Banca de jornais, ou de quinquilharias?

Perfil das bancas de jornais mudou. Queda na venda de jornais e revistas transformaram os pontos em comércio de bebidas, cigarros, perfumes e eletrônicos

Está cada vez mais difícil achar jornais e revistas numa banca de jornais. O volume de publicações diminuiu ou simplesmente desapareceu de muitos desses pontos de venda.  A crise no meio impresso, que vinha se arrastando há anos tomou o golpe final com a pandemia: muita gente deixou de comprar produtos físicos com medo de se contaminar. Fato ou fake, a crise sanitária colocou uma pá de terra no negócio.

Agora as bancas são pontos semelhantes a de camelôs. Vendem de tudo: bebidas, cigarros, lanches, mochilas, perfumes, acessórios para celular e outras bugigangas.

Banca de jornais, com jornais. Imagem cada vez mais rara. Agora dominam as quinquilharias

Na capital Paulista, segundo a Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSUB) existem 2.385 bancas de jornais e revistas, 253 estabelecimentos a menos que há três anos, uma queda de 9% no número de pontos disponíveis. E, na contramão dos fechamentos das bancas e para driblar a crise do setor, jornaleiros tradicionais da região central tentam atrair clientes diversificando a oferta de produtos. E assim se adaptar às mudanças no comportamento do consumidor e as transformações do mercado editorial.

Desde 2013, bancas de jornais paulistanas estão liberadas pela lei  Nº 15.895, para comercializar alimentos, bebidas, artigos eletrônicos de pequeno porte, segmento papelaria, recarga para celulares e chips de operadoras de telefonia, etc. Mas, prevê que 75% do espaço desses estabelecimentos sejam destinados ao mercado editorial e exposto de fácil acesso dos clientes.

Cumprindo cotas

A fim de diversificar a renda, a dona da banca da região da Paulista, Adriana Gonçalves, tem apostado cada vez menos em revistas e jornais, apenas para cumprir a cota e comercializado outros utensílios, que segundo ela é o que mais vende:  “Tem que ter de tudo um pouquinho para poder manter a banca, pagar fornecedores e funcionários. Jornais e revistas não estão fluindo, seja pela facilidade de tê-las online ou desinteresse”. A comerciantes ressalta que, mesmo pequeno, há público que compra jornais e revistas impressos, porém o que mantém são produtos de outros segmentos. “Tem um pequeno público que vem procurar jornais e revistas, o que corresponde a menos de 30% do que é vendido diariamente. O lucro da banca vem dos objetos de conveniência, a parte de tabacaria vende mais”.

O mesmo problema é sentido pela banca do jornaleiro Ironildo Amorim, dono do estabelecimento há 12 anos em São Paulo, o qual credita a lei que possibilita a conveniência nas bancas a sobrevivência no setor. O comerciante lembra que há cada ano se vende menos jornais e revistas. “Existe uma queda na venda de jornais; há cada dia vendo menos, é muito significativa. Há 7, 8 anos vendíamos muitos jornais, revistas e livros, porém depois da digitalização, caiu a venda. Para se ter uma ideia recebíamos 60 exemplares de jornais, hoje eu recebo 5 e dependo do dia não consigo vender tudo. Hoje a banca teve que se diversificar porque não consegue sobreviver, depender só de revista e jornal não teria como manter o básico da banca; são os brinquedos e a conveniência que mantém a banca de pé”, atesta Ironildo.

Porém, a diversificação de produtos dentro da banca não é unânime entre os donos de banca, há empresários que ainda prefiram vender apenas jornais e revistas, como é o caso do jornaleiro Walmor Luiz da Silva, dono de uma banca na Faria Lima. Ele afirma que não pretende colocar outros itens a venda.  “Na minha banca eu vendo HQs, livros, revistas e coleções em geral, que é o meu forte. Eu sou o contrário de alguns comerciantes que fizeram da banca uma 25 de Março. Estou no ramo há nove anos, minha banca é bem localizada, perto de estação de trem e metrô, dois shoppings e centros empresariais. O público que frequenta a banca é AA, que consome muito HQ e mangá. O movimento caiu no pós-pandemia, principalmente de pessoas que procuravam determinadas publicações que acabaram”, afirma o vendedor.

