Doria, especialista em digital da imprensa brasileira, defendeu a Inteligência Artificial Generativa (IAGen) qualificando-a como uma parceira do trabalho jornalístico. ” Inventamos uma tecnologia com capacidade de criar, essa terceira geração emula a capacidade humana de criar” disse enfático, recomendando que, os jornalistas devem fazer uso da IAGen de forma exaustiva, a partir do diálogo, como se a tecnologia fosse um parceiro intelectual maravilhoso. Com moderação humana sempre, ressalta.

Por outro lado, a as LLMs, ou Modelos de Linguagem Grandes (Large Language Models), “são calculadoras probabilísticas, com textos em sua base que levaríamos 10 mil anos para ler, mas é a calculadora mais fantástica já criada pela humanidade… porém, não têm o poder cognitivo do mundo real, não têm capacidade de diferenciar o que é verdade e o que é mentira, o que fomenta a desinformação. Elas já são usadas hoje para diversas tarefas, como tradução, resumo de texto, geração de conteúdo e chatbots”.
Para Doria, 2025 é o ano três da revolução da IA. “Ela está prestes a mudar por completo a maneira como trabalhamos. Haverá impacto nos empregos, economia nas empresas. Haverá impacto nas nossas vidas e como nos planejamos. E será um jogo que ganha quem se adapta mais rápido”.

Uma aplicação prática do uso da tecnologia em assunto envolvendo estatística foi o Agregador de Pesquisas 2024, do Jornal O POVO (CE) utilizado para apuração das últimas eleições. Segundo Wanderson Trindade, coordenador de Dados da Central de Dados do OP+, “durante o período eleitoral do ano passado, houve uma dificuldade generalizada por parte dos participantes em acompanhar, entender e comparar as diferentes pesquisas de denúncia de voto divulgadas por diversos institutos. Faltava uma fonte unificada, transparente e confiável que permitisse ao cidadão visualizar de forma clara as tendências eleitorais nas principais cidades brasileiras – especialmente em Fortaleza, onde a disputa se mostrava dinâmica e acirrada”, explicou.
Para resolver o problema, O POVO+ desenvolveu uma ferramenta que coleta, padroniza, analisa e apresenta os dados de pesquisas eleitorais de maneira visual e acessível. “O sistema aplica uma metodologia estatística rigorosa com médias ponderadas e médias móveis, levando em conta o histórico e a revisão dos institutos de pesquisa. Além disso, garante a transparência ao disponibilizar os dados e os códigos utilizados para análise de forma aberta ao público”.
O Agregador de Pesquisas 2024 se mostrou uma ferramenta essencial para o acompanhamento da corrida eleitoral em Fortaleza e em outras cidades estratégicas do país. A plataforma permitiu que eleitores, jornalistas, cientistas políticos e campanhas pudessem, com clareza e confiabilidade, identificar tendências eleitorais com antecedência.
Camila Marques, da Folha de S.Paulo, destacou a necessidade obsessiva dos jornalistas pela verdade do fato o que existe uma checagem rigorosa. E nesse ponto a IA pode otimizar o fazer jornalístico. “Há muitas ferramentas disponíveis. Hoje é inadmissível um profissional prescindir disso”.
Em busca das marcas

As marcas querem novas alternativas mais eficientes para falar com seus públicos, pois a proliferação cada vez maior de meios digitais ampliam os canais e dispersam as atenções. Um tema que chame a atenção de uma comunidade pode ser um mote para atrair anunciantes que se identifiquem com o assunto tratado. Renan Moraes Chaves conta que o Roma News (PA) viu, em 2023, que a realização da COP30 em Belém do Pará, neste ano, foi uma oportunidade para melhorar a prestação de serviço do veículo para a comunidade paraense e ao mesmo tempo atrair anunciantes alinhados a causa da sustentabilidade ambiental dentro da realidade da população da Amazônia.
“Ao criarmos a editoria de sustentabilidade, abrimos um caminho”, conta Chaves. “Agregamos a lógica de várias plataformas, incluindo rádio, nos reorganizamos, implantamos ativação interna de todo o conteúdo e demos ênfase à parceria com nossos patrocinadores”. Isso porque “os projetos são a nossa receita principal”, admitiu.

