Os canais não param de aumentar. O pacote já numeroso incluía os veículos de comunicação tradicionais como TV, rádio e impressos, e o dinamismo 24 horas do jornalismo on-line ampliaram as demandas e reduziram os prazos. Isso somado a maturação das redes sociais que deu origem a uma nova categoria de produtores de conteúdo. No entanto, a porta para contato em grande parte das empresas continua sendo única e a pergunta constante: o que entra e o que sai?
“Até pouco tempo atrás, as demandas chegavam apenas por e-mail ou telefone”, relembra Deborah Encarnato, gerente de Comunicação do Grupo Caoa. Hoje, o leque de solicitações para os porta-vozes de uma empresa estão bastante ampliados (e amplificados). “O que levamos em consideração é atender a todos com agilidade. Assim que recebemos as pautas avaliamos se é algo que conseguimos responder via assessoria ou se há necessidade de consultarmos o executivo da área em questão”, pontua. Em linhas gerais esse parece ser o grande desafio tanto de quem pede quanto de quem responde pelas informações.
AGILIDADE
“Na época em que havia apenas o impresso por exemplo, havia um tempo para o gerenciamento da crise que seria bombástica apenas na edição do dia seguinte – hoje todo esse ciclo da informação acontece em um prazo máximo de duas horas”, endossa Fernão Silveira, diretor de Comunicação da Ford na América do Sul. Em tempos de efervescência nas plataformas, Silveira indica total sintonia interna com os departamentos de Marketing e Mídias Sociais da empresa, para monitorar e responder a demandas que venham de canais especializados no YouTube ou Facebook.
Para o gerente de Comunicação Corporativa da BRF, Miguel Jimenez, em meio a tantas demandas é fundamental um procedimento que organize esse fluxo. “Nossa empresa dispõe de um departamento interno responsável pela coordenação da comunicação corporativa, com atendimento à imprensa e influenciadores digitais, estratégia global da marca corporativa e manutenção das redes sociais e sites institucionais”, enumera. Apesar de realizado internamente, o andamento das demandas recebe apoio de parceiros externos e a eficiência pode ser avaliada por meio de métricas produzidas por ferramentas digitais que avaliam o desempenho da companhia nos veículos de imprensa e redes sociais.
Na Petrobras, atendendo às premissas do Plano de Negócios e Gestão da companhia, o foco do relacionamento com as demandas de comunicação é a transparência. O atendimento é centralizado em uma gerência setorial, que conta com uma equipe de assessores para apurar e responder às demandas, além de organizar entrevistas, coletivas e visitas a unidades. “Nosso objetivo é manter um diálogo transparente, respeitoso e proativo
não apenas com a imprensa, mas com todos os nossos públicos”,
respondeu a companhia.
Para o chefe de Imprensa do Grupo Siemens do Brasil, José Gonçalves Neto, na hora de priorizar o atendimento está em jogo, também, defender a credibilidade. “Essa função ganha ainda mais peso num mundo povoado por excesso de informação, muitas delas pouco relevantes, e pela presença de fake news”, pontua. Para Gonçalves Neto, a figura dos jornalistas pode até não ser mais a única fonte de informações, “mas, sem dúvidas, é o principal filtro daquilo que importa e os jornalistas cada vez mais ganham importância pela credibilidade e qualidade que colocam nas informações que chegam ao leitor”.
INTERFACE
Grande parte da dinâmica de planejamento de comunicação da assessoria de imprensa de uma empresa está destinada a atender as solicitações de jornalistas. Muitas vezes, essas demandas partem de profissionais especialistas, que necessitam de posicionamentos mais precisos e aprofundados – pois “conversam” com um mercado mais segmentado, de leitores que precisam ir além do que a mídia mais generalizada costuma publicar. No entanto, nem sempre esse fluxo transcorre da maneira mais rápida. “Muitas vezes os assessores trabalham mais como dificultadores do que facilitadores e, no afã de valorizar o cliente, podem se perder na estratégia.” O comentário vem da especialista na editoria de moda, apresentadora do GNT Fashion, Lilian Pacce. A jornalista, que também compartilha conteúdo no site que leva seu nome, ressalta que os assessores são figuras importantes para o melhor andamento da reportagem, mas critica que, em situações como a apontada anteriormente, eles “se desesperam tentando convencer insistentemente o veículo sobre a (ir)relevância da pauta”.
Gustavo Brigatto, especialista do jornal Valor Econômico na cobertura de eletroeletrônicos, comenta que, apesar de considerar positiva a comunicação com as empresas, é necessário repensar um pouco a relação. “Elas buscam falar dos assuntos que interessam a elas – crescimento, investimentos, perspectivas futuras – e isso significa que o volume de sugestões de pauta cresceu consideravelmente nos últimos tempos”, comenta. Por outro lado, ele aponta que, como as redações estão menores, “isso se traduz em mais tempo tentando separar o que merece ou não atenção e acaba tirando o foco de coberturas que poderiam ser mais interessantes”.
