Um relatório produzido na plataforma de pesquisa Google Trends mostra que, no Brasil, nos últimos cinco anos, aumentaram em 300% as buscas pelo termo “compliance” — principalmente acompanhado da expressão “o que é”. O crescimento do interesse reflete a constante presença do tema nos noticiários e conversas, que tem origem no inglês, como “comply”: ou seja, cumprir, obedecer, estar de acordo. Afinal, nunca se fez tão necessário agir e, principalmente, comprovar a conformidade com leis internas e externas no universo corporativo brasileiro.
Foi justamente o momento econômico do país o motivador para que a agência CDN Comunicação, em parceria com o Instituto IDEIA Big Data ouvisse 106 CEOs de todo o Brasil. A pesquisa apontou que, em comparativo aos últimos dois anos, o orçamento de comunicação direcionada à divulgação de políticas de compliance aumentou para 40% dos entrevistados.
“Para mais de 85% dos executivos ouvidos, a Operação Lava Jato colocou pressão nas empresas brasileiras para comunicar melhor suas políticas de compliance”, explica João Rodarte, presidente da CDN Comunicação. Com isso foram gerados programas sólidos e eficientes, herdados das matrizes internacionais, até mudanças drásticas, como é o caso da Odebrecht, que fez um aporte de R$ 64 milhões, em 2017, para implantação do sistema de conformidade em todas as empresas do grupo – em 2015, esse valor era de R$ 11,4 milhões.
Nos últimos anos, diante das denúncias contra a Odebrecht que vieram à tona em etapas da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, a empresa iniciou um intenso processo de transformação nas áreas de governança e compliance. “A determinação de virar a página e deixar no passado erros e atos não condizentes com as melhores práticas empresariais, reconhecidos publicamente, provocou e continua provocando mudanças que são acompanhadas pela implementação de novas políticas, controles e práticas de monitoramento”, aponta Olga Pontes, responsável sobre Conformidade da Odebrecht S.A. Os investimentos na área para esse ano foram direcionados a ações de esclarecimentos e disseminação de conhecimento como treinamentos, eventos e produção de conteúdo.
Comunicação
No entanto, o diretor de Compliance da SulAmérica, Reinaldo Amorim, garante que “só com comunicação é que tornamos as políticas efetivas, que é o objetivo primário do nosso programa”. Ano passado a empresa de seguros ganhou um prêmio de inovação no segmento, na categoria comunicação, justamente com um case que abordava uma campanha de divulgação das políticas de compliance, que teve aumento de 17% nas despesas.
Mas, segundo o executivo, não foi o acréscimo no orçamento o principal responsável por esse reconhecimento. “Entendemos que o segredo está em encontrar maneiras alternativas e eficientes de comunicação: buscamos sempre uma abordagem lúdica, com linguagem simples, direta e com humor para falar sobre o tema, facilitando o entendimento e estimulando a reflexão sobre o papel de cada um”, complementa Amorim.
As peças de comunicação em compliance na SulAmérica são apresentadas por meio de mensagens da alta administração, cartoons, vídeos, papel de parede dos computadores, quiz e cursos.
Diante do destaque cada vez maior dado ao tema no dia a dia dos meios de comunicação e, consequentemente, na opinião pública, é possível constatar que já foi a época em que um link no site corporativo bastava na divulgação da política de compliance de uma empresa. A fundadora e presidente da RP1 Comunicação, Claudia Rondon, reforça que “as práticas de compliance podem e devem ser, também, de responsabilidade das agências de comunicação”. Ela observa que a ênfase das empresas nesse ponto justifica-se pelo fato de configurar-se como um dos “grandes drives da gestão de reputação”. “Em um momento de crise ou de atuação mais sensível, a reputação é sempre a primeira a sofrer”, explica Claudia, que alerta: “tentar desvincular responsabilidade de empresa e de gestores é ainda mais danoso; esse despreparo pode arruinar em pouco tempo um trabalho de anos de atuação”.
