Jornalismo pode conviver com influencers?

Muitos jornalistas também são influencers. Mas o inverso nem sempre é verdadeiro. As duas atividades podem conviver no universo da informação se forem pautadas pela ética e os princípios da boa apuração

A briga pela audiência e rentabilidade nas plataformas de redes sociais gerou muitas transformações e mudanças nas formas de remuneração dos produtores de conteúdo. Os quais se queixam de estar ganhando menos com alterações nos critérios dos algoritmos. Enquanto isso, influencers e jornalistas também disputam espaços na produção de notícias e comentários sobre temas conjunturais. Cada um buscando o seu nicho e também procurando novas formas de remuneração que não dependam apenas do humor e dos critérios pouco objetivos das big techs. Essa discussão foi tema de dois painéis no 6º Fórum de Jornalismo Especializado, Regional e Comunitário: “Inscreva-se para fugir das redes – As estratégias para construir canais (e relações) mais próximas com o leitor” e “Conteúdo profissional e autêntico A união diferenciada entre jornalistas e criadores de conteúdo”. O Fórum foi uma realização do Cecom – Centro de Estudos da Comunicação e Plataforma Negócios da Comunicação, nos dias 20 e 21 de maio, online, e com acesso gratuito.

Bernardo de Moura, de Aos Fatos

No painel “Inscreva-se para fugir das redes” participaram Bernardo Mouradiretor Editorial e de Operações do Aos FatosDemetrios dos Santos, head de Produtos OKN Tecnologia | ANER;  e Jean Mannrich, gerente executivo Digital na NSC Comunicação e Rádio CBN. Demetrios lembrou que a questão do conteúdo de notícias profissionais e os conteúdos produzidos por plataformas de redes sociais remetem a uma discussão antiga. E do quanto nosso conteúdo é utilizado pelas plataformas de redes sociais. E a questão da remuneração desse conteúdo jornalístico por parte das big techs, que avançou na União Europeia e na Austrália. E aí, nesse contexto, “precisamos fortalecer os canais próprios da produção de conteúdo dos publishers de maneira geral. E assim conhecer melhor o público, ao se relacionar diretamente com ele. Isso pode ser feito com  newsletters entregues para o público de interesse”.

Demetrios dos Santos

Bernardo Moura olha para a frente e visualiza essa conjuntura como uma antessala de um ponto de virada desse modelo de negócios que o jornalismo em geral pratica. E explicou que o Aos Fatos não tem um modelo de publicidade baseado no site, pois são uma agência de checagem. Sobre distribuição das notícias via redes sociais e Google, ele avalia que as redes sociais mudam muito a regra do jogo e não se sabe ao certo as métricas. Por isso, concordou que o desafio é a busca direta da audiência nos meios digitais. Comentou ainda que estão fazendo uma grande produção de vídeos para o Instagram e TikTok, por enxergar “que essa é a solução para essas plataformas”. Também produzem uma newsletter personalizada, que chegou a ser diária, e hoje segmentada por vários temas.

Jean Mannrich, da NSC

Mannrich tocou num ponto fundamental: “Se tivéssemos a relevância e o tráfico que gostaríamos de ter, não estaríamos preocupados com as redes sociais”. E se isso não acontece, “devemos saber jogar o jogo”, o que não está acontecendo, segundo ele, pois “não temos a tomada de decisão, dependemos de um fornecedor na ponta, que são as redes sociais. E essas empresas decidem a regra do jogo”. Estar nas redes sociais, para Mannrich não pode ser feita com um sentimento de dependência, mas é algo importante. “Rede social é um canal de distribuição, então temos que entender essa logística”. A oportunidade está, aconselha, na clareza no modelo de negocio. “As redes sociais distribuem nosso conteúdo gratuitamente, mas é preciso ter um modelo de distribuição. Com a mesma relevância da produção de conteúdo”. E aconselha mais: formar talentos para entender isso, essas práticas e a distribuição com redes sociais.

O assunto continuou no painel “Conteúdo profissional e autêntico – A união diferenciada entre jornalistas e criadores de conteúdo”, com Élida Mattos Vaz, professora e coordenadora de Pós-Graduação na área da Economia Criativa na Universidade Estácio de Sá; Regina Bucco, diretora Executiva da Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER); e Samira de Castro Cunha, presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).

Profa. Dra. Élida Mattos Vaz, da Estácio de Sá

Élida lembrou que vivemos numa época das fake news e isso é  importante para discutir aspectos éticos do jornalismo. E agora, na realidade das redes sociais “as formigas ganharam megafones”, comentando a profusão de “especialistas” em todas as áreas e criadores de conteúdo, com ou sem conhecimento nas segmentos que divulgam.

“Tudo isso altera a forma de nós produzirmos notícias e conteúdo. Temos o jornalismo como um campo de conhecimento, área profissional, que tem idas e vindas, avanços e retrocessos como todas as áreas, mas que desenvolveu técnicas de recursos, processos, e aspectos éticos comprometidos com a democracia, o direito do acesso à informação, que são aspectos básicos da vida democrática e cidadã. E quando temos essa avalanche de informações de diversas procedências, sem que esses aspectos da exatidão, da checagem, da ética sejam observados, temos alguns confrontos.  O volume de informações que temos hoje, e o botão de desliga que estamos acostumados a não desligar mais, E muita informação improcedente. E redações encolhendo e se precarizando, além dos jornalistas serem hostilizados e ameaçados.”

Por isso ela destaca três aspectos importantes: regulação do setor, regulamentação das redes e mídias digitais; também a educação, formas de ensinar as pessoas a lidar nesse mundo de excesso de informações e a formação do jornalista para se inserir nesse mundo novo. E conclama jornalistas e criadores de conteúdo a se unirem pela informação verdadeira para criar de fato uma sociedade que pense na coletividade e não dos interesses particulares.

Samira de Castro, da FENAJ. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Do seu ponto de vista, Samira disse que “temos um grande desafio, jornalistas enquanto produtores e consumidores de conteúdo das plataformas digitais ,que são realmente os grandes distribuidores de informações.  Precisamos qualificar esse espaço, pois esse excesso de conteúdo não ilumina, não proporciona cidadania e transformação social que acreditávamos lá atrás, no início da internet livre, que achávamos que seria participativa. Os jornalistas tem um papel social que está subordinada a um código de ética. Nosso compromisso fundamental é com a verdade no relato dos fatos. E o jornalismo se faz cada vez mais necessário nesse momento. Devemos estar nos meios digitais sim, nessas plataformas que dominaram a distribuição, mas precisamos se concentrar também no conteúdo que agregue valor a sociedade. Veja a cobertura da tragédia no Rio Grande do Sul, grandes veículos e emissoras foram lá cobrir o evento, e esse fato mostrou a força da mídia profissional fazendo a diferença para uma comunidade. Nós da Fenaj julgamos que não existe uma concorrência entre jornalistas e produtores de conteúdo. O que nós reivindicamos, não é a produção de conteúdo e sim a produção de conteúdo noticioso. O principio norteador é a informação de interesse público”.

Regina Bucco, da Aner

Regina contribuiu na discussão lembrando algumas funções do jornalista: “Avaliar, apontar, formular, opinar, julgar. Só quem consegue fazer isso é o jornalismo sério, com credibilidade, quem teve treinamento e preparo para fazer isso”. E também o artigo 5º da Constituição: É direito o Estado garantir o direito ao acesso da informação. Que é regulamentado pela Lei 12.527, que é a Lei de Acesso à informação que garante o direito de qualquer pessoa a receber informações públicas de órgãos e instituições, sem necessidade de justificativa. “Sem esquecer da ética”, finalizou.

 


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