Alexandre Canazio, especialista na editoria de energia elétrica, do Canal Energia, acredita que as empresas ainda possuem uma “preferência pelos veículos tradicionais de comunicação”, tanto da parte dos profissionais da área quanto dos executivos. Na disputa pela audiência com canais digitais, na visão de Canazio, os veículos especializados sofrem menos pela credibilidade conquistada junto ao público.
A atuação profissional do especialista do setor financeiro José Paulo Kupfer, de O Globo, lhe permite falar sobre o papel da comunicação das empresas nos últimos cinquenta anos. “Posso lhe dizer que, lá atrás, no início desses departamentos, o papel deles era literalmente barrar a informação – isso começa a mudar a partir dos anos 1970”, conta. Kupfer encara como “ponto seminal” na evolução da comunicação corporativa o trabalho desenvolvido na empresa Rhodia, trajetória que é narrada no livro Portas Abertas, de Walter Nori e Celia Valente (1990). “De forma muito inovadora, essa empresa francesa utilizou seu departamento de comunicação para participar ativamente no debate político nacional”, explica.
Odete Duarte, diretora de Comunicação Corporativa da Rhodia, endossa: “A comunicação clara, transparente e assertiva é uma ferramenta indispensável para o posicionamento correto dessas mensagens para todos os públicos-alvos e, cada vez mais, é preciso ver, ser visto e destacar-se na multidão de marcas existentes no mercado”, diz. Em um ambiente de transformação, a comunicação empresarial vem ganhando novas formas de reforçar suas mensagens ao mercado. “Mais importante do que isso é assegurar a compreensão adequada das atividades da empresa, capturando as melhores oportunidades — o que só pode ser feito por meio de uma boa comunicação”, afirma Odete.
Essa opinião também é a do ex-editor do Jornal da Cana, Luiz Montanini — atualmente, na empresa Hoje Edições. Durante 15 anos, o jornalista especialista no setor sucroenergético, afirma que seu relacionamento “sempre foi pautado por receber atenção imediata por parte dos setores de comunicações das empresas e por suporte imediato no agendamento de pautas e de material fotográfico”.
As empresas ainda possuem uma preferência pelos veículos tradicionais. E na disputa pela audiência com canais digitais, os veículos especializados sofrem menos pela credibilidade já conquistada
RELACIONAMENTO
No fluxo da demanda, o ônus é inevitável, portanto, equilibrar a relação é mais do que necessário. “O contato com a imprensa e diversos formadores de opinião é frequente e fundamental para o nosso negócio – essa troca promove aprendizados que são alicerces da nossa evolução”, explica Caroline Muzzi, da Comunicação da Arezzo, que em 2017 completou 45 anos de história, marcada por um sólido relacionamento.
A Unilever reforça que o trato com stakeholders é prioridade estratégica para o negócio. “É fundamental para buscarmos uma atuação cada vez mais sustentável, inclusiva e que gere impacto positivo na sociedade – por isso, trabalhamos diariamente com transparência, agilidade e assertividade para atender as solicitações e criar conexões cada vez mais sólidas.”
O diretor de Assuntos Corporativos e Relações com a Imprensa da Volkswagen do Brasil, André Senador, afirma que a empresa também mantém uma busca constante de soluções inovadoras. “Uma iniciativa importante são os eventos de lançamento, nos quais procuramos adicionar ações capazes de transmitir informações de forma completa e detalhada”, exemplifica. Senador também comenta os workshops técnicos produzidos pela marca, esmiuçando todo o conteúdo técnico dos veículos, além de workshops de mídias digitais para jornalistas e influenciadores. “Vivemos hoje um momento marcado pelas ‘pós-verdades’ e o simples fato de saber que os veículos de imprensa contam com profissionais que checam suas informações, antes de publicá-las, já serve como um diferencial importante da imprensa”, avalia.
Na visão da porta-voz de Comunicação Corporativa da P&G, Valentina Menoni, a integração com esses públicos ajuda na construção da reputação de uma companhia inovadora e socialmente responsável. “Estamos sempre atentos às demandas do mercado e trabalhamos para garantir que a gente crie uma agenda positiva com esses públicos”, explica.
Ao longo dos anos, a MRV Engenharia estreitou seu contato com os veículos de imprensa para reforçar a imagem da companhia diante dos diferentes públicos. “Utilizamos estratégias para fortalecer a nossa marca, para publicizar os nossos empreendimentos e para divulgar as ações realizadas dentro da empresa, buscando sempre uma mensagem cada vez mais forte e expressiva, a fim de conquistar a identificação dos nossos stakeholders e gerar engajamento”, garante a gestora de Assessoria de Imprensa da MRV, Simone Maia.
