O legado de Mino Carta

Jornalista e editor, falecido em 2 de setembro, defendeu a ética como princípio fundamental do jornalismo

Enquanto boa parte da imprensa ficou calada, e até mostrou certa simpatia pelas pautas da extrema-direita brasileira, que prega um falso liberalismo e fomenta o ódio e o preconceito como armas políticas – a ainda flerta com o fascismo e o nazismo -, e não se importou e até reproduziu diariamente o discurso autoritário de líderes agora condenados pela Justiça, Mino Carta manteve um jornalismo pautado na ética, na coerência, na defesa da democracia e do estado de direito e da cobertura crítica.

Foi responsável pelo surgimento de publicações notáveis que marcaram época, como as revistas Quatro Rodas (1960), Veja (1968), Isto É (1976), Carta Capital (1994), sem esquecer do lendário e inovador Jornal da Tarde (1996).  Essa sequência de datas tem a ver com sua carreira de lutas e defesa intransigente da democracia, e pagou na pele com inúmeras demissões e tentativas de calar sua voz e deter sua escrita objetiva, coerente e visionária, que influenciou uma geração de jornalistas brasileiros. Além da Carta Capital, outro veículo independente e empreendedor foi o breve Jornal da República (1979), em parceria com seu amigo e jornalista Claudio Abramo e com o empresário Domingos Alzugaray.

É quase uma vergonha nacional que esse italiano, nascido em Gênova, cuja família de jornalistas que combateu com ideias o fascismo europeu e migrou para o Brasil em 1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial (o pai e o avô materno – Luigi Becherucci – eram jornalistas. Luigi Becherucci foi diretor de um jornal genovês até ser afastado do cargo durante o período fascista italiano. Seu pai, Giannino, foi preso em abril de 1944 devido à ferrenha oposição ao regime de Benito Mussolini) tenha nos ensinado a defender a pátria e fazer do jornalismo uma fronteira contra o autoritarismo e a violência de estado, como a Ditadura Militar, da qual foi um crítico intransigente. Mino Carta morreria de novo se visse os “patriotas” de direita negarem o dia da Proclamação da República do Brasil, no 7 de setembro deste ano, e estenderem um enorme bandeira americana na avenida Paulista, em São Paulo.

Não foi uma trajetória fácil. Mas não se rendeu com seu espírito empreendedor de editor nato. Sua revista, Carta Capital, completou 31 anos em 2025, e sua própria existência ajudou a pautar a chamada grande mídia e balizar a questão ética. Faleceu aos 91 anos e nunca havia pensado em se aposentar.

Seu legado está vivo na cobertura objetiva e apartidária que está presente no trabalho de inúmeros jornalistas brasileiros. Seu espírito empreendedor na criação de publicações à frente de seu tempo, também inspira uma nova geração, agora com as possibilidades do mundo digital.

TV Cultura reprisa

Entrevista concedida pelo fundador da revista Carta Capital ao Provocações, com Antônio Abujamra. A edição, exibida em março de 2011, foi reprisada após a morte de Mino Carta.

A TV Cultura reprisou uma antiga entrevista com Mino Carta no Provocações.  O Provocações começa com o entrevistado dizendo: “O jornalista deveria ter ética. No Brasil essa é uma qualidade rara”. Mas não para por aí. Jornalista nascido na Itália e residente no Brasil há 60 anos, Mino Carta, abriu o jogo e explicou como foi a censura de imprensa na época da ditadura brasileira: “Está na hora de contar essa história!”.

Mino afirmou que à exceção do jornal O Estado de S.Paulo, que sofreu uma censura leve, nenhum outro jornal sofreu nenhum tipo de censura. “Os demais jornais não foram censurados, é uma piada, uma mentira da grossa!” e ainda: “Não houve censura no JT, na Folha, no Jornal do Brasil… Apenas na Veja que eu dirigia!”.

Falando de sua carreira, Mino Carta disse que por um grande período agiu como um mercenário, trabalhando para quem lhe pagasse – como por exemplo na criação da Quatro Rodas, uma revista sobre automóveis, os quais Mino afirma nunca ter pilotado.

A respeito da internet, disse: “Eu não chego perto de um computador. Tenho certeza que se eu chegar muito perto ele me come”. Mas Mino não acreditava que a internet acabaria com o jornalismo tradicional e criticou a postura dos jovens de hoje, dizendo que eles estão muito presos a esse tipo de meio de comunicação.

Depois de tantos anos vivendo no Brasil, Mino Carta expõe suas emoções cívicas em relação à terra natal: “A Itália de hoje me causa profundo aborrecimento”, disse isso referindo-se a Silvio Berlusconi, que considera o grande “clown” (palhaço) do mundo, e ao povo italiano que vota nele.

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