Educação midiática contra a desinformação

Tarefa é árdua e constante porque a indústria da mentira não para de produzir conteúdo falso para atender ao gado negacionista que atua contra a democracia

A educação midiática e as fake news foram dois assuntos atuais no 6º Fórum de Jornalismo Especializado, Regional e Comunitário, que aconteceu on-line, em maio, promovido pelo Cecom – Centro de Estudos da Comunicação e Plataforma Negócios da Comunicação. Esses temas estiveram nos painéis: “Para ir além do básico – O jornalismo como ferramenta da educação midiática”, com três nomes que lidam com isso nos seus dia a dia: Alexandre Le Voci Sayad, diretor executivo da ZeitGeist, jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP;  Anderson Santana, co-fundador da Iniciativa Nordeste Rural Conectado, e mestre em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal do Tocantins; e Daniela Machado, coordenadora do EducaMídia / Instituto Palavra Aberta, jornalista, com mais de 20 anos de experiência em diversas redações. E também: ““Candidatos à desinformação – O desafio das eleições municipais frente aos desertos de notícias”, cuja complexidade do tema exigiu a presença excepcional de quatro speakers:  Daniel Bramatti, editor do Estadão Verifica; Franscisco Belda, diretor de Operações do Projor; Roseli Fígaro, professora titular na Escola de Comunicações e Artes da USP; e Mateus Netzel, diretor executivo do Poder360.

Anderson Santana

No primeiro painel, Santana falou das pessoas não alfabetizadas para a mídia, que devem ser ensinadas ou reensinadas a lidar com esse universo num contexto de muita desinformação. E, por outro lado, veículos de mídias tem feito um esforço para que se compreenda, por parte do público, o que e como se faz no jornalismo, a diferença entre reportagem e opinião, e também a adaptação para uma linguagem mais simples.  Ele cita como exemplo a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, e como as fake news fizeram parte da tragédia, disseminando desinformação e atrapalhando a ajuda às vítimas e o trabalho de reconstrução do Estado.  Sem esquecer o período de pandemia, também cercado de desinformação. E agora vem as eleições, e as fake news já estão a todo o vapor. “É importante as pessoas terem uma leitura crítica da mídia, e quando falo mídia, incluo todos os meios digitais, as plataformas digitais e as redes sociais”. O trabalho de Santana inclui o combate à desinformação na Paraíba e comunidades rurais. Pesquisamos 100 moradores que tinham acesso à internet, mas também como faltava visão crítica ao lidar com essa tecnologia. Não ter o letramento digital.

Alexandre Sayad

Sayad desmistificou algumas narrativas. “Não está todo mundo conectado não.  Fora dos grandes centros urbanos ainda tem rádios de ondas curtas e a TV aberta chega primeiro que a banda-larga”. Essa é a realidade da maior parte do Brasil, fora dos grandes centros. Isso não significa que essas pessoas estejam ou não desconectadas das redes sociais, mas que é mais difícil atingi-las nos esforços de comunicação profissional. Outro aspecto apontado por Sayad, é o excesso de informação disponível para o público, o que exige uma nova atuação do jornalista, pois ele não é mais o detentor da notícia, do ponto de vista de sua divulgação. “Não dá para lamentar isso nem voltar atrás”, ressalta Sayad. “Devemos pensar novos modelos de negócios para o jornalismo, precisamos nos adaptar a essas mudanças”. E mais, “precisamos da liberdade de imprensa como base da educação midiática”. Alguns países africanos, por exemplo, conseguiram a liberdade de imprensa via educação midiática. É uma porta de acesso para uma imprensa mais democrática e livre. Outro exemplo é Belarus (ex-Bielorússia), onde a educação midiática resiste na contra-informação governamental que é totalmente deturpada por interesses do poder e fortalece uma mídia paralela que luta pela liberdade de imprensa. O que acontece em outros países, em maior ou menor grau, é a baixa qualidade de acesso a informação; acesso limitado; agenda política emaranhada com a propriedade dos veículos de comunicação; podcast público independente que luta para sobreviver. E conclui analisando que  as mediações nesse universo digital é feito por inteligência artificial. A internet e hoje basicamente IA. Mais de 40% da interações nas redes sociais são feitas por bots.

