Brasil é o país mais polarizado da América Latina

Pesquisa da LLYC, em redes sociais nos últimos cinco anos, mostra como assuntos políticos calorosos geram debates na sociedade

Por João Marcos Rainho

A polarização política, que gera discussões acirradas nas mídias sociais, nas famílias e em diversos locais públicos e privados, é um fenômeno que o Brasil lidera em comparação com 12 países, incluindo toda América Latina, Espanha e Portugal. O  nível de polarização da conversa digital na Ibero-América cresceu 39% nos últimos cinco anos. O período da pandemia ampliou o problema. O estudo foi realizado pela agência de PR LLYC Brasil, em parceria com a Más Democracia — organização da sociedade civil sediada em Madrid, Espanha —, com o título “The Hidden Drug: a droga oculta – o poder viciante da polarização do debate público”.

Na definição da agência, “a polarização refere-se ao processo de reafirmação das próprias crenças que ocorre após a participação em um debate sobre um assunto controverso no qual são apresentadas evidências e interpretações alternativas. Por isso, o que é novo não é tanto que as posições que resultam dessa interação sejam extremadas (embora em muitos casos isso seja o resultado), mas sim a atitude de desconhecimento intencional (quando não de desprezo) das evidências e argumentos que forçaria a mudança de crenças.

Foram analisados dados dos últimos cinco anos das redes sociais, de forma a tentar entender e explicar a evolução da polarização naqueles países, tomando com referência a conversa social sobre as questões mais controversas.

 

Vivian Raffaeli, da LLYC

Vivian Raffaeli, diretora de Deep Digital Business e que cuida da área de jornalismo de dados da  LLYC, explica que “quando existe um diálogo, nas redes sociais, a mensagem progressista ou conservadora mostra uma conversa menos polarizada”. O problema, segundo ela, é quando não existe um diálogo mais amplo, e a pessoa fala apenas com a sua bolha, que concorda com ela, ou vai para a discussão, o bate boca com parentes, amigos, colegas de trabalho ou até desconhecidos no ambiente digital. Claro que esse ambiente digital imita ou é imitado pelo que acontece nas ruas e em diversos espaços. “As pessoas seguem quem tem opinião semelhante e que costumam concordar com elas”, afirma, comprovando uma pratica bem conhecida.

O Brasil lidera essa polarização de acordo com a análise feita com base em 600 milhões de posts. Somente a tecnologia atual, de manipulação de dados com a inteligência artificial, foi possível extrair alguma informação de uma quantidade enorme de conversas e postagens.

Os tema que mais gera controvérsias em nosso país foram racismo, liberdade de expressão, e aborto (tema mais polarizado que o racismo). A pena de morte, que inexiste no Brasil, tem poucas conversas, mas assim mesmo é tema de discussões, ou seja é, no termo usado por Vivian, “pouco conversável”.

Tudo também depende do momento. A diretora destaca que num período eleitoral,  conservadores e progressistas falaram para suas bolhas quase a mesa quantidade de conversas polarizadas. As vozes conservadoras aumentaram no período da pandemia do Covid-19, por motivos que todos conhecemos, e também na campanha eleitoral.

Prêmio Influenciadores Digitais aproximou os opostos

Mas o diálogo entre extremos é possível sim. O ex-deputado e atual vereador de São Paulo, Eduardo Suplicy (PT) e o jornalista Alexandre Garcia — ambos tem canais no Youtube, pró-esquerda e pró-direita, respectivamente  —, foram eleitos na categoria Política e Economia da 7ª edição do Prêmio Influenciadores Digitais do Cecom  – Centro de Estudos da Comunicação e Plataforma Negócios da Comunicação. Eles participaram de uma live, de homenagem ao prêmio e simultâneo ao 11ª edição do Fórum sobre Marketing de Influência – O mundo em 30 segundos. Debateram e conversaram sobre política e o mundo dos influencers, de forma cordial, respeitosa e sem polêmicas.

Entretanto, outro estudo, realizado pelo site Hateblockers, que combate o ódio nas redes, denuncia a atitude “incendiária” dos chamados influencers, que são aqueles que alcançam uma posição central na rede em comparação com o resto de nós, devido ao seu grande número de conexões. Evidentemente, o trabalho fala de alguns influencers mais radicalizados.

Desafio é furar as bolhas

“O nosso desafio, como agência, é tentar furar as bolhas”, enfatiza Vivian, que diz também que a imprensa entendeu seu papel social nesses últimos tempos, ao se dedicar a esclarecer assuntos, principalmente sobre saúde, vacinação, pandemia, que estavam fechados em bolhas. A executiva da LLYC destaca a importância de existir algum trabalho educativo focado nas crianças, para que elas não aprendam ou acreditem apenas nos contatos com grupos de bolhas de seus familiares. “Tem que aprender coisas novas e novas percepções”.

O grande insite do estudo, ainda segundo Vivian, foi entender que nesses últimos anos foi mais difícil trocar informações e ideias e fazer com que as pessoas raciocinem sobre isso”. Por isso, o nome da pesquisa, alusiva a um vício. Vicio em concordar. Num cenário de polarização as opiniões ficam mais ferrenhas. E as redes sociais ajudam a alimentar esse vício e também é retroalimentada. As big techs tem sua parcela de culpa nesse processo, com os algoritmos favorecendo bolhas informativas e opinativas. Entretanto, a especialista pondera que a culpa é mutua, das plataformas e das próprias pessoas. Assim, quando duas pessoas com opiniões opostas discutiram nas redes, mensagens captadas no estudo, apareciam frases como “sua opinião é um lixo”, “sua opinião é uma merda”, desqualificando a mensagem logo no início, sem possibilidade de discussão racional.

Em busca de explicações do ódio

O estudo cita o alerta de Mariano Sigman, neurocientista e autor de “O poder das palavras” (2022), a respeito da polarização: “As grandes tragédias e massacres humanos decorrem de momentos de incompreensão, da exacerbação desse mecanismo pelo qual um grupo não consegue entender as ideias do outro. Essa não compreensão o faz odiá-lo a tal ponto que ele decide que a única maneira de resolver é matar todos eles em uma guerra. Este pode ser o risco real de uma droga como a polarização”.

E na opinião do filósofo Byung-Chul Han: “Não é a personalização algorítmica da rede, mas o desaparecimento do outro, a incapacidade de ouvir, que causa a crise da democracia”.

Para Cristina Monge, presidenta da Más Democracia, “uma democracia de qualidade requer um espaço público seguro para a deliberação. Na medida em que a polarização nos círculos políticos e midiáticos o impede, eles estão comprometendo a qualidade das democracias a ponto que ainda não podemos determinar”.

Apontar o problema é fácil e existem muitos estudos tratando da polarização. O problema é superar isso, e aí a literatura é escassa.

A coisa tá bem difícil. Na percepção da opinião pública, 66% dos cidadãos sentem que as pessoas no respectivo país não tem capacidade de debater de forma civilizada e construtiva. Como outras drogas existentes, a polarização tem efeitos no indivíduo e na sociedade. Se converteu em uma droga que consumimos todos os dias sem saber e  A educação, num processo de longo prazo parece ser um dos caminhos, segundo diversos especialistas.

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