Em outubro de 2017 a internet brasileira literalmente “quebrou” com um relato jornalístico nada convencional. Veio das páginas (digitais) do escritório brasileiro do BuzzFeed News, empresa norte-americana de mídia de notícias, que fez sua marca na internet ao trazer memes e notícias produzidas com rapidez e alto grau de compartilhamento. O impacto veio, literalmente, das ruas. Com a reportagem “Fofão da Augusta? Quem me chama assim não me conhece”, o repórter Chico Felitti deu voz e vida a uma personagem muito marcante do ambiente urbano de São Paulo. Em um texto longo, com uma estrutura que seria inviável em um jornal e, provavelmente, exigiria bastante planejamento em uma revista, a narrativa descreve a biografia desse morador de rua: detalhes de seu cotidiano e, de forma tocante, seus últimos dias antes de morrer.
Há jornalismo, literatura e blog nessa experiência. O sucesso foi instantâneo – não era preciso ser de São Paulo para ler e, principalmente, compartilhar a história do Fofão da Augusta. Os resultados vieram em dois momentos: no imediato, por meio de uma viralização de conteúdo rápida; e, posteriormente, na forma de prêmios – a reportagem levou o Prêmio Petrobras de Jornalismo, justamente na categoria Inovação e Felitti ganhou o Prêmio Comunique-se na categoria Mídia Escrita. Uma plataforma digital, um texto fluido narrado com trechos em primeira pessoa, uma estrutura que usa e abusa de fotografias, seja de arquivos, redes sociais ou produzidas especialmente para o conteúdo.
Quais são as possibilidades das novas narrativas no jornalismo e como essas inovações na tradicional arte da reportagem estão ajudando a manter e a atrair novos leitores? Essas foram as perguntas que Negócios da Comunicação fez a jornalistas de diversas editorias que, em comum, receberam o Prêmio Especialistas 2018, que é baseado em uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos da Comunicação (CECOM) e está na 4ª edição. Saiba mais em https://premioespecialistas.com.br.
Inovar sem perder o conteúdo
O tema Educação entrou em pauta na vida profissional de Antônio Gois em 1996. Desde então, ele vem fazendo coberturas em diversos veículos e plataformas sobre assunto, tão presente na vida do brasileiro. Atualmente, Gois assina uma coluna no O Globo, jornal em que também toca um blog como um “espaço usado para debater educação”. Na TV, é comentarista do Canal Futura. Sobre o desafio de produzir conteúdo na era das fake news que, inclusive, muitas vezes utiliza como tema a própria educação, o jornalista afirma que é uma jornada parecida com a enfrentada em outras editorias. Porém ele chama atenção para um ponto. “Mesmo os brasileiros mais escolarizados têm pouco conhecimento e, muitas vezes, formam opinião a partir do senso comum. Isso sem falar que a maioria se sente especialista por já ter sido aluno ou por ser pai de aluno”, diz. Segundo ele, em um mundo no qual as redes sociais transformaram o internauta em um emissor e produtor de mensagens, apenas o nome de uma empresa de comunicação não é mais suficiente para atrair e fidelizar leitores.
“A chancela de um grande veículo ainda é forte e abre muitas portas, mas hoje em dia é preciso gerar bom conteúdo de uma maneira inovadora”, ressalta Gois. Como exemplo, ele cita uma infografia desenvolvida no site do O Estado de S. Paulo sobre educação. “Durante as eleições deste ano, a equipe do jornal fez uma série bem bacana e amigável para a plataforma de smartphones sobre o que os candidatos diziam sobre educação”, conta. Nesse, texto, fotos, gráficos e animações são sobrepostos, tela a tela, identificando de forma rápida e direta quais as propostas de cada candidato para esse assunto. (Acesse o infográfico neste endereço https://goo.gl/9f1QvB).
