Comunicação em tempos de tensão – desafios corporativos na era da desordem mundial

Debate de conjuntura global aconteceu durante o Aberje Trends 2025, realizado em São Paulo

O mundo está numa desordem política, econômica e social? A tese é um certo exagero, mas o fato é que vivemos numa era de incertezas, termo cunhado por John Kenneth Galbraith no  livro “A Era da Incerteza” (The Age of Uncertainty), em 1977 – no Brasil chegou em 1980. Não é o fim da história, como cunhou o pessimista Francis Fukuyama. Na verdade, a era da tecnologia parece acelerar os acontecimentos, o que gera ainda uma profusão de informações, deixando as pessoas confusas com o excesso de dados. E ainda as mudanças climáticas, que vão da negação ao apocalipse. 

Hamilton dos Santos

Mas os comunicadores estão preocupados com tais mudanças aceleradas no ambiente geopolítico internacional e as mudanças climáticas e o que isso afetaria seus negócios. O tema esteve presente em debates no Abreje  Trends 2025, realizado em São Paulo pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. Com o tema “Nova desordem mundial: comunicar em tempos de tensão”. Em tempos marcados por instabilidade e sobrecarga de informação, a comunicação se torna fundamental para a sobrevivência dos negócios.

“A comunicação vive um momento de transição radical. Se antes era tratada como um instrumento técnico, voltado à difusão de mensagens, hoje se consolida como uma prática estratégica, política e ética”, define Hamilton dos Santos diretor executivo da Aberje. “Em um cenário global atravessado por desinformação, polarização, crises climáticas, disrupções tecnológicas e instabilidade institucional, torna-se evidente que comunicar exige mais do que técnica. Exige discernimento, sensibilidade e responsabilidade. Nos encantamos com o hype da IA, mas para onde ela vai nos levar?”, provocou.

Dados do estudo ‘Orçamento da comunicação empresarial 2024/2025’, realizado pelo Centro de Estudos e Análises Econômicas aplicadas à Comunicação (CEAEC) da Aberje, apontam que os orçamentos de comunicação corporativa no Brasil somaram R$ 31,8 bilhões em 2024, com expectativa de leve alta nominal para R$ 32 bilhões em 2025. Embora represente uma redução real de 14,8% em relação a 2023, o volume ainda é expressivo e reafirma o papel da comunicação como eixo estratégico das organizações.

Paulo Nassar

Paulo Nassar, diretor-presidente da Aberje, chamou atenção para o momento histórico e simbólico vivido pelas organizações. “Max Weber usou a expressão ‘desencantamento do mundo’ para descrever os efeitos da Segunda Revolução Industrial. Hoje vivemos algo semelhante”, afirmou. Para ele, a comunicação deve buscar inspiração nas artes para reencontrar o encanto e a capacidade de organização simbólica da experiência. “A nova desordem mundial exige do comunicador uma formação intelectual robusta. Precisamos de uma comunicação cada vez mais republicana”, disse.

A fala dele pode ser entendida como um alerta aos propagadores de narrativas paralela dos fatos para defender fatos indefensáveis, que culminam nas fake news e no ataque à imprensa, à ciência e à democracia. Ser republicano é entender as vozes discordantes, procurar consensos, mas se pautar sempre pela verdade, um grande desafio na área corporativa ao falar de temas sensíveis.

Camila Achutti

Camila Achutti, fundadora da Mastertech, pensou em outro extremo “Muito da desordem vem da dificuldade de comunicação”. Muitos empresários e políticos culpam a comunicação quanto temas que os prejudiquem vem a tona e não conseguem explicar suficientemente. Mas será culpa dos comunicadores responsáveis por essas marcas? A resposta fica no ar. Ela acrescentou a tecnologia na conta: a confusão é agravada pela forma como interagimos com os sistemas inteligentes. “A Apple publicou um artigo sobre a ‘ilusão do pensamento’. Ao pensar em aparência, se a humanidade não sair da simples leitura do lead e parar para entender como essa tecnologia funciona, não vamos conseguir resolver problemas”, alertou. Segundo ela, não basta ser um usuário leigo: é preciso compreender o funcionamento da tecnologia para fazer bons julgamentos – uma vantagem competitiva dos humanos, essencial neste cenário de desordem.