Um outro caminho foi apresentado por Erick Bretas, do Estadão Blue Estúdio, que faz projetos branded content, relatando o uso de influenciadores digitais na produção de publicidade de clientes ligados ao agronegócio. Segundo ele, a experiência tem certa ligação com as oportunidades que a COP30 representa.
No segmento do agronegócio, segundo Bretas, uma nova geração de produtores, na faixa dos 20 a 30 anos, busca informações junto a influenciadores, muitos deles de alta qualidade, para efetuar compras de equipamentos de milhões de reais. “É perfeitamente possível mantermos projetos transversais, que começaram no veículo proprietário e vão até o YouTube ou TikTok”, enfatizou.
Relacionando publicidade com IA, Larissa Magrisso, da Lúcidas, disse que as grandes marcas têm preocupação com anúncios responsáveis e formatos criativos, e isso vale para o uso de IA, exigindo uma enorme responsabilidade das agências com a produção, criação e em como contar a história das pessoas. Para ela, isso tem aproximado a prática publicitária ao jornalismo e seus princípios éticos e de compromisso com a verdade. “Líderes em publicitários devem observar o manual de ética e compreender, como diz o recente relatório da Edelman, que a confiança é algo decisivo para os usuários, além da conexão humana e as causas das pessoas, suas famílias, casas, trabalhos e como a audiência quer ser ajudada a ver o mundo de forma mais otimista, e isso tem muito a ver com o jornalismo”, afirmou.
IAGen a serviço dos usuários
E o que as big techs podem acrescentar ao trabalho jornalístico? Fabiana Zanni, do Google, disse que a gigante digital atua há 20 anos em parceria com a indústria jornalística em muitas frentes dentro do mercado de comunicação. Segundo ela, estamos diante de uma tecnologia altamente transformadora, a IAGen, que está associada à nova geração, projetada por muitas mudanças de comportamento.

“Temos a certeza de que é necessário inovar muito e trazer para nós a responsabilidade de prestar o melhor serviço aos usuários, clientes, consumidores, e nós e a indústria de notícias temos objetivos em comum, incluindo garantir bom conteúdo para os públicos”, afirmou. Ao mesmo tempo, segundo ela, o Google entende que é o seu dever oferecer uma busca personalizada: “Na verdade, oferecer o futuro de uma jornada a partir de um ponto de partida em um processo que vem depois”.
A executiva voltou a destacar que ferramentas do Google, como Gemini, Pinpoint e NotebookLM, que usam IA, podem ser muito úteis para otimizar trabalhos rotineiros das redações, bem como análises mais exaustivas, muito comuns nas reportagens investigativas e com base em dados, facilitando o cruzamento de informações, por exemplo.
Fabiana disse ainda que a gigante digital está atenta à segurança e transparência dos conteúdos gerados por IA, mantendo iniciativas de marca d’água invisível. Segundo ela, a medida contribui no combate à desinformação online.
O Globo engaja assinantes

Paula Cunha Moreira, coordenadora de Marketing do jornal O Globo, e Ricardo Mendes, head de Growth e Marketing do diário de circulação nacional, mostraram o poder inovador das ações do ‘Meet & Greet’ associado ao ‘Clube O Globo’, somado a uma série de novidades do aplicativo dessa iniciativa associativa junto aos assinantes. Na prática, a ação promove uma participação interativa e emocional de assinantes premium em eventos organizados pelo jornal.
O executivo disse que o novo aplicativo do Clube Globo fez grande diferença, ao oferecer serviços mais direcionados aos assinantes. O perfil no Instagram também foi importante, disse. As ações do clube, continuou Mendes, estão ligadas à retenção do assinante, sobretudo aquele que paga assinaturas mais caras, como que incluem a versão imprensa. “Temos de pegar este cliente no colo. O KPI principal é a retenção, taxa de atrito e de churning”.
Segundo Sérgio Maria, da 42engine, não adianta aplicar tecnologia como IAGen sem que os processos não sejam bem feitos, como é o caso de O Globo. ‘O processo tem de estar preparado para a tecnologia, pois do contrário há muita frustração, tal como o rabo sacudindo o cachorro, e isso não é bom para o negócio”, disse. Os processos, continuou, são fundamentais para criar as relações emocionais, como fez o jornal fluminense, e a tecnologia deve ser a última etapa da cadeia.
Para ele, entretanto, os chamados super apps, como anunciam os bancos, são uma ferramenta bastante atraente e pode coletar mais informações do usuário, o que ajuda a melhorar os serviços, pensando em uma conexão cotidiana. Para ele, isso pode ajudar até a conquista das novas gerações, que evitam as notícias, a partir da comercialização de outros serviços. “A IA deve surpreender, e surpresa ninguém esquece”.
Ainda sobre engajamento, Elaine Silva, gerente-executiva de Produto Digital da Rede Gazeta (ES), e Geraldo Nascimento, editor-chefe do jornal A Gazeta (ES), apresentaram o projeto ‘2028 – Engajamento é a nossa Estrela do Norte’, do grupo capixaba, que envolve investimento no aprimoramento de suas estratégias de audiência online, com olhar no centenário da marca em 2028 e foco no engajamento.

