Refugiados ucranianos no Brasil usam mídias sociais para manter contato com parentes

Com dificuldades de se comunicar em português e interagir com brasileiros, refugiados no Paraná usam o Instagram e WhatsApp para matar a saudade dos familiares e furar o bloqueio da censura à imprensa

As mídias sociais foram os meios de comunicação possíveis para que refugiados ucranianos no Paraná mantenham contato permanente com os parentes que ficaram na Europa, em meio à guerra com a Rússia, que completou seis meses sem sinais de término. Também é uma forma de furar o bloqueio da censura de notícias estabelecida pela Rússia. O presidente Vladimir Putin estabeleceu uma lei que criminaliza as notícias que o governo russo considere falsas sobe a invasão. É proibido, por exemplo, referir-se à guerra como “guerra”, que deve ser qualificada como “operação militar especial”. Jornalistas que descumprirem a determinação podem pegar até 15 anos de prisão, o que inclui profissionais estrangeiros no país ou na zona de guerra na Ucrânia, controlada pelos russos.  Com isso, redes internacionais ABC, BBC, Bloomberg News, CBC/Radio-Canada, CBS News e CNN , paralisaram as transmissões no país. Até o Tik Tok suspendeu transmissões ao vivo.  Os canais do Youtube e perfis no Facebook dos meios de comunicação financiados pela Rússia foram bloqueados na Europa e nos EUA.

Guerra na Ucrânia ainda sem fim definido

Essas barreiras, que incluem também o trabalho de jornalismo na Ucrânia — o governo local imita a Rússia e controla a imprensa —, pois numa guerra a primeira vítima é sempre a verdade e o jornalismo, os ucranianos refugiados ficam apreensivos sobre o que está realmente acontecendo com seus familiares.  Por enquanto, eles dizem que algumas mídias sociais conseguem furar os bloqueios de censura e os contatos se realizam.

Em 24 de agosto, foram completados seis meses desde a invasão da Rússia  e também é a data em que a Ucrânia comemora sua independência, ocorrida em 1991.  A guerra provocada no leste europeu ainda sem objetivo definido e cercada de especulações, mudou a vida de mais de 6 milhões de ucranianos que fugiram do país, segundo relatório da Organização das Nações Unidas. 

Refugiados em Prudentópois (PR)

Em busca de abrigo para fugir da guerra, mulheres e crianças ucranianas encontraram hospitalidade no pequeno município de Prudentópolis, interior do Paraná. Localizada a 200 km da capital, Curitiba, a  cidade de cerca de 50 mil habitantes tem laços históricos com o país europeu. Formada por imigrantes ucranianos, hoje tem mais de 80% da sua população formada por descendentes daquele país, O grande número de imigrantes vindos do leste europeu rendeu à cidade o apelido de “Ucrânia Brasileira”. 

Na cidade há lembranças da Ucrânia por toda a parte, referências arquitetônicas e culturais chamam atenção. A igreja matriz, bem no centro da cidade, é em estilo bizantino, destacada na paisagem por sua imponência e cúpula grandiosa, bem ao estilo ucraniano. As casas mais antigas fazem referência ao país deixando para trás, os clubes da cidade, como o Grupo Folclórico Ucraniano Brasileiro Vesselka, no centro, e o Museu do Milênio tentam manter viva a tradição dos antepassados. 

Para fugir da guerra,, as famílias que estão em Prudentópolis fizeram caminhos parecidos, primeiro seguiram para Leviv na fronteira com a Polônia, e quando cruzavam as barreiras decidiam seus destinos muitas vezes auxiliadas por missões de paz e igrejas que ficam na fronteira para auxiliá-los.

Os refugiados chegaram de várias partes do país: Kherson, Kharkiv, Luhansk, Donetsk e da capital Kiev, todas atingidas por bombardeios intensos pelas tropas russas nos últimos meses.

A maioria das famílias são chefiadas por mulheres, porque seus maridos e filhos não conseguiram atravessar a fronteira, já que todos os homens de 18 a 60 anos foram convocados para o fronte. Entre os imigrantes, a exceção são quatro homens que puderam deixar por terem dois filhos.

