Por: Isabela Pimentel
Se recebermos mais comunicados na empresa, ficaremos mais satisfeitos e nos sentindo mais bem informados? A realidade é que não! Em pleno 2023, ainda estamos confundindo informar com comunicar! E priorizando quantidade ao invés de conteúdo estratégico e que gera diálogos entre organizações e seus públicos de interesse!
Mesmo com a enxurrada de informações que os colaboradores recebem diariamente, ainda reinam os temidos boatos e ruídos.
Dados da Pesquisa de Tendências em Comunicação Interna (2022), realizada pela Aberje, apontam que dentre os maiores desafios do setor pós-pandemia estão engajar gestores como comunicadores (70%); melhorar a experiência do colaborador (58%) e gerenciar o excesso de informações (55%).
Com o advento e popularização das redes sociais, fica muito difícil acreditar que ainda existe uma comunicação apenas ‘interna’, quando cada funcionário tem em suas mãos um dispositivo móvel com acesso em tempo integral à internet. Assim, como, afinal, ter uma comunicação excelente com os times?
Estamos sempre conectados à empresa, sobretudo com o trabalho remoto pós-pandemia. E o que isso muda? Uma das principais alterações é que o funcionário não espera receber um conteúdo pronto, que não tenha nenhuma relação direta com seu cotidiano e não traga uma mensagem relevante.
E como reagir, quando se lê um jornal cheio de mensagens, apenas focadas nos altos escalões da empresa? Para criar campanhas que realmente engajem, é preciso tocar o coração das pessoas, não apenas como textos e imagens, mas com vídeos e recursos como storytelling.
Como empreender mudanças
Antes de criticar o colaborador que está desmotivado e que não participa das campanhas, é preciso empreender algumas mudanças e atitudes, tanto na equipe de comunicação, quanto na gestão. Vamos lá:
1 – Saiba ouvir as demandas das outras áreas;
2- Deixe claro que a comunicação é de todos, e não apenas de um setor;
3- Faça um diagnóstico realista dos meios de comunicação existentes antes de lançar uma nova campanha e propor atualizações;
4- Estabeleça indicadores e metas atrelados aos objetivos estratégicos;
5- Avalie os indicadores periodicamente;
E antes de tudo, tenha empatia para comunicar da forma como gostaria de receber as mensagens sobre sua empresa!
Boatos e o ouvi dizer
Além desses pontos, precisamos nos atentar para a forma como nossas empresas lidam com boatos e ruídos, a temida rádio-corredor. Nosso ímpeto imediato é tentar deixar de lado! Será esse o caminho? Também não!
Tratado como “algo que foge ao oficial”, o boato faz parte dos sistemas simbólicos das organizações, ou seja, sua cultura e imaginário, convivendo ao lado das práticas normativas e políticas institucionais.
Então, precisamos entender que junto de todo discurso oficial, existem as chamadas redes informais, paralelas ou não oficiais de comunicação, o famoso Ouvi Dizer, que dá título ao meu livro.
Passando dos funcionários com mais tempo de casa para os novatos, ou vice-versa, os boatos afetam as percepções dos times a respeito das organizações, podendo, até mesmo, provocar crises de imagem e reputação. Os boatos, em geral, resistem como um repositório da espontaneidade dos elementos da cultura e do universo simbólico, indo de encontro aos comunicados e fluxos oficiais por onde é canalizada a estratégia corporativa.
Para Roman, um dos grandes estudiosos dos ruídos no ambiente de trabalho, os boatos são considerados pelas organizações os elementos não-ditos ou malditos, que convivem e disputam sentido com os bem-ditos, ou seja, os discursos institucionais planejados. Fica notória a relação entre o boato organizacional e as camadas da cultura não oficial, seu universo simbólico e como forma de resistência à estratégia corporativa.
Ao longo dos mais de 25 de projetos de consultoria em que atuei, ouvindo pessoas, estudando a cultura organizacional e tentando aprimorar as práticas de comunicação e tornando-as mais efetivas, humanas e estratégicas, comecei a encarar os boatos não como “falta de comunicação”, mas como a ponta do iceberg para a existência de processos de comunicação rígidos, oficiais e que não dialogam com a cultura, rotina e vida real das pessoas que atuam naquela organização.
Como os boatos representam uma camada da cultura não oficial? Como esses “burburinhos” ajudam a preservar a identidade organizacional e a formação da memória? Haveria alguma relação entre o boato e a dificuldade de aderência da estratégia que é planejada no cotidiano das equipes? Essas perguntas têm norteado meus desafios e de tantos outros gestores de Recursos Humanos, Comunicação, Marketing, Compliance etc.
Muito mais do que “culpa da incomunicação”, da má comunicação ou de uma falha, a existência do boato também pode estar relacionada ao grau de credibilidade, confiabilidade e segurança que a fonte da informação transmite ou não a seus destinatários. A existência de boatos poderia estar relacionada ao processo de “silêncio organizacional”, ou seja, a empresa tenta evitar abordar temas sensíveis e complexos, imaginando que irão, por si só desaparecer, ou, faz um esforço informativo e superficial para ‘calar’ o tema de uma vez por todas, confundindo INFORMAÇÃO e COMUNICAÇÃO.
Precisamos abandonar essa visão fragmentada do gerenciamento e a prevenção de boatos (focando apenas o viés da comunicação), de forma a munir as empresas de um sistema integrado, não somente durante crises de imagem e reputação, mas, antes delas, por meio de um trabalho preventivo, focado na cultura e no desenvolvimento dos times e das lideranças.
O papel das lideranças e da gestão
Segundo a Pesquisa Aberje de Comunicação Interna (2022), para 47% das empresas o líder é o principal canal da empresa com os colaboradores, trazendo confiança e reforçando os valores essenciais, além de contribuir com a melhoria do clima organizacional.
Nesse contexto, para ser um líder comunicador e contribuir para uma comunicação eficiente, que minimize ruídos e boatos, serão necessárias mudanças técnicas, comportamentais e até mesmo cognitivas, dentre elas:
– Ter visão colaborativa dos processos;
– Reforçar a ideia de colaboração e cocriação nos projetos e atividades;
– Entender como a comunicação digital com as partes interessadas é vital para o futuro dos negócios;
– Buscar incorporar no cotidiano soluções ágeis, inovadoras e criativas.
Nenhuma empresa está livre de enfrentar os temidos ruídos e falhas, que podem evoluir para boatos e desencadear crises de imagem e até mesmo de reputação. Mas, a questão é que poucas empresas possuem sistemas, técnicas e até mecanismos para gerenciamento dessas situações.
Vamos analisar o clima organizacional, ouvir as pessoas e buscar uma comunicação efetiva com times e líderes? Esse é um primeiro passo para gerenciar o ‘ouvi dizer’ e transformar o clima e a cultura!
Isabela Pimentel é consultora e palestrante, CEO da empresa Comunicação Integrada; Mestre em Mídias Digitais; Especialista em Comunicação Integrada; Professora Pesquisadora na FGV e ESPM; Autora do livro ‘Ouvi Dizer’ (Appris).