Os negócios das empresas jornalísticas enfrentam um grande impacto das mudanças tecnológica e comportamentais. A concorrência da internet e das mídias sociais não são desculpas para crises econômicas no setor, pois muitas organizações navegam nessa onda com sucesso, Para discutir esse assunto, renomados especialistas estiveram no 6º Fórum de Jornalismo Especializado, Regional e Comunitário, que aconteceu on-line, em maio, promovido pelo Cecom – Centro de Estudos da Comunicação e Plataforma Negócios da Comunicação.
O tema, a rentabilidade das empresas e as novas tecnologias foi discutido em dois painéis: “Equipe no singular – O declínio dos grandes veículos é reversível?”, com Eugênio Bucci, professor Titular da USP, com larga experiência como diretor de redação de grandes veículos; Eurico Matos, professor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV; e Jorge Tarquini, sócio-diretor da Scribas Produção de Conteúdo, professor e ex-editor na Abril. E também no painel “O inimigo agora é outro – IA é aliada para processamento de dados e tendências”, que teve a participação de Eduardo Tessler, sócio-diretor da Mídia Mundo; Lucas Maia, diretor de Tecnologia da Agência Tatu; Rafael Queiroz Silveira, head de Novos Negócios Jornal O Povo e diretor de Operações da Casa Azul Ventures.
Tentando responder a questão da rentabilidade dos grandes veículos de comunicação, Matos revelou uma pesquisa de 2023 feita pela Escola de Mídia e Comunicação da FGV, que mediu o consumo de mídia digital. A pesquisa perguntou ao público-alvo que tipo de conteúdo cada respondente compartilha mais nas redes sociais, e 52% disseram que compartilham notícias; “Então não está caindo o interesse por notícias”, ele ponderou, considerando que “a definição do que seja notícia também deve ser considerado [o público da extrema direita considera notícia seu conteúdo manipulado e falso, por exemplo]”. O segundo conteúdo mais compartilhados são os memes de internet (25%). E o que leva essas pessoas a compartilhar conteúdo das redes sociais? O primeiro motivo, 37%, é para expressar sua opinião política. Outro grupo, 28%, disse que é para chamar atenção das pessoas para os temas que consideram importante. Utilizam esses compartilhamento para também se tornarem produtores e distribuidores de notícias. E 14% compartilha para divulgar acontecimentos políticos locais.
Bucci também comentou sobre uma outra pesquisa, a respeito de desinformação, produzida pela TV Cultura. Quase todos os entrevistados (90%0) eram contra as fake news. Só que metade desse número acha que fake news é a Folha de S. Paulo, a Globo, o Jornal Nacional, e o Estadão. E pouco mais da metade acha que as grandes redações são as difusoras de fake news. “Como o Trump, ex-presidente norteamericano, que dizia que o New York Times é um produtor de fake news”. ironizou Bucci. E outra parte, ainda segundo essa pesquisa, acha, acertadamente, que fake news são essas notícias falsas, conteúdo sem origem, sem autor, sem endereço, que espalham barbaridades como não existir o aquecimento global, o homem não ter nunca pisado na Lua, que o Barak Obama não é norte-americano, que a vacina chinesa tem chip. “Esses produtores de fake news são pessoas que espalham calúnia, confusão. Mas a sociedade não sabe diferenciar informação de propaganda. Somos uma sociedade que perdeu a noção do que diferencia juízo de valor e juízo de fato. Isso é parte do desastre da democracia no momento”, critica o jornalista.
Eugênio Bucci
E alertou que “a forma de produção jornalística mudou”, e com essas mudanças surgiram problemas, como por exemplo, uma informação que seja acessível e não seja privilégio de um grupo, de poderosos. E para isso dependemos da instituição imprensa Por exemplo, explica Bucci, “a informação não deve vir do poder, este deve ser ouvido, entrevistado fiscalizado e checado. Não pode ser a fonte do próprio poder. Para termos uma sociedade democrática, devemos ter uma instituição para além do poder, que faça uma mediação do debate público, que investigue com liberdade. E isso terá que ser reinventada”.
Como por exemplo, o poderio das big techs, que estão interferindo na opinião pública. O que protegerá a sociedade contra isso? Tem a ver com a regulação, insiste Bucci. Todas as democracias regularam a atividade de imprensa, a profissão. Outro plano é de mercado, como os veículos irão se sustentar, pois ter uma redação é cara.
Tarquini avaliou que o mundo da internet, numa visão positiva, favoreceu o surgimento de pequenos negócios de jornalismo, empreendedor e coletivo. “Não se imagina mais hoje criar um veículo de imprensa pensando em se tornar um grande veículo, uma Rede Globo, Abril ou Folha, que tiveram grande influência no século XX. A questão agora, é saber como se tornar um ator de comunicação e no universo mediático nesse contexto. Para os pequenos e os grandes veículos a questão também, atualmente, é encontrar formas de sobreviver e de se viabilizar. Os grandes grupos de mídias hoje são como grandes buracos negros que absorvem tudo o que está ao redor deles, como a Amazon, Disney, Google, Facebook”.
