A jornada pela reputação inabalável

Com consumidores, funcionários e demais stakeholders mais atentos e exigentes, marca e reputação devem ser trabalhadas de forma conjunta com ações integradas entre comunicação e marketing

Os últimos anos foram marcados por diversos escândalos políticos que geraram uma crise econômica e ética no Brasil, balançando a reputação de muitas empresas. Atingidas diretamente pela Operação Lava Jato, companhias como Petrobras, Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS e JBS têm trabalhado constantemente para resgatar a boa imagem que sempre tiveram no mercado – trabalho que pode levar bons anos. Diante disso, um dos desafios mais atuais da área de comunicação é o de olhar com atenção para a junção dos conceitos de marca e reputação – equação que pode definir o futuro do negócio. A marca, que é a imagem que uma empresa tem, pode ir por água abaixo caso a reputação, ou seja, a forma como é reconhecida pelo mercado, não tiver um viés positivo. Os conceitos parecem simples, mas a verdade é que há muita coisa entre o que você quer comunicar e faz, ante o que dizem e pensam de você. “Marca é o conjunto de percepções e sentimentos que se tem sobre uma empresa e produto. Não se trata apenas de um elemento gráfico, uma fachada ou um formato: é a expressão externa do que as pessoas pensam do negócio”, explica Jaime Troiano, diretor da Troiano Branding e autor de As marcas no Divã: uma análise de consumidores e criação de valor (Globo) e de Brand Intelligence: construindo marcas que fortalecem empresas e movimentam a economia (Estação das Letras e Cores). Reputação, continua o executivo, é a forma como a companhia é reconhecida pelo mercado, seu grau de prestígio interno – funcionários que sentem orgulho de carregar o crachá no peito – e externo – a percepção de consumidores e parceiros.

Ao contrário do que muita gente ainda pensa, as marcas são construídas de dentro para fora. “Não são tapumes que escondem o que se passa da porta da rua para dentro da organização”, ressalta Troiano.

Isso significa que é preciso ter consistência, uma ideia central que ajude a alinhar e organizar o que a marca diz em seus pontos de contato, um propósito claro que dá sentido ao negócio, como explica Troiano. Segundo ele, quando a empresa descobre a razão pela qual existe, tem esse elemento central. “Companhias que foram além dos clássicos statements de missão, visão e valores em quadrinhos na parede e se esforçaram para identificar seu propósito, sua autêntica razão para existir, têm posições mais destacadas nos rankings de reputação”, afirma Troiano.

 

“Marca e reputação devem ser trabalhadas juntas, com a integração das ações de comunicação e marketing”

 

Realizar um trabalho efetivo nesse sentido exige a integração nas ações de comunicação e marketing, com marca e reputação sendo trabalhadas em conjunto. Todos os pontos de contato que a marca tem com as pessoas – seja um boletim, um filme, um site ou as redes sociais – precisam estar alinhados e com o mesmo discurso. Se a área digital diz uma coisa e as propagandas outra, a reputação pode ser comprometida.

Para Irene Azevedo, diretora da consultoria LHH, de São Paulo, fatiar o cuidado com a marca e a reputação pode ser um erro. “Centralizar as ações é essencial para que a comunicação não tenha ruídos”, diz. Nessa hora, áreas como jurídico, recursos humanos, marketing e comunicação devem falar uma só língua e traçar uma estratégia comum.

Mas, como fazer esse alinhamento? Para Jacqueline Resch, sócia-diretora da consultoria Resch Recursos Humanos, do Rio de Janeiro, uma das formas mais eficazes para isso é a coerência. “O primeiro ponto é entregar o que promete. Não adianta ter uma marca na teoria que pode facilmente ser derrubada pelo dia a dia diferente do proposto. Se isso acontecer, a reputação começa a ser comprometida”, afirma.

Segundo Cristina Schachtitz, vice-presidente executiva de engajamento corporativo da Edelman Brasil, a consistência na narrativa e o discurso alinhado às atitudes são fundamentais para que haja intersecção entre marca e reputação – processo que não se constrói da noite para o dia. “A empresa precisa ter um programa efetivo de relacionamento e engajamento com seus stakeholders e se manter presente, reforçando suas mensagens e mantendo uma relação constante de diálogo e trocas”, diz. Para ela, uma reputação bem construída gera um colchão de proteção e contribui para a sobrevida da marca, além de promover confiança e fortalecer laços para o futuro.