Para receber e proteger as  famílias foi criado o comitê “Prudentópolis mais Ucrânia” formado por membros de igrejas católicas e evangélicas, população e prefeitura, que ajudam mulheres e crianças refugiadas com auxílios alimentação, moradia, tradução e estudo. 

“Quando eles chegaram foi providenciado apartamentos para não deixar elas em casa, por serem apenas mulheres e crianças. Alguns já estão inseridos na sociedade, com profissões, outros estão ministrando aula de ucraniano na Casa da Cultura para terem uma renda também. Duas mulheres, acompanhadas de duas crianças, cada uma, ficarão sob nossa responsabilidade, ainda estamos caindo dessas famílias. Algumas pessoas que vieram por conta própria já arrumaram emprego aqui na cidade “. Afirma Marta Belo, membro do comitê. 

Filha de pais ucranianos, Marta administra o museu em homenagem aos imigrantes  fundadores da cidade, ela tem auxiliado as famílias que chegam na cidade. 

Nem tudo são flores na nova rotina dos refugiados no Brasil. A dificuldade em aprender o idioma e os costumes do país são os principais desafios dos imigrantes. Marta lembra que as famílias sofrem com as mudanças de culturas e comportamento. As crianças são as que mais estão sentindo o choque cultural, principalmente quando vão para a escola.

Ela detalha: “Tem uma família que as crianças chegaram muito assustadas pelo que viram na Ucrânia. Eles eram de Kherson e tiveram que sair às pressas de lá, assim que começaram os bombardeios. Passaram pela Polônia e lá encontraram voluntários da igreja Batista que ofereceu passagem para o Brasil. Vieram para o país, apenas a mulher e duas crianças, o marido é militar e não pode vir junto. Chegando aqui, as crianças estavam assustadas ao ponto de ter dificuldades em se separar da mãe e não querer ficar perto de outras pessoas. Quando foram para a escola tiveram que ficar juntas, mesmo estando em séries diferentes. A dificuldade de comunicação também fez sofrerem bullying por alguns colegas”.

Na cidade há ainda 27 refugiados sob responsabilidade do pastor ucraniano Vitelli Arshulik. No Brasil há quatro anos, ele veio para Prudentópolis com a esposa e dois filhos, deixou na Ucrânia a família e a empresa que administrava. Vitalle compartilha com os refugiados a preocupação com os familiares que foram convocados para a guerra, seu irmão, mesmo não sendo militar, está no fronte.

A comunicação entre países em alguns pontos da Ucrânia é bem difícil, mas toda vez que é possível as famílias conversam, afirma Vitelli. Tanto o Instagram quanto o WhatsApp têm sido uma arma para matar a saudade das pessoas que ficaram no país.

Natália Trachenko, refugiada ucraniana

Uma dessas pessoas é a engenheira Natália Trachenko, veio sozinha da Ucrânia, deixando mãe e filhos na capital Kiev. Nascida na antiga União Soviética, Nathalia viu renascer o país e a democracia. Ela conta que a vida era boa até o exército russo invadir o país. 

“Quando a Rússia invadiu a Ucrânia eu estava em minha casa no bairro de Sviatoshyskyi, vimos pela televisão os tanques invadindo Luhansk e Kharkiv nas primeiras horas da manhã. Já era esperado, mas não queria acreditar que isso poderia acontecer. A Rússia nunca gostou da Ucrânia ter sua indecência e ser um país próspero. Desde que se tornou um país independente a economia melhorou muito, cada pessoa conseguia ter sua moradia e um pedaço de terra. Porém não sei se as coisas podem voltar ao normal”.

Nathalia foi embora de Kiev quando a cidade começou a sofrer bombardeios mais intensos, em abril. Para sair do país ela atravessou o país de carro até Lviv, e cruzou a fronteira com a Polônia. Lá conheceu missionários que a trouxeram para o Brasil. Nesses quatro meses que está no interior do Paraná, consegue falar palavras básicas. Sem tradutor, conta com ajuda de ucranianos que já estão familiarizados com a língua. Ela afirma que quando acabar a guerra pretende voltar para seu país e reencontrar sua mãe e seus filhos, um deles está servindo ao exército.

 

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