Na CDN há um código de conduta, política anticorrupção e um canal de denúncia, aponta João Rodarte
Mirka, da Vale, fala da integração de áreas para divulgar a importância da ética e conduta dos colaboradores
Na AES Brasil, por exemplo, funcionários que acompanham o telejornal interno da companhia, periodicamente, são impactados com o tema desenvolvido em forma de reportagem. “Uma matéria sobre o assunto ‘Ética revista’ é gravada e transmitida a todos os colaboradores, principalmente os que atuam em setores operacionais”, exemplifica Mirla Prieto, gerente de relacionamento com a Imprensa, Gestão da marca e Comunicação. O trabalho de aproximação com os temas de compliance, segundo a gerente, já ocorre na integração dos novos colaboradores, que recebem um cartão-crachá, que carrega os valores da empresa e, ainda, os contatos da AES Helpline, um canal exclusivo para questionamentos sobre ética e relacionados aos valores da empresa.
Na Vale, a área de Comunicação trabalha em parceria com a Ouvidoria e o setor de Integridade Corporativa, que são os órgãos que promovem as ações de compliance como o código de ética e conduta e programas anticorrupção. “A área de comunicação interna propôs, há três anos, o ‘Movimento pela Integridade’, para mostrar o quanto é importante que cada um entenda que devemos ser exemplo de ética e conduta e que isso é maior do que apenas fazer nossas atividades de forma correta”, pontua Mirka Schreck, gerente de Comunicação. A proposta alcançou, apenas em 2017, 60 mil empregados globalmente, um registro de aumento em 32% em relação ao ano passado. O tema também é abordado em postagens no Facebook da corporação, com um alcance de 91 mil pessoas impactadas externamente. Nos veículos internos, as 25 matérias feitas sobre o evento tiveram resultados expressivos, com mais de 6 mil visualizações.
Controle
Até o ano de 2011, a Pfizer Brasil mantinha as demandas de compliance aos cuidados do departamento jurídico. “Após esse período, foi contratado um líder, responsável por manter o programa de forma mais robusta e efetiva, o que inclui cultura, treinamento, comunicação clara e objetiva, bem como melhoria dos processos e procedimentos”, explica Ciro Mortella, diretor de Assuntos Corporativos. Em 2013, a companhia lançou um programa de embaixadores, com o objetivo de promover e multiplicar a cultura de compliance, primeiramente, dentro da empresa, por meio da Política Anticorrupção Pfizer. “Cerca de 50 colegas de diversas áreas do escritório e da fábrica foram capacitados para atuar como embaixadores, esclarecendo sobre áreas de riscos, incentivando colegas a solicitar orientação, feedback e instruções”, ressalta Mortella.
Já no Grupo Odebrecht, a tarefa de abordar o tema fica a cargo de nove Chief Compliance Officers (CCOs), que são ligados ao Conselho de Administração de cada uma das empresas. Olga ressalta que o objetivo é ampliar ainda mais o quadro de pessoas nesses setores. “A área de conformidade contava com 30 profissionais em 2015 e aumentou esse número para 49 em janeiro de 2017 – até o final do ano, deve chegar a 60 pessoas”, afirma.
Mirla ressalta o canal AES Helpline, exclusivo para questionamentos sobre ética e os valores da empresa
Em meio à crise institucional, no final de 2016, o grupo aprovou o documento Política sobre Conformidade, com 65 páginas e regras detalhadas sobre a postura dos funcionários tanto internamente quanto nas relações com clientes, fornecedores e, “principalmente”, com os agentes públicos. “É uma proposta moderna, com orientações sobre práticas anticorrupção, lavagem de dinheiro, conflitos de interesse, relacionamentos com fornecedores e acionistas”, comenta Olga, da Odebrecht. Outro nome que figura nos noticiários, o Grupo JBS também tem tomado providências nas áreas de governança, profissionalização e compliance. Em comunicado da empresa enviado à revista, a companhia anuncia decisões tomadas pelo seu Conselho de Administração ligadas ao tema.
O informativo anuncia o Plano de Trabalho do Programa de Compliance Faça Sempre a Coisa Certa, proposto e apresentado por Marcelo Proença, diretor Global de Compliance da JBS S.A., e com o suporte e assessoramento do escritório White & Case LLP. A empresa ressalta que o objetivo da proposta é o de “assegurar que a JBS tenha o melhor Programa de Compliance Global da categoria com o objetivo de restabelecer a confiança de seus stakeholders”.
