Há ética na comunicação ou somos parte do erro?

A pressão por resultados rápidos, como números de visualizações, curtidas e compartilhamentos, leva muitas empresas e profissionais a optarem pela produção de conteúdo raso e apelativo, que não exige reflexão ou uma abordagem crítica

Por Cláudio Ribeiro Jr.

Escrevo hoje para tentar aplacar algo que há muito me incomoda. Como ser humano mediano, acostumado a atuar na superficialidade das coisas e raramente me aprofundar nos assuntos, sempre evitei expor essa insatisfação – tanto como profissional quanto no mercado em que atuo: o da comunicação. Confesso que,
durante minha graduação, tive contato com pensadores que abordavam a ética profissional, mas, por incapacidade pessoal, não fui além de decorar algumas falas clichês e ler artigos apenas para garantir uma boa pontuação nas avaliações.

Hoje percebo minha responsabilidade no atual cenário da comunicação empresarial, especialmente com o avanço da tecnologia. Essa percepção não é fruto de prepotência, mas de uma frustração tardia por não ter me aprofundado nesses temas na época adequada. Mas essa responsabilidade também é sua! Seja pelo silêncio,
seja pela submissão a imposições e assédios que conflitam com uma conduta moral ou ética. Justificamos nossas ações pela dependência financeira, pela busca incessante da felicidade associada ao consumo e pelo medo de enfrentar as consequências de agir com integridade. E, para encontrar desculpas, somos especialistas – seja para os outros, seja para nós mesmos.

Atuo na área de comunicação há mais de 20 anos. Sou filho de comunicador e tenho muitos familiares que também seguiram esse caminho. Talvez venha dessa “incubação” minha inquietação. “O homem é bom por natureza, mas a sociedade o corrompe.” A frase, atribuída a Jean-Jacques Rousseau, reflete bem nossa realidade. Mas Dostoiévski nos leva a um ponto ainda mais profundo: e se o mal já estivesse dentro de nós? Em Crime e Castigo, Raskólnikov justifica seu crime com uma lógica moral perversa, onde os fins justificam os meios. Mas, consumado o ato, ele mergulha em culpa e desespero.

Quantos de nós não nos encontramos nesse dilema diariamente? Pequenas concessões éticas, justificações para escolhas erradas e acomodação frente ao que sabemos ser injusto. Assim, dia após dia, nos tornamos parte do erro.

Modelo ético

Nos anos 2000, ao empreender no setor de RP, eu acreditava em um modelo de negócio acessível, pautado na qualidade e nos resultados. Defini valores justos, baseados em um estudo real de mercado. Com o tempo, ao tentar reajustar esses valores de forma coerente, percebi que os clientes não estavam dispostos a pagar
mais, independentemente da entrega e dos resultados.

Foi nesse momento que minha vaidade foi testada. Como convencer clientes a enxergarem valor onde só viam custo? Acreditei que a informação os faria entender, mas me enganei. Alguns permaneceram por laços de amizade, outros ameaçaram trocar de fornecedor, alegando dificuldades financeiras ou oscilações do mercado.
A lógica capitalista é implacável, como bem demonstrado em Os Irmãos Karamázov, quando um dos personagens argumenta que, em um mundo sem Deus, tudo é permitido. O pragmatismo empresarial segue essa linha. Se não há um código moral maior que o lucro, qualquer ato pode ser justificado. Isso me fez perceber que apenas ofertar qualidade não basta; é preciso educar o mercado e, acima de tudo, entender que ele também reflete nossas concessões e omissões.

Em O Idiota, somos apresentados ao príncipe Míchkin, um homem de bondade ingênua que acredita na redenção humana, mas que é destruído pela própria pureza em um mundo cínico. Assim como ele, não podemos ser ingênuos ao lidar com um mercado que se move por regras próprias. No entanto, a solução também não pode ser a rendição total aos interesses financeiros.

Se sabemos que o mercado se molda conforme nossas ações, o que podemos fazer para evitar que a ética continue sendo apenas um conceito decorado nos tempos de faculdade? Como podemos atuar para que o dilema entre qualidade e preço não seja apenas um embate entre a sobrevivência empresarial e a indiferença do consumidor?

Essas são perguntas que precisamos enfrentar, pois, ao final, não há como fugir da culpa se nós mesmos somos parte do erro. A produção de conteúdo sob encomenda tem transformado não apenas o mercado de trabalho, mas também a própria qualidade da informação que circula entre nós. A demanda crescente por releases e matérias produzidas sob pressão das corporações e governos gera um cenário de grande superficialidade. Se antes o jornalismo tinha como premissa o compromisso com a verdade e a pluralidade de visões, hoje esse
conceito parece estar cada vez mais distante.

As assessorias de imprensa, embora essenciais para as estratégias de comunicação das organizações, não são isentas de responsabilidade nesse processo. O mercado de trabalho, que se molda cada vez mais em torno de interesses corporativos e políticos, não só altera a forma como os jornalistas trabalham, mas também a ética por
trás da produção de conteúdo. O que vemos é a transformação da informação em mercadoria, onde a busca por cliques, visualizações e engajamento frequentemente sobrepõe a busca por conteúdo relevante e fundamentado.
A pressão por resultados rápidos, como números de visualizações, curtidas e compartilhamentos, leva muitas empresas e profissionais a optarem pela produção de conteúdo raso e apelativo, que não exige reflexão ou uma abordagem crítica. E é aí que mora o perigo: ao transformar a informação em uma simples ferramenta de
marketing, estamos permitindo que a verdadeira função da comunicação – a de informar de forma precisa e ética – seja distorcida.

No entanto, o problema não se restringe às assessorias de imprensa e aos profissionais que nelas atuam. Ele também atinge o próprio consumidor de conteúdo, que, muitas vezes, não sabe distinguir entre o que é informação verdadeira e o que é simplesmente propaganda disfarçada. A falta de transparência sobre a origem das informações e o monopólio da narrativa por uma única perspectiva prejudicam a formação de opinião e limitam o debate público.

É por isso que precisamos repensar o papel das assessorias de imprensa e de todos os envolvidos na produção de conteúdo. Não podemos mais permitir que o jornalismo se restrinja a uma mera reprodução do que as empresas e governos desejam comunicar. O jornalismo precisa recuperar seu compromisso com a verdade e com a pluralidade de opiniões. Precisamos, como sociedade, cobrar mais de quem produz conteúdo e de quem consome.

Cláudio Ribeiro Jr. é coordenador nacional de Comunicação na TV Evangelizar

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