“A IA vai ‘nivelar por baixo’, ela não tem a capacidade que nós temos de entender contextos. A questão deixou de ser se a IA é mais inteligente e passou a ser se ela é mais interessante”, afirmou. Para ela, a comunicação é o campo que diferencia as pessoas, e é pela linguagem que o ser humano vai manter o protagonismo. Ao final, Camila fez um chamado à responsabilidade dos comunicadores: “Tirem as máscaras e assumam o papel que devem ter. Palavras importam. Temos que ler o contexto, criar repertório, entender nossas vantagens competitivas, estudar o funcionamento da IA e priorizar a honestidade radical”.

Sheylli Caleffi

A criadora de conteúdo digital Sheylli Caleffi trouxe uma provocação urgente: o que é verdade em um mundo onde diferentes subculturas digitais constroem realidades paralelas – e como isso afeta a comunicação dentro das empresas? Falou sobre “A morte da verdade: como a série ‘Adolescência’ revelou ao mundo um abismo comunicacional entre gerações e subculturas digitais que também estão na sua empresa”.

“Ninguém sai de casa para se comunicar mal”, afirmou, destacando que os ruídos entre gerações e grupos não são fruto de má intenção, mas de referenciais distintos. Para ela, o pano de fundo da série é a tensão entre dois desejos humanos fundamentais: pertencimento e autenticidade. “Pessoas querem pertencer, não necessariamente querem ser autênticas”, disse.

A palestrante também alertou para o avanço da chamada “machosfera” – conjunto de influenciadores que reforçam discursos misóginos – como exemplo de subcultura que forma sua própria lógica de verdade e engajamento. Em ambientes onde a ética e a verdade parecem opcionais, o que prevalece são argumentos moldados à conveniência.

Meio ambiente em pauta

Bruno Rossini

Falando sobre o impacto antecipado sobre a comunicação corporativa da COP30, que será realizada em Belém. Bruno Rossini, diretor sênior da 99, opina que a conferência representa uma oportunidade estratégica: “A COP30 é um palco especial para empresas que investem consistentemente em sustentabilidade, e nós queremos estar lá. A 99 quer se inserir na maior quantidade de discussões possível e levar cases relevantes”.

Rossini explicou que o setor de mobilidade tem papel central na redução das emissões. “O setor de energia, que inclui transportes, é responsável por 22% das emissões de gases de efeito estufa”, afirmou. Ele destacou iniciativas da empresa voltadas à eletrificação da frota e lembrou que o Brasil tem vantagens competitivas nesse campo: “Nós temos um papel importante na mobilidade urbana e na eletrificação da frota. O Brasil pode ampliar sua indústria, pode gerar mais empregos e já tem energia verde para impulsionar esse processo”. Apesar disso, reconheceu os obstáculos. “Infelizmente, neste momento, questões como ESG e diversidade perderam relevância. A única vertente funcional é a econômica”.

Michele Gassi

Michele Gassi, gerente de Comunicação da Tetra Pak, destacou que, mesmo antes da COP, a emergência climática já exige ação imediata e comunicação efetiva. “Reciclagem ainda é um desafio no Brasil. A comunicação tem o papel de informar e engajar a população, mas também precisamos de políticas públicas. Criamos modelos de projeto com organizações parceiras que podem ser replicados”, explicou. A Tetra Pak, segundo ela, vai além da produção de embalagens e investe em soluções para a circularidade, além de dar visibilidade aos agentes da reciclagem com a websérie “Gente que Recicla”. “Sustentabilidade não é pilar de marca, é parte da estratégia de negócio”, reforçou.