DO OUTRO LADO
Se os novos tempos interferiram na maneira como as empresas recebem as demandas da imprensa e influenciadores em geral, o caminho inverso também foi proporcionalmente alterado. Cada vez mais, levar uma pauta corporativa aos melhores canais disponíveis está vinculado à organização desse processo, como complementa o gerente de Comunicação Corporativa do Grupo Petrópolis, Emerson Neves. “Para cada tipo de divulgação, criamos um plano estratégico específico, pois a avaliação deve se iniciar pela definição do público que queremos atingir com aquela notícia”, diz. A variedade de produtos oferecidos é um dos desafios da comunicação. “Temos um portfólio muito grande em vários segmentos de bebidas e sabemos que os públicos de cada produto, muitas vezes, são bem diferentes e se informam também por meios de comunicação distintos”, explica Neves.
Estudo semelhante é desempenhado no dia a dia das comunicações do Grupo CVC. De acordo com a gerente de Comunicação Corporativa, Assessoria de Imprensa e Patrocínios Incentivados da organização, Priscila Bures, existe um mapeamento capilarizado das necessidades de divulgação da empresa. “Trabalhamos com uma agenda de temas de acordo com os interesses estratégicos de cada unidade de negócios e alinhada com o calendário sazonal de viagens em cada segmento”, diz. Ali estão as viagens de lazer, negócios, e as relacionadas a trabalho e estudo no exterior e as mídias escolhidas são definidas de acordo com o tema a ser repercutido e o universo que se quer atingir”, ressalta.
Nos trabalhos da Marfrig Global Foods, de acordo com a área de comunicação da companhia, também existe um direcionamento das mensagens entre os diferentes veículos. “Temos priorizado a grande mídia para divulgação dos resultados financeiros e posicionamentos estratégicos da companhia e levando a cada dia mais as ações com a sociedade e produtos, para as mídias sociais”.
Cada vez mais levar uma pauta corporativa aos melhores canais está vinculado à organização do processo
ALÉM DO RELEASE
Com o objetivo de proporcionar experiências e pautas exclusivas, a Pfizer desempenha atividades que, literalmente, ultrapassam os escritórios corporativos. A empresa organiza workshops periódicos para discussão de temas atuais com o jornalista e busca colocar esse profissional em contato com o que há de mais atual na comunidade científica em relação a doenças de alto impacto no país. Esses mesmos objetivos são compartilhados nas press-trips, que buscam proporcionar uma visualização prática aos repórteres sobre os temas que escrevem.
Em 2017, a empresa conduziu sete jornalistas em Portugal por um percurso de 300 quilômetros, com o objetivo de acompanhar os “passos” de uma enfermidade. “A proposta foi entender como uma doença rara migrou de uma pequena cidade na região do Porto para o Brasil – o trajeto terminou no Rio de Janeiro, onde a enfermidade, conhecida por polineuropatia amiloidótica familiar (PAF), é detectada em um centro de referência na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Ilha do Fundão”, detalha Cristiane Santos, gerente sênior de Comunicação.
Já Luciane Reis, gerente de Comunicação da Cargill, direciona à sua equipe, de forma direta, os canais escolhidos para cada tipo de divulgação corporativa. Para os jornais, ficam as divulgações factuais, acordos recém fechados e balanços anuais, por exemplo; no meio revista, são produzidos temas não factuais e entrevistas com executivos do primeiro escalão. “Para a TV, sugerimos pautas que rendem boas imagens e quando contamos principalmente com nossos clientes que podem servir como personagens para ilustrar histórias interessantes”, diz. A atuação da Cargill no rádio está voltada a podcasts e emissoras regionalizadas, em municípios em que esse é o veículo mais influente. “No YouTube, priorizamos a plataforma quando queremos atingir os produtores rurais e os mais de 10 mil funcionários espalhados pelas unidades da Cargill no Brasil”, explica.
No grupo O Boticário, assuntos específicos costumam receber uma estratégia mais direta e exclusiva, com revistas especializadas, coluna em jornal ou programa de televisão. “Acreditamos no alcance e na força do impresso, da televisão e de outros meios mais ‘tradicionais'”, conta Mariana Scalzo, gerente de Comunicação Corporativa do grupo. Além da imprensa, durante o ano de 2017 O Boticário passou a investir intensamente também em canais proprietários, no digital. “O objetivo é trazer nosso conteúdo da forma mais próxima e direta aos stakeholders”, diz. Sinal de que é possível sempre abrir novas portas.