O mercado de revistas, como todo jornalismo, passa por uma transformação em todo o mundo. Existem boas e más notícias. As más tem a ver, principalmente, com as big techs investindo pesado em mecanismos de Inteligência Artificial para absorver conteúdos de empresas jornalísticas, sem remuneração, agindo como verdadeiros publishers, detalhe que elas mesmo negam quando se fala em regulação. E as coisas vão piorar (para nós publishers, claro, mas existem saídas). As boas foram os inúmeros exemplos de publicações impressas e digitais crescendo em todo o mundo, e algumas delas foram apresentadas como cases no FIPP Insider São Paulo, uma iniciativa da Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) – que promoveu o evento com inscrições gratuitas e aberto para associados e não associados, no auditório da ESPM em São Paulo, no dia 5 de maio. Estiveram presentes palestrantes internacionais e também um público de publishers de diversos países. Falou-se de jornalismo, tecnologia, licenciamento, educação, monetização e novos formatos de conteúdo, entre outros temas.
O FIPP Insider é uma série de eventos educacionais organizados pela FIPP (Fédération Internationale de la Presse Périodique, uma associação de publishers) que visa oferecer educação e insights valiosos para editores, com foco em casos práticos e tendências do mercado. Realizado em diversos países em todo o mundo, o evento busca oferecer um espaço para o networking, a troca de ideias e estimula o aprofundamento dos debates sobre o futuro da indústria editorial. O evento é uma oportunidade para os editores se manterem atualizados com as últimas tendências e estratégias do mercado. “Trata-se de conectar a mídia global, qualificou Alastair Lewis, presidente da FIPP que também esteve em São Paulo.

Defendendo que a FIPP venha todos os anos para o Brasil, Regina Bucco, diretora executiva da ANER justificou que a missão da entidade brasileira de revistas “é trazer tendências, propiciando que o setor surfe nelas”, e mais do que olhar para trás, “olhar para frente para o que vem por aí”. Rafael Soriano, presidente da ANER, lutou para trazer a FIPP de volta ao Brasil, anunciando o próximo evento da FIPP em Madri, em outubro. “Conteúdo é a nossa força, vai além da revista papel”, declarou.
O anfitrião do evento, Fernando Cesário, diretor executivo de Marketing da ESPM, disse que o mercado editorial “é um dos setores mais importante do mundo, pensando da relevância da informação de qualidade, da informação que educa”.
O evento em São Paulo marcou os 100 anos da FIPP e seu retorno para o Brasil depois de mais de duas décadas. Foi apresentado pela jornalista Sabrina Passos Cimenti, ex-RBS, Facebook, e lidera a operação da Blue Engine Collaborative – o maior laboratório para Inteligência Artificial para fomentar a rentabilidade dos negócios jornalísticos no Brasil, em parceria com o Google.
Todo o evento foi gravado e está disponível no YouTube da ANER.
Marina Pita, diretora de Promoção da Liberdade de Expressão da Secretaria de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, também esteve no evento e adiantou alguns projetos e apoio ao jornalismo, ressaltando que é a primeira vez que uma secretaria de governo tem a missão expressa de promover a sustentabilidade do jornalismo – como a Incubadora de Soluções para o Jornalismo (lançada semana passada); um investimento de R$ 15 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico, para desenvolvimento e pilotos para buscar soluções para a sustentabilidade e viabilidade econômica do jornalismo; “também estamos revendo todas as normas e processos da Secretaria de Comunicação para cotas de patrocínios, para garantir que a produção da informação de qualidade esteja assegurada, e ainda trabalhamos num projeto de lei para a inteligência Artificial, para que o jornalismo contenha direito à remuneração da exploração de seu conteúdo.
Palestras

Paula Mageste, CEO da Globo Condé Nast, apresentou o case da revista Vogue, que completou 50 anos e mantém uma edição impressa, além de números impressionantes nas redes sociais 3,3 milhões de visitantes únicos mensais no site, 81 milhões de page views anuais e 4,5 milhões de seguidores no Instagram. Mas ela olha para frente e prevê um enfraquecimento dos sites, segundo pesquisas, o que já está acontecendo: “O site é o novo print”, e os internautas,segundo ela, se cansaram de navegar em sites de notícias e preferem ler apenas o conteúdo editorial das empresas nas redes sociais. “O site é novo impresso”, disparou, alertando que os publishers precisam encontrar novos meios de monetizar.
Apesar desse deslumbre pelo digital, Paula alega que a geração Z está se desconectando e fazendo um movimento de ler publicações impressas. “Mas isso acontece apenas em alguns nichos”, pondera. A revista Glamour, exemplificou teve um grande boom de vendas na última edição e os jornaleiros contataram a editora pedindo mais exemplares. “Teve o apelo de um brinde, mas usamos brindes em edições anteriores que não funcionaram”.

Paul Hood, consultor em transformação digital com foco na aplicação de IA em negócios de mídia. Ex-diretor de desenvolvimento digital do The Sun, falou sobre tecnologias e tendências de mídia. E destacou que a IA