Daniela Machado

Daniela conceituou que o letramento para o consumo de notícias é o objetivo da educação midiática. Mas, mesmo nos grandes centros, “não existe necessariamente entendimento do consumo de notícias. Então a sobrevivência do jornalismo será mostrar a diferença do trabalho dos jornalistas e de quem opina e os que multiplicam fantasias das redes sociais”. Ela lembrou o entendimento da Unesco que diz que “não haverá jornalismo de qualidade sem participação, também de qualidade, dos cidadãos no debate público. E para alcançar isso habilidades midiáticas e informacionais precisam ser enfatizadas e disseminas equitativamente entre todos os cidadãos”. Ou seja na opinião dela, !temos que participar na construção do desenvolvimento dessas habilidades de educação  midiática e não apenas imaginar que toda população, principalmente os mais jovens, serão naturalmente público e audiência para o nosso trabalho!

 

Origens da desinformação

Roseli Figaro

Em outro painel, falou-se especificamente de desinformação. Quem produz, quem distribui e quem paga. E quem ganha com isso, principalmente em períodos eleitorais. A professora Roseli Figaro, da USP, esquentou o debate ressaltando que o controle econômico e desenvolvimento tecnológico se dá por grandes empresas e conglomerados de mídia que são o Google e o Alphabet, que controlam 80% dos recursos de publicidade no Brasil… “o dinheiro passa por ali e o poder e o jornalismo também”. E esse controle passa por cima de nossas leis, criticou. “Como vamos poder manter a qualidade das informações se as decisões não estão aqui em nosso país?”. O problema da fake news ou da desinformação, opina a professora, não é do clube de esquina ou da população que não sabe discernir os fatos, o que é certo ou errado. Outra questão, a legislação local não é respeitada por essas empresas, o que fazer… temos atacado em políticas públicas que é a educação midiática, que não é algo novo, tenho falado nisso há 30 anos . E fugimos da regulamentação porque o lobby dessas empresas são muito fortes, e atuam no jornalismo – no financiamento e treinamento dos jornalistas, e no financiamento. E culpa-se o jornalismo por uma melhor apuração, joga o problema no colo das vítimas – cidadão e jornalista – com essa tal de educação midiática. E não se ataca o problema onde está. Por isso o cidadão tem que saber e quem votar.

Mateus Netzel

Netzel do Poder 360,  complementou com outro problema,  que é o jornalismo, no contexto de eleições, municipais, pois existem grandes dificuldades técnicas e operacionais para pulverizar sua cobertura e gerar informação de qualidade sobre os candidatos locais e suas cidades. Custa muito dinheiro. Então se apura pouco. O esforço de cobertura politica municipal é muito limitado. Tem o consórcio de imprensa, om mais de 40 veículos, o que ajuda. Mas não teremos solução simples nem rapido, pelo menos para essa eleição municipal em mais de 500 municipios no Brasil. Não quer dizer usar isso como muleta para não fazer nada.

 

 

Daniel Bramatti

Apesar isso, Daniel Bramatti, do Estadão, destacou que “nós jornalistas estamos numa posição privilegiada para mostrar com mais transparência como trabalhamos com informação, diferente de uma pessoa que filma um resgate no Rio Grande do Sul e deturpa tudo o que está acontecendo”. E que o jornalismo “está sendo chamado para um problema que ele não criou, que são problemas gerados pelo modelo de negócios das  big techs. O algoritmo que privilegia o conteúdo que gera engajamento”. Como efeito colateral, se dá mais visibilidade ao conteúdo que toca mais na emoção das pessoas – indignação, raiva, e nada melhor do que fazer para isso um conteúdo exagerado. Os algoritmos impedem qualquer discussão racional sobre qualquer tema.  Mesmo passando pelo filtro do método jornalísico, ainda assim passa informação incorreta, mal apurada, enviesada. Temos que fazer muita alto critica.  Além disso, Bramatti lembra dos desertos de notícias, locais onde essas narrativas enviesadas sequer vão passar. E ainda, quando existe imprensa nesses locais, quanto menor a cidade, maior o grau de influência do político mais influente do local sobre ela. E hoje as redações estão mais enxutas, com menos mão de obra. E a democracia sob ataque, grupos que desejam destruir o estado de direito e a credibiliadde do jornalismo, porque o jornalismo é um obstáculo para esses grupos. Então, temos poucas pessoas para nos defender e o nosso modelo de negócio está naufragando. É um cenário complicado.

O evento, pela carga horária e volume de painéis, com conteúdo relevante e de qualidade, e speakers especializados, deixou um legado de informação e reflexão para todos os jornalistas e deve contribuir para aprimorar o trabalho de todas as mídias e avançar na solução dos problemas apresentados..

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