No momento em que acompanhamos uma quarta onda do Covid-19 com a variante ômicron e suas dezenas de mutações possíveis, me vem à mente uma frase que ouvi de um professor de biologia no meu ensino médio. “O seu eu de hoje não será o seu eu de amanhã”. Apesar de ele estar se referindo ao nosso processo diário de morte e renovação das células, vejo que essa premissa se aplica a tudo.
Estamos em transformação o tempo todo, e porque não dizer: muitas vezes em mutação. Entre as definições para a palavra mutação, encontrei: o ato ou efeito de mudar, modificar e alterar. Também pode ser entendida como tendência de mudança de atitude, volubilidade ou até mesmo uma alteração no DNA, que pode ser benéfica ou não, causando vantagem, dano ou nada a um organismo. Contudo, algo no material genético mudou. Ou seja, em uma mutação, algo dentro de nós muda. Depois de quase dois anos de pandemia, hábitos, carreiras, anseios, planos e muitas coisas foram repensadas. E muitas pessoas, em seus processos e mutações pessoais, mudaram.
O mercado também está em mutação. Chamo a atenção para três grandes movimentos que impactam a nossa realidade. O primeiro, vou chamar de mutações corporativas. Vemos a proliferação acelerada de negócios que estão “disruptando” mercados convencionais e atraindo grandes aportes de investimentos. Por exemplo, um relatório do Inside Venture Capital Report trouxe dados de investimentos da ordem de US$ 8 bilhões em startups brasileiras em 2021, número 119% maior em comparação com 2020. Esse movimento, por vezes, pode fazer que empresas tradicionais possam se sentir um pouco “fora de moda”, o que em absoluto não é necessariamente uma verdade.
O segundo grande movimento é a mutação profissional. Nos Estados Unidos, vemos o fenômeno da Grande Resignação, no qual milhares de trabalhadores estão se demitindo por não aceitar um trabalho sem propósito e com condições precárias e muitas vezes de baixa remuneração. Em setembro, 4,5 milhões de trabalhadores se demitiram, em um movimento já apontado pelo Goldman Sachs como de alto risco a longo prazo para a economia americana.
O Reino Unido também está vivendo algo semelhante e há indícios de que esse fenômeno pode se espalhar pelo mundo. Ou seja, cada vez mais as pessoas precisam ter claro o propósito do que fazem, senão além de não haver engajamento, não haverá sequer o interesse em fazer parte de uma empresa. Não é à toa que cada um de nós conhece pessoas que mudaram de carreira nos últimos dois anos.
O terceiro diz respeito à mutação na informação, que podemos resumir como o fenômeno das fake news. Quando foi lançado em 2004, o livro Sabedoria das Multidões, de James Surowiecki, endossava a força das redes sociais como meios de agregação de informações de grupos, trazendo à discussão pública assuntos de interesse das pessoas que eventualmente não estavam sendo tratados pelos grandes meios. Essa força culminou em movimentos como a Primavera Árabe, por exemplo, mas também deu espaço para a criação e disseminação das fake news, mostrando um lado sombrio das redes.
De acordo com estudo do MIT, notícias falsas têm 70% mais chances de se propagar do que as reais. Isso alimenta discursos de ódio, negacionismo, difamação e outros problemas, provocando discussões que vão desde uma maior fiscalização das plataformas das redes sociais até a atuação dos algoritmos, que veêm ditando o comportamento de consumo de informação das pessoas.
Os três movimentos acima trazem na esteira desafios imensos de comunicação para as empresas e instituições em geral, seja para comunicar seus valores de marca e seu propósito, seja para encorajar colaboradores a entrar juntos no mesmo barco, em meio a um oceano de informações que exigem tratamento e cuidados adequados.
Tudo isso colaborou para as mutações que vêm ocorrendo no mercado de comunicação. Barreiras foram derrubadas, perfis diferentes passaram a compor os times das agências, pois os problemas de comunicação se tornaram mais complexos e passaram a exigir soluções mais holísticas. Novas soluções, desafios e demandas surgiram, criando um ambiente propício para que as agências incorporassem em seu DNA novos elementos.
Tudo isso vem dando origem a um novo “caldo primordial” que tem sido responsável pelo processo de criação de novas propostas de valor para os clientes. Em suma, 2022 se apresenta repleto de incertezas e desafios e o melhor que temos a fazer é aceitar e acelerar nossos processos de mutação, pois teremos muito trabalho pela frente.