A Petrobras, por sua vez, lançou uma campanha publicitária, cujo objetivo é mostrar transformações que estão ocorrendo na gestão da companhia. Além de vídeos para TV por assinatura e internet, anúncios impressos e posts na internet, a proposta tem, ainda, um espaço online, no endereço www.petrobras.com/seguindoemfrente, no qual são enumeradas as medidas instituídas para fortalecer a governança e controle interno. O gerente executivo de Comunicação e Marcas da Petrobras, Diego Pila, afirma: “Apresentar de forma clara as mudanças pelas quais estamos passando é uma forma de reforçar nossos valores de ética e transparência e mostrar para a sociedade que continuamos caminhando rumo à nossa recuperação”.
Beatriz, da Planin: é importante divulgar para o público externo as ações de compliance e resultados
Mortella conta que foi criada a Política Anticorrupção Pfizer, que promoveu a cultura de compliance na empresa
Normas
“Assim como as empresas brasileiras sabem que é importante ter um bom programa de compliance, também entendem que é indispensável divulgar isso.” A fala é de Jorge Hage, ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), que atualmente é um dos sócios da Hage, Navarro, Fonseca, Suzart & Prudêncio, assessoria em compliance com sede em Brasília. Na visão do consultor, a expertise dos departamentos e agências de comunicação é fundamental no processo em três níveis: internamente, para que os colaboradores tenham conhecimento dessas políticas e incorporem esses valores a sua cultura do dia a dia; de forma externa, dirigida aos fornecedores e demais integrantes de sua cadeia de valor; ainda externamente, à sociedade em geral, ao mercado e às autoridades.
Hage delimita que a valorização do conceito nos últimos anos motivou-se, “de um lado, pelo fortalecimento de instituições, como o Ministério Público (MP), a Polícia Federal (PF), a Controladoria Geral da União (CGU) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e, de outro, o crescimento do padrão de exigência da sociedade, ampliado pelo intenso uso das redes sociais”. Para exemplificar esse endurecimento na fiscalização, o ex-ministro cita a criação de medidas como a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.257/2011), a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) e a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016).
“Junto com o lado repressivo, vieram os estímulos à adoção do compliance pelas empresas como a melhor forma não só de evitar incorrer em ilicitudes, como, no caso de isso vir a acontecer, atenuar as penalidades”, pontua Hage. O advogado David Rechulski, pioneiro na área de Criminal Compliance, atua desde os anos 2000 na estruturação de estratégias para implementação de ações voltadas à prevenção e à gestão de crises por reflexos criminais no ambiente empresarial. Para ele, os departamentos de comunicação “são fundamentais para que se estabeleça uma cultura de compliance, em lugar de apenas existir um punhado de regras de conduta num livreto abandonado sobre a mesa”, diz.
Para Saud Neto, docente da FGV, “o fato de o tema dominar o noticiário faz com que os conceitos relacionados à integridade – que faz parte do compliance, embora seja usada como sinônimo – passem a ser muito mais conhecidos”. Já Beatriz Imenes, vice-presidente da agência Planin, diz que o tema compliance faz parte do dia a dia do atendimento aos clientes em diversas possibilidades. “Temos, por exemplo, as empresas de capital aberto que atendemos e nas divulgações de resultados trimestrais, as ações de governança são sempre enumeradas, geralmente pelos diretores de RI”, conta.
Para Claudia Rondon, da RP1, o compliance é um dos grandes drives da gestão de reputação das empresas
Schiavoni, da Weber Shandwick, investe em ferramentas tecnológicas para solucionar situações de crise
Aproveitando o contato direto com os executivos das companhias, a agência os orienta para que, sempre que possível, divulguem e ressaltem as ações de compliance aos públicos externos, da forma mais transparente possível, seja em entrevistas, palestras ou eventos. “Há casos em que inserimos as normas de compliance nos manuais de comunicação e realizamos treinamentos de imprensa para os porta-vozes, pois, muitas vezes, a companhia possui normas e regras a serem seguidas nesses procedimentos”, explica Beatriz.