Segundo Elaine, desde 2020 o jornal é totalmente digital, mas vinha sem uma área específica dedicada aos produtos. Com o projeto, esse setor não apenas foi criado, mas também passou a manter a conexão diária com a redação, o que se mostrou o grande diferencial da estratégia. A jornalista conta que o jornal tem um leitor público de 2 milhões de pessoas em um Estado com população de 4 milhões. Assim, o foco principal de A Gazeta é atender o povo capixaba. “Precisamos que as pessoas nos leiam para que tenhamos engajamento”, afirmou. Segundo Elaine, com a gestão de produto, há uma equipe multidisciplinar dentro da redação, e as melhores práticas elevaram o índice de recirculação em 15%, por exemplo.
Flávio Moreira, do Infomoney, destacou que o case de A Gazeta do Espírito Santo reforça que o jornalismo local cumpre o papel de conteúdo de autoridade, e não a métrica de vaidade, a partir de vários critérios, como confiança e competência, respeitando e conhecendo os hábitos locais, o que, na prática, resulta em monetização. Em relação aos veículos nacionais, Moreira disse que a estratégia também passa pela diversificação de modelos de negócios, mas é difícil falar de um usuário único, sendo importante observar as diferenças e nichos.

O consultor Lucio Mesquita, do Innovation Media Consulting Group, encerrou os debates dizendo que “as sociedades estão cada vez mais digitais, isso vai se acirrar ainda mais e a inteligência artificial generativa (IAGen) está evoluindo de forma radical a indústria jornalística, com avanços e profundos desafios, mas a esperança das empresas de mídia e dos profissionais de comunicação reside em regras tradicionais que são a alma de uma profissão que reside mas alma da democracia: o jornalismo é sobre a verdade ou não é nada; a verdade precisa de editores, a mentira não; e, finalmente, a próxima grande onda do jornalismo é o jornalismo. A elas, se soma agora outro fato importante: o jornalismo é o que está entre as sociedades e as big techs“.
Segundo ele, diante da transformação social e das configurações de trabalho impostas pelo IAGen, é fundamental investir na mídia humanizada. “Podemos usar a IAGen, mas não podemos ser derrotados por ela. As pessoas devem ser o princípio fundamental na integração da tecnologia com o jornalismo, que deve resultar em menos rotinas e mais reportagens”, disse. Prosseguiu ainda afirmando que as redações devem passar por mudanças profundas, necessariamente com o pessoal de gestão de produtos trabalhando lado a lado com os jornalistas.
Ao mesmo tempo, é preciso criar regras que impeçam o uso de conteúdos noticiosos pelas startups de IA sem a devida remuneração, bloqueando quando necessário e, claro, negociando licenciamentos. “Não podemos repetir os dois erros mais graves que cometemos: liberar nossos conteúdos gratuitamente na internet, quando nosso negócio impresso sempre foi calculado na venda de jornais e revistas; e depois dar de graça nosso conteúdo às redes sociais. Nunca terceirize seus produtos. Retenção vale mais do que penetração, e lembre-se de que o usuário leal vale mais do que milhões de views”, recomendou.