Além de ser coerente com a teoria e vivenciar os valores – e propósito – na prática, as empresas devem apostar em outros pilares, como transparência, velocidade na comunicação e acessibilidade. “Para reforçar os dois conceitos a corporação deve se posicionar e se comunicar em todas as situações, oferecendo informação e esclarecimento sobre seus produtos, serviços e também sobre os problemas, caso ocorram”, diz Marcio Cavalieri, CEO da RMA Comunicação. Ele recomenda que isso seja feito sempre de forma ágil e acessível. “É essencial possuir canais de contato para informação e diálogo com seus públicos e a sociedade em geral”, afirma.
Trabalhar bem esses pilares pode ser bem rentável para o negócio. Segundo pesquisas feitas pela consultoria americana Gartner, uma empresa com trabalho bem formulado de marca e reputação pode reduzir em até 50% a remuneração necessária para contratar, uma vez que a recompensa passa a não ser mais a principal fonte de atração, dando lugar a princípios alinhados. Ou seja, a companhia não precisa brigar por talentos, nem pagar salários maiores para atraí-los: os profissionais a buscam muito mais pelo propósito. Além disso, há indicadores que afirmam que é possível diminuir a rotatividade anual em até 69% – já que as contratações têm profundidade e match de valores – e ampliar o engajamento dos funcionários em 37%. “Na prática, uma marca definida clareia os objetivos da companhia, melhora a reputação, permite que a busca por talentos seja mais certeira e consequentemente alavanca o negócio”, diz Vitorio Bretas, diretor-sênior da consultoria.
Dentro de casa

Como bem explicou Troiano, o trabalho de construção da reputação com base nos valores da marca começa no ambiente interno. “Os funcionários são os primeiros consumidores de uma marca e os maiores embaixadores da companhia. Mas, para que essa ligação seja positiva deve ser verdadeira”, diz Jacqueline. Essa é a aposta da Cargill no Brasil. A companhia faz questão de que os dez mil funcionários sejam sempre os primeiros a ter conhecimento das novidades e mudanças, mantendo-os informados sobre o setor. “Este público é o principal porta- -voz da empresa”, diz Luciane Reis, diretora de comunicação da Cargill.

 

“Consistência na narrativa e discurso alinhado às atitudes são fundamentais para intersecção entre marca e reputação”

 

Além dos colaboradores, os líderes são fundamentais para ajudar no alinhamento entre marca e reputação e têm papel decisivo na construção, proteção e manutenção da imagem das empresas. Mas, Troiano chama a atenção para um ponto: Para isso, a Cargill prepara os principais executivos da empresa para participar deeventos e premiações e contribuir com os veículos da imprensa brasileira e internacional. “O executivo é uma representação e uma extensão da companhia. O que eles dizem, e mais importante, o que fazem, representa a marca e cria impactos, tanto de forma positiva quanto negativa”, diz Cristina, da Edelman.

Por isso, os profissionais de comunicação precisam estar atentos para garantir que o discurso e as ações dos executivos estejam sempre alinhados à marca e não comprometam a reputação. Programas como media training e executive positioning, por exemplo, identificam territórios de atuação, protagonismo e os meios e narrativas de como podem fazer isso. Esse trabalho inclui um planejamento com diagnóstico da marca, entrevistas com clientes e executivos da empresa, além de um plano de canais e conteúdos – sem esquecer da gestão de eventuais crises, claro.

A área de comunicação é a responsável por capitanear os esforços e contar as histórias para o mercado por meio de narrativas verdadeiras e de fácil compreensão. Além disso, o processo de manutenção da marca inclui tarefas como encontrar os fóruns e conversas corretos para estar presente, a fim de posicionar a companhia com relevância na área de atuação. “A forma como nos comunicamos com nossos diversos públicos – interno e externo – é fundamental para garantir a boa reputação. As campanhas, iniciativas e mensagens são analisadas, levando em consideração objetivo e público-alvo para, então, definir a melhor estratégia para cada uma”, afirma Carime Kanbour, gerente de comunicação, relações institucionais e parcerias para o desenvolvimento sustentável da Klabin. Segundo ela, além desse diálogo bem afinado, o valor de uma marca pode ser medido a partir das ações realizadas e seus impactos no mercado e na sociedade e do posicionamento em questões como responsabilidade social e ambiental, oferta de produtos e serviços, e ética na maneira de atuar.

Isso quer dizer que os profissionais de comunicação devem realizar programas de relacionamento consistentes de acordo com a visão e propósito da empresa, além de produzir conteúdos verdadeiros e transparentes sobre as ações realizadas para criar e manter a aproximação das empresas com seus públicos de interesse. “Uma comunicação voltada para compartilhar o propósito faz toda a diferença: quando um grupo se identifica com uma marca, ele não só consome e compartilha suas ideias, como também a defende em momentos de crise”, diz Cristina, da Edelman.
O que as empresas estão fazendo?