João Rodarte cita a abordagem do próprio modelo adotado pela agência CDN, que possui código de conduta, política anticorrupção e canal de denúncia. Funcionários recebem treinamento para fazer uso correto dessas ferramentas e a comunicação é a plataforma para que tudo seja acessível e compreensível a todos os níveis de colaboradores do grupo. Essa proposta de interação é estendida, também, a todos os clientes. “É fundamental para dar veracidade e coerência às regras, multiplicadas e reconhecidas pelos colaboradores, fornecedores e outros públicos como representativas dos valores e princípios da empresa e das pessoas que fazem da companhia o que ela é”, explica.
Na opinião de Salim Jorge Saud Neto, professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), o conceito que define compliance é o que representa a busca pela conformidade com as normas que regulam as áreas de atuação das companhias. “Uma pessoa jurídica que se apresenta com políticas e procedimentos internos que lhe confiram transparência e restrinjam ao máximo práticas indesejadas ganha um ativo intangível fundamental: atratividade”, resume.
Na Samsung foi criado há um ano um comitê para conhecer as melhores práticas do mercado, conta Stradioto
Na Rhodia, áreas de comunicação e jurídica trabalham juntas em treinamentos internos com o pessoal
CEO da agência Weber Shandwick, José Luiz Schiavoni ressalta que, apesar de os escândalos serem potenciais motivadores, o conceito de compliance é muito mais amplo e presente no dia a dia das corporações. “Uma empresa que fica três dias sem conexão com a internet e, por isso, deixa de atender seus clientes e parceiros, tem de abrir uma investigação interna para constatar o que deixou de ser investido no seu departamento de TI. Isso é compliance!”, exemplifica. No Brasil e, também na América Latina, a agência já tem desenvolvido treinamentos e aplicações que contemplam a área de conformidade. “Há duas soluções como o Fire Bell, que auxilia grupos multidisciplinares a lidar com mídias digitais e o Mobile Command, que lida com o gerenciamento de crise a partir de smartphones — ambas as ferramentas apresentam módulos dedicados ao compliance”, garante o CEO.
Na Huawei, além da área jurídica, o departamento de Relações Públicas e Comunicações efetua um aconselhamento na condução das medidas. “Temos realizado comunicações com funcionários por canais tradicionais internos, além de ações educativas como workshops com especialistas do setor”, ressalta Vinicius Fiori, gerente de Relações Públicas. Ainda no âmbito de propostas que partem da matriz internacional, a Atlas Schindler também executa planos de ações que constituem a filosofia do grupo, como conta Marici Santos, diretora de Instalações Existentes e Modernizações da empresa. “Todos os colaboradores são informados sobre o código de conduta por meio de comunicações internas e da realização semestral de verificações, com questionários específicos, sobre situações que devem ser observadas”, conta.
Ações educativas com os colaboradores também acontecem na Huawei, afirma Vinicius Fiori
Prática
Na Samsung, as atividades de prevenção incluem educação dos funcionários, distribuição de manuais sobre conformidade, autoinspeções e operação de um help desk criado para responder dúvidas sobre o tema. “Há cerca de um ano, criamos o Corporate Relations Committee (CRC), com o objetivo de conhecer as melhores práticas em termos de gestão de pessoas e, assim, aprimorar as relações com seus colaboradores, bem como o clima organizacional”, diz Pyter Stradioto, diretor de compliance da Samsung América Latina.
Ano passado, a Rhodia abordou a questão do assédio moral em seus treinamentos internos que, em 2017, deram lugar aos temas: práticas antissuborno e anticorrupção. “A área de comunicação é responsável por coordenar, junto ao jurídico, campanhas internas de conscientização de boas práticas e também de incentivo à participação nos treinamentos preventivos oferecidos pelo grupo, além de divulgar os canais de denúncia, o código de conduta e as políticas internas”, explica a diretora de comunicação corporativa do Grupo Solvay (proprietário da Rhodia) na América Latina, Odete Duarte.
Para Márcio Victer, diretor de Comunicação Institucional da Queiroz Galvão, há um processo de aprendizado em andamento que “certamente fará as empresas e o país evoluírem substancialmente nesse tema”. Na visão dele, compliance tende a ter cada vez mais valor para a imprensa. Novas matérias e artigos serão escritos, com diferentes enfoques e nesse contexto, as empresas poderão contribuir colocando à disposição seus cases e oferecendo interlocutores preparados para tratar do assunto.