Ornella Nitardi, gerente sênior de Comunicação Corporativa da BASF, chamou a atenção para o papel dos dados na construção de narrativas críveis e relevantes. “Para criar química para um futuro sustentável, o dado é fundamental. O desafio é evitar alegações genéricas, trazendo metas ambientais específicas e verificáveis”, disse. Ela apresentou o SCOTT, ferramenta digital desenvolvida pela BASF para contabilidade de carbono, que calcula emissões de gases de efeito estufa e permite determinar a pegada de carbono dos produtos da empresa. O SCOTT mapeia o ciclo de vida completo de cada produto e revela a pegada de carbono em cada etapa.

Comunicação interna

Thiago Massari

Cinco anos após o início da pandemia que acelerou o trabalho remoto, as empresas ainda lidam com o impasse entre os modelos presencial, remoto e híbrido. Essa indefinição tem impacto direto na comunicação interna, que precisa adaptar suas ferramentas e narrativas a diferentes realidades. “Precisamos transformar a comunicação interna em algo próximo, com DNA definido. Ela deve ser digital, simples e centrada no colaborador”, afirmou Thiago Massari, líder de comunicação integrada da Bayer.

Na Neodent, a estratégia passa por aproximar a comunicação do propósito da marca. “Nosso negócio é criar sorrisos, e a comunicação precisa beber dos projetos que refletem esse propósito”, disse Raphaela Borba, diretora sênior de Comunicação Corporativa e Sustentabilidade da Neodent. Ela citou ações de cidadania e voluntariado como iniciativas que engajam os colaboradores e tornam o discurso institucional mais concreto.

Fernanda Goivinho

Já na EuroChem, presente no Brasil há menos de oito anos, o foco tem sido construir uma cultura organizacional por meio de formatos audiovisuais mais próximos do cotidiano dos colaboradores. “No Brasil, 62% das pessoas preferem vídeos com até três minutos. Somos a mesma pessoa dentro e fora da empresa, e queremos ver nos vídeos aquilo que vemos em nossa vida cotidiana”, destacou Fernanda Goivinho, gerente de Comunicação Corporativa e Media Relations da EuroChem Brasil;. A empresa, que não separa mais a comunicação interna da externa, vem apostando em conteúdos com colaboradores e até em um avatar criado por IA, inspirado em profissionais reais da companhia.

Ranny Alonso, diretora de Comunicação Corporativa do Grupo Amil, disse que nem todos os líderes reconhecem seu papel como comunicadores. A solução, segundo os debatedores, passa pela educação contínua, apoio estruturado da área de comunicação e pela construção de uma cultura de transparência, empatia e diálogo.

Relações governamentais

Felipe Oppelt, diretor de Public Affairs na Prospectiva, destacou que o trabalho em relações governamentais, já historicamente complexo, tornou-se um “exercício de equilíbrio” com a fragmentação política e a proliferação de fake news. “O poder público muda de rota com frequência, a confiança nas instituições está abalada e os setores estão fragmentados”, explicou Felipe. Nesse ambiente, a atuação ética e estratégica passa necessariamente por domínio técnico, coerência narrativa e alinhamento com o propósito institucional. “Toda empresa precisa ter uma estratégia de relações governamentais conectada com seu propósito. O timing da política é diferente do timing dos negócios”, afirmou.

Juliana Arantes Durazzo Marra

Juliana Arantes Durazzo Marra, diretora de Comunicação e Assuntos Corporativos na Unilever Brasil; compartilhou o caso da campanha “Dove pela Autoestima”, que alertava sobre os efeitos nocivos dos filtros de beleza sobre a saúde mental de meninas e mulheres. A ação consolidou um posicionamento de anos da empresa sobre a beleza real das mulheres, desafiando estereótipos e padrões de beleza. O trabalho trouxe convites para que a marca participasse de uma comissão na Câmara dos Deputados e de uma audiência pública para discutir o PL 329/2025, que propunha uma política nacional de saúde mental para meninas. “Isso aprofundou a relação da empresa com o poder público”, relatou. O debate, segundo ela, mostrou que um posicionamento legítimo pode abrir espaço para diálogos mais estruturados e consequentes com os formuladores de políticas.