Experiência complementar
As novas plataformas digitais trouxeram mudanças drásticas em diversos setores e editorias do jornalismo. O segmento de turismo é um deles. Diante da proliferação de sites que permitem ao usuário publicar suas considerações sobre cada destino, como chamar a atenção para as reportagens de mais fôlego? Angélica Santa Cruz, diretora de redação da Viagem e Turismo por cinco anos e hoje na operação digital da editora Abril, ressalta que as plataformas de avaliação dos viajantes e o jornalismo de viagem são coisas bem diferentes, apesar de complementares. Para ela, o jornalismo de viagem se define por produzir conteúdo com rigor de apuração e detalhes, desempenhado por jornalistas especializados para essa função. “Quanto maior esse rigor, mais as pessoas percebem a diferença entre a opinião dos usuários – que, diga-se, é extremamente preciosa – e a boa reportagem de viagem, que tem a função de inspirar o viajante a sair do sofá e de ajudá-lo em todas as fases do passeio”, afirma.
Conteúdos que misturam beleza, boas imagens e serviço são as apostas da Viagem e Turismo”
Nesse sentido, a revista aposta em conteúdos que misturam beleza, com boa edição de imagem, conteúdo e serviço. A maioria das matérias mostra personagens e algumas são escritas em primeira pessoa, o que aproxima o jornalista do leitor. Mas é preciso, também, abraçar o novo. Nesse sentido, a revista, que há pouco passou a ser 100% digital, se integra com o que é publicado nas redes sociais, seja pelo uso de recursos narrativos ou por hashtags, blogs etc. “Qualquer veículo de comunicação que fique encastelado, cheio de verdades absolutas, tende a flopar”, afirma.
Novas plataformas, as boas práticas de sempre
José Paulo Kupfer iniciou a carreira no jornalismo impresso na extinta revista Fatos & Fotos, nos anos 1960, e deixou seu nome marcado em diversas participações nos principais veículos do Brasil – como, por exemplo, na equipe que ajudou a desenvolver o caderno de Economia & Negócios de O Estado de S. Paulo. No entanto, desde 2002, uma outra linguagem passou a existir, diariamente, nos meios de produção do veterano colunista: o digital. Surgiu em 2002 o NoMínimo, um portal brasileiro de ideias que perdurou até 2007 e que reunia desde nomes de peso da comunicação, como Pedro Doria, Zuenir Ventura, Tutty Vasques, Arthur Dapieve, até novatos que ali despontavam suas letras. Kupfer integrou o time e nunca mais deixou de publicar na internet. Mais recentemente, passou aos vídeos curtos de análise econômica, publicados com regularidade na TV Estadão, além de estar entre os colunistas do site Poder360, um veículo de jornalismo nativo digital, independente, que publica diariamente textos, fotos, vídeos e newsletters.
Infográfico, podcast e reportagem interativa são algumas das ferramentas das narrativas atuais”
“Acho que são veículos diferentes, mas o conteúdo é basicamente o mesmo”, conta, dizendo que, inclusive o número de acessos, no seu caso, está menos ligado à plataforma e mais à pauta que ele está desenvolvendo. Para ele, o que mais atrai leitores – novos ou não – é a forma como o assunto é produzido pelo jornalista. “É o que afirmo há anos: pauta e conteúdo. Quanto mais estreita for essa ligação, maior será o alcance do que é produzido”, diz. Algo que mudou, segundo ele, é a forma como pesquisa e produz os materiais. “Hoje tenho um monte de ferramentas online para pesquisar dados de arquivos, referências e, até, questões ligadas à gramática e regência verbal – no passado, em caso de dúvida, eu pegava o telefone e ligava para minha sogra, Maria Estela, que era professora no Liceu Pasteur”, brinca.
Sobre o fenômeno das fake news, Kupfer tem uma opinião de que o jornalismo deve continuar com o que faz de melhor: apurar, filtrar, peneirar e oferecer uma versão sustentável de um texto. “Nosso trabalho não é combater essa difusão de notícias falsas, mas oferecer alternativas consistentes de informação para os leitores”, conclui.