“Os grandes veículos que não entenderam esse jogo estarão fora do mercado em breve, e os novos empreendedores que estão avançando”. Concordando com Bucci, ele sugeriu que todos nós deveríamos nos reinventar, buscando novas formas de sobreviver e se financiar. Tarquini cita alguns exemplos importantes, como o Estadão, que passou a produzir conteúdo para terceiros, que é uma maneira de financiar o seu jornalismo com conteúdo branded, patrocinado, caso impensável há 20 anos.
Inteligência Artificial
Lucas Maia
Maia lembrou que a Tatu foi o segundo veículo no País a criar uma política de uso da Inteligência Artificial, informando os leitores disso. Ele ressaltou que IA existe desde os anos 80 e era classificadas como preditiva, ou seja, prever o que vem adiante. Generativas produzem conteúdo próprio através de alimentação, que, prioritariamente foram produzidos por homens brancos e em inglês. “Se você pedir para um ChatGPT fazer um texto jornalístico sobre um acidente de carro que aconteceu numa cidade do interior do Brasil ontem, ele vai trazer um texto cheio de dados errados, mas escrito de forma impecavelmente jornalística. Outro ponto é saber alimentar os dados utilizados pelos ChatGPT. Por isso essa empresa de inteligência artificial está comprando diversos conteúdo ao redor do mundo e também fazendo acordo com publicações jornalísticas, para acesso ao banco de conteúdo.
Por isso, Maia diz que o jornalista deve ser o responsável final pela notícia produzida ou pesquisada pelo ChatGPT, sendo necessário conferência do conteúdo, pois o veículo e o profissional que será cobrado se publicar alguma informação inconsistente. “Temos que usar a IA, mas com responsabilidade humana”. E sita como exemplo o processador de texto Word, que se trocar equivocadamente uma palavra certa por outra errada – o que é relativamente comum – e o jornalista publicar, a culpa será do humano que deixou passar esse erro produzido automaticamente pela máquina.
Rafael Silveira
Silveira apontou que as coisas tem mudado muito rápido em IA, e falou de tópicos que muita gente não está prestando atenção, como a sustentabilidade. E deu como exemplo o ChatGPT, o qual consome dez vezes mais energia do que uma consulta do Google. E o Google está fazendo um grande datacenter na Finlânda, pois grande parte da energia desse país tem impacto zero em geração de carbono. “Temos que ver como esses dados nos ajudam no dia a dia a ter um produto melhor para nós e para os nossos clientes. Na prática, a cada 10 perguntas feita para o ChatGPT são consumidos 1 litro de água. E destaca o que exagera, por falta de outro termo melhor, como emburrecimento da sociedade, muito discutido hoje. Por conta da facilidade e a comunidade pelo acesso à informação e as ferramentas de IA Generativas são extremamente hábeis nisso. Você pede alguma coisa e ela te entrega rápido. A IA é uma boa ferramenta para bons talentos jornalísticos que a utilizem. Tem outras ferramentas além do ChatGPT.
O ponto que ele quer chamar a atenção é que “o pessoal de humanas não precisa mais ter medo do pessoal de exatas”. É difícil traduzir todos esses números de trends, de dados, e ter um profissional de tecnologia junto é agregar uma ferramenta e habilidade para a redação.
“Inteligência artificial não faz jornalismo”, disparou acertadamente Tessler. “Ela faz conteúdo, em cima de conhecimento que ela absorve, também do jornalismo”, complementou. Ela não apura; relaciona. Gera conhecimento a partir de algo que ela busca em algum lugar. Pode nos facilitar em vários trabalhos que absorvem muito tempo nosso, como transcrever gravações. Então, considera a IA uma aliada nas redações. O que não é bem vindo são chefes que acham que ao trazer, investir em IA vai conseguir baixar o custo de recursos humanos demitindo gente.
E cita o exemplo do jornal The Washington Post, nos EUA, que visitou há 10 anos, quando o veículo já era do Jeff Bezos [ex-CEO do Amazon, comprou o jornal em 2013 por US$ 250 milhões pagos em dinheiro], e a tecnologia já estava sendo imposta à equipe de forma incisiva, Tessler conta que assistiu a reuniões de pauta. “Nessas reuniões, além dos jornalistas e alguns editores, estavam presentes o desenvolvedor de software, e em alguns casos um engenheiro de dados. Nas redações brasileiras em geral, segundo ele, “não está presente um analista de audiência, que seria fundamental. Ferramentas e profissionais que ajudam no perfil de uma nova redação, para não perder oportunidades de melhor desenvolvimento das matérias” . Tessler compara ao tempo em que estava numa grande redação, época totalmente analógica e um jornalista passava o dia todo lendo o Diário Oficial, da União, do Estado e do município para procurar matérias. “Esse é o tipo da coisa que uma ferramenta tecnológica bem feita faz bem melhor e em menos tempo. Com o aprendizado da máquina calibrado para apontar algumas palavras-chaves”. E propõe: “Vamos nos acostumar com uma nova redação, sem aquele glamour da velha, que irá continuar porque o bom jornalista é fundamental, mas será necessário novas ferramentas e novos perfis de profissionais para fazer um bom jornalista.
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