João Vitor Vicente, coordenador de Advocacy Brasil e Global Advocacy  da Braskem, ressaltou a importância de manter o debate técnico diante de pautas com forte apelo emocional. “Discussões acabam se tornando passionais. A área de relações governamentais deve trazer o debate para a realidade”, afirmou. “Devemos abordar os problemas por partes”, concluiu.

Inteligência Artificial

Claudio Bruno, diretor de Inovação na Cortex, trouxe a perspectiva de quem atua no cruzamento entre jornalismo, dados e tecnologia. Jornalista de formação e hoje cientista de dados, ele destacou que a produção, o consumo e a distribuição de mídia estão hoje subordinados à lógica dos algoritmos, o que configura uma nova forma de intermediação da comunicação. “Vivemos a privatização da esfera pública por um oligopólio de Big Techs que controla algoritmos opacos. O comunicador precisa entender como esses algoritmos operam, porque eles são os novos gatekeepers da informação”, afirmou. Segundo Bruno, o avanço da IA impõe um novo nível de responsabilidade aos profissionais de comunicação, que devem buscar alfabetização em dados e tecnologia.

 

Marcus Brier

Marcus Brier, diretor de Comunicação Corporativa, Relações Públicas e Filantropia na Stellantis para o Brasil e América do Sul, opinou que o desafio da comunicação corporativa é ampliar sua capacidade de gerar valor por meio de narrativas que combinem autenticidade e adequação ao perfil dos públicos. Ele lembrou que a Stellantis nasceu da união entre os grupos FCA e PSA, o que resultou em um ecossistema com múltiplas marcas e identidades. “Temos que coordenar diversas marcas com DNAs fortes e respeitar os territórios de cada uma. Comunicação integrada não significa uniformidade, mas coerência entre mensagens que dialogam com diferentes stakeholders”, afirmou.

Ricardo Castellani, gerente sênior de Comunicação na Novo Nordisk, trouxe ao debate a complexidade da atuação em um setor altamente regulado como o de saúde. Ele relatou o caso recente da falsificação de canetas de insulina vendidas como se fossem do medicamento Ozempic, o que exigiu uma resposta rápida, coordenada e informativa da empresa. “Fake news em saúde mata. As pessoas deixam de buscar tratamento adequado ou adotam práticas sem respaldo científico. Nosso desafio é comunicar com responsabilidade, mesmo diante de restrições legais”, afirmou.

O papel o CEO

Para os executivos, ser CEO no Brasil significa lidar com um contexto único. “As mudanças aqui acontecem em horas, não em dias, como no resto do mundo. Mas a resiliência e a criatividade do brasileiro são fora da curva”, afirmou Emir Calluf Filho, presidente da BHP Brasil.

Gustavo Werneck

Priscyla Laham, presidente da Microsoft Brasil, destacou que o país impõe desafios regulatórios e operacionais, mas oferece também uma população criativa e empática. “O brasileiro é early adopter de tecnologia, o que torna o trabalho dinâmico e estimulante.” Já Rogério Barreira,  presidente da Divisão Brasil da Arcos Dorados, apontou as diferenças culturais como elemento essencial da liderança: “Antes de atuar no Brasil, trabalhei no México e precisei entender a cabeça do consumidor mexicano. Cada país exige uma escuta atenta”.

Para Jerome Cadier, CEO da LATAM Airlines Brasil,  o maior obstáculo no Brasil é a imprevisibilidade. “Não conseguimos prever, e isso gera insegurança. Por outro lado, estamos mais preparados para lidar com o inesperado”, disse. Gustavo Werneck, CEO da Gerdau,  completou: “Não é mais difícil ser CEO no Brasil. Os problemas são apenas diferentes”.


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