Na Mercedes-Benz do Brasil, presente há mais de 60 anos no País, convidar colaboradores e clientes para dialogar e ajudar na tomada de decisões é a aposta para reforçar a marca e garantir uma boa reputação. “Todos os processos internos das unidades de negócio no Brasil (Caminhões, Ônibus, Vans e Automóveis) são renovados periodicamente, o que nos aproxima de nossos colaboradores e estreita a parceria”, diz Luiz Carlos Moraes, diretor de comunicação corporativa e relações institucionais da companhia. Para ele, estar perto dos clientes também é uma forma de disseminar os valores. “Levamos a sério o nosso slogan de caminhões (As Estradas falam. A Mercedes-Benz ouve)”, afirma. Com a troca de informações constante nas relações internas e externas, a empresa visa garantir uma boa reputação no mercado.

Outra estratégia é apostar na realização de um trabalho próximo com os colegas da imprensa. “Isso garante a construção de uma boa reputação corporativa e auxilia na disseminação de boas práticas e soluções para nossos clientes”, diz Moraes. Segundo ele, ao ouvir os clientes e estar próximo dos colaboradores, o caminho para uma boa reputação fora dos portões da empresa é mais “pavimentado”. “Por meio de campanhas de marketing, engajamento digital e comunicação direta com a mídia, conseguimos criar bases para uma reputação consolidada”, diz o diretor.
Mas é preciso ficar atento às mudanças trazidas pela transformação digital, que está para mudar a forma como as empresas se posicionam e se relacionam com clientes e públicos de interesse, como reforça Regina Moura, diretora de comunicação corporativa, digital, eventos e viagens da Roche Farma Brasil.

“Os profissionais de comunicação precisam garantir que o discurso e as ações dos executivos estejam alinhados à marca”

 

Para ela, o momento é desafiador para o alinhamento de marca e reputação, mas traz oportunidades interessantes tanto para o marketing, quanto para a comunicação corporativa. “Estamos em uma constante busca por narrativas criativas, genuínas e simples para posicionar a empresa, o compromisso e ações em um mercado amplamente regulamentado”, diz.

Para manter a reputação e garantir os valores da marca, a empresa busca entender como os pacientes se comportam nas redes sociais e nas plataformas virtuais. “A partir dessa compreensão, construímos conteúdos efetivamente relevantes para a jornada deles na saúde, e os abordamos em canais diversos, seja na imprensa e no relacionamento com influenciadores, seja em canais próprios”, diz Regina. “Além de divulgar informações, acima de tudo, praticamos o que consideramos essencial quando se trata de uma empresa focada em pessoas: estimulamos o diálogo”, completa.

E a Roche tem motivos para celebrar quando o assunto são os atributos da marca: 96% dos colaboradores identificaram o propósito como a principal narrativa corporativa da empresa, de acordo com pesquisa anual de comunicação interna realizada recentemente. Em dezembro de 2018 a Roche lançou o programa de Employee Ambassadors (Colaboradores Embaixadores), em que seleciona e prepara alguns funcionários para atuar como embaixadores da marca e da reputação.
É comum, também, que as companhias usem fontes de monitoramento como Love Mondays, Glassdoor e pesquisas para medir a reputação. Desde 2008, a área de comunicação corporativa do Itaú Unibanco, com o apoio do Reputation Institute, monitora a reputação do banco a partir da perspectiva do público geral, utilizando a metodologia RepTrak. Segundo Leandro Modé, head de comunicação corporativa e reputação da instituição, este ano, o monitoramento foi ampliado, passando a incorporar a ótica de diversos stakeholders, e customizado com atributos específicos de acordo com a realidade do banco. “Com isso, são obtidas avaliações e percepções sobre atributos estratégicos, o que permite a análise e o planejamento de ações da comunicação corporativa com diversas áreas do banco que priorizem necessidades específicas e mitiguem riscos”, explica.
O desafio está em criar um vínculo emocional com os consumidores. “Nós, enquanto instituição financeira, estabelecemos por natureza um vínculo mais racional. Por isso, temos o desafio de construir relações cada vez mais significativas”, afirma. Uma das frentes de atuação para criar laços é a pauta da diversidade, que ganhou relevância e passou a integrar as prioridades do Itaú Unibanco. Além disso, o banco lançou recentemente, o ‘Vou como Sou’, programa que elimina regras de como as pessoas devem se vestir no trabalho. “Temos o desafio diário de garantir que nossa reputação leve um investidor, cliente ou colaborador a recomendar nossos produtos e serviços”, finaliza o executivo.

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