Inteligência Artificial na Arte: Inovação, Controvérsia e o Futuro da Criatividade

Uso de imagens com IA causa polêmica, principalmente no setor de livros. Legislação precisa ser atualizada

Por Rafaela Tertuliano

Não é novidade que toda e qualquer inovação gera, simultaneamente, admiração, excitação, receio e resistência popular. Óbvio que com a difusão e amplificação do uso da Inteligência Artificial não seria diferente.

O uso da IA já ocupa diversos campos de discussão, como as eleições, os impactos socioeconômicos – sobretudo, relacionados ao mercado de trabalho – os limites perante os direitos autorais e até mesmo o seu uso no mundo artístico, dentre outros infinitos assuntos já existentes e que devem surgir à medida que novas tecnologias sejam desenvolvidas, bem como diante do aparecimento de novos desafios e demandas sociais.

Prêmio Jabuti desclassifica obra por usar IA

Umas das grandes polêmicas já observadas aqui no Brasil, envolvendo o uso de inteligência artificial, foi a desclassificação da obra Frankenstein da 65ª edição do Prêmio Jabuti, na categoria de melhor ilustração.

A obra mencionada foi fruto de arte generativa, de criação de Vicente Pessoa com a utilização do programa Midjourney, ambos tendo sido creditados como autores da ilustração, quando da apresentação da arte. No lançamento da obra, a editora Clube de Literatura Clássica chegou a mencionar, em sua página do Instagram, que Frankenstein seria o primeiro livro totalmente ilustrado por IA em todo o mundo, não apenas no Brasil.
Apesar de a obra ser coroada entre os semifinalistas, em 18/10/23, a CBL (Câmara Brasileira do Livro) anunciou a sua desclassificação, pelo fato da ilustração ter sido feita com ajuda do software Midjourney.

A desclassificação foi divulgada por nota da CBL, que explicou que o edital estabelece que as situações não previstas expressamente — como era o caso da utilização de IA na produção das obras — seriam deliberadas pela Curadoria, que no caso, optou pela desclassificação. Em ato contínuo, a CBL se comprometeu a debater o uso da tecnologia para os concursos futuros.

Um dos jurados do prêmio, Eduardo Baptista, se pronunciou dizendo que não tinha conhecimento de que o artista teria utilizado IA na confecção da ilustração, e que se soubesse não teria selecionado o livro, por entender que o uso da tecnologia viola o regulamento nos quesitos originalidade, autenticidade e /ou autoria do material.

Muitos concordaram com a posição da comissão, sobretudo, sob a alegação de que a utilização da ferramenta seria injusta com os demais participantes. Outras pessoas, em contrapartida, repudiaram a posição da CBL, alegando total arbitrariedade do ato, vez que não havia proibição expressa no regulamento, e, nos termos da lei, quando se trata da esfera particular, tudo o que não for proibido por lei, é permitido.

Vicente Pessoa, traz alguns pontos essenciais dentro de toda essa discussão, ressaltando que não há em que se falar em desvantagem dos demais participantes, tendo em vista que as ferramentas de IA estavam dispostas para quem quisesse usar. Reforça também que as críticas foram feitas por pessoas desqualificadas em relação ao assunto, vez que desconhecem o funcionamento da ferramenta, o que, provavelmente, teria resultado na
desclassificação injusta da obra.

A necessidade da crítica qualificada, de fato, se impõe, afinal sabemos realmente o que é a IA? Será que grande parte dos que a ela resistem não é pelo medo gerado pelo desconhecimento?

No caso da obra, Vicente explica que leu todo o livro, realizou o trabalho intelectual de imaginar as cenas, criar frases e usar trechos da própria estória para que a ferramenta gerasse as ilustrações bases. Após, seguiu ajustando as imagens, conforme acreditava fazer mais sentido com o conteúdo da obra literária. Assegura que justamente por todo esse caminho seguido, a sua obra é única e, que para a arte, o que importa é o resultado e não o caminho, aduzindo que a ferramenta não invalida o seu trabalho criativo.

Para o ano de 2024 o edital do Prêmio Jabuti, expressamente, previu que as obras desenvolvidas com auxílio de IA não seriam aceitas e, caso fosse identificado o uso de tal tecnologia, a obra seria desclassificada independentemente da fase do concurso.

Apesar da resistência ainda presente, já vemos um grande movimento em sentido contrário à visão da CBL, em escala mundial, como por exemplo, publicações de HQs feitos inteiramente com o uso de IA, como no caso dos quadrinhos feitos pelo francês Thierry Murat e a HQ americana, denominada The Bestiary Chronicles.

Essa tendência também se evidenciou na última edição da Bienal Internacional de Fotos de Ballarat, onde a vencedora do concurso foi Annika Nordenskiöl com a foto “Twin Sisters in Love”, que apresenta duas irmãs abraçando um polvo, e foi formulada com o auxílio de IA.

Sendo assim, não se ignora a necessidade de discussão séria, regulamentação e fiscalização das ferramentas de IA, mas também não se pode admitir a estagnação pelo receio das novas tecnologias. Como sociedade, vivemos em constantes mudanças e precisamos entender que a IA veio para ficar e para auxiliar as atividades, e não para roubar espaços ou inutilizar pessoas.

 

Por Rafaela Tertuliano: com 7 anos de experiência em Direito, é responsável pelo suporte jurídico em projetos de inteligência artificial da WayMaker Projects. Tem passagens por órgãos públicos, como o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, além de trabalho em escritórios de advocacia renomados.

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