No ano passado, o jornaleiro mais antigo em atividade em São Paulo desistiu do negócio, que passou para o filho. Salvador Neves tinha uma banca no viaduto 9 de Julho. O impresso que mais vende lá hoje é o fardo de papel jornal para a higiene dos cachorros. Isso é uma ofensa para ele, amante da leitura. Ele não aguentou mais ver isso.

No Rio de Janeiro, o rapa leva as bancas

No Rio de Janeiro a crise das bancas é ainda pior. Com a justificativa que esse negócio está se desviando da atividade-fim, e sem legislação municipal que ofereça alternativas de venda de outros produtos, a prefeitura tem autuado e fechado bancas. Autua, fecha, e até remove a banca. As vezes só remove mesmo, criticam os comerciantes do ramo. Ano passado a prefeitura removeu 72 banca, e as operações continuam. Existem hoje 2021 bancas legalizadas na cidade.  O sindicato local das bancas de jornal acusa a administração pública de promover uma arbitrariedade, com remoções, muitas vezes, sendo feita sem aviso prévio.

Marcelo Rech

O jornalista Marcelo Rech, presidente-executivo da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), concorda com a visão de algumas prefeituras que as bancas não podem desviar suas atividades-fim. Devido à queda  nas vendas do impresso, ele acha normal os proprietários agregar outros produtos para compensar, entretanto, “as bancas que porventura não vendam mais jornais ou revistas não poderiam se tornar apenas pequenos mercados ou outdoors em locais privilegiados. Isso seria um desvirtuamento da licença de ocupação urbana que recebem do poder público em todo o mundo”.

Rech faz um apelo aos comerciantes, afirmando que as bancas de jornais ainda são necessárias: “Além de prestar um serviço cultural e informativo a um sem-número de leitores que preferem o meio físico ao digital, ainda que eventualmente, as bancas fazem parte de um cenário urbano que valoriza, ou deveria valorizar, a cultura e a informação”. Em algumas cidades, como Paris e Buenos Aires, destaca Rech, “bancas são pontos de encontro e um oásis na aspereza urbana. Imaginar uma cidade sem banca de jornais e revistas seria o mesmo que vislumbrar uma cidade sem livrarias. É um cenário triste e sinal de pobreza intelectual”.

 

Leitor de jornais pertence a uma geração que, ao morrer, levará o mercado de jornais para o túmulo. É o resumo da visão de especialistas

Fim de uma geração e de uma era

Para Caio Túlio Costa, que trabalhou na Folha de S. Paulo durante 21 anos e foi um dos fundadores UOL, a situação dos veículos impressos é muito grave. “As redações estão reduzidas; o salário médio diminuiu; a circulação dos produtos impresso vem caindo diariamente. Os veículos não encontram um modus operandi à altura do negócio no meio digital”, opina, em recente entrevista para a Plataforma Negócios da Comunicação. “Aqui ainda temos mais uma crise, que é a de credibilidade. Há um esforço muito grande do Poder Executivo federal para se minar a credibilidade da imprensa tradicional, o que é péssimo. A gente viu isso acontecer nos Estados Unidos com o Trump, nas Filipinas, na Hungria, na Polônia, ou seja, nos bastiões dos regimes autocráticos.”, continua, em sua avaliação.

É o fim de uma era, ainda segundo Túlio Costa: “Vai restar uma parcela muito pequena, produtos como a revista New Yorker, Piauí. Agora o jornal diário impresso tende a acabar antes das previsões, assim que a geração que ainda o consome, que são pessoas entre 40 e 50 anos, deixar de consumi-lo. A ideia era que ele iria acabar em 2044, mas pode ser que acabe antes”.

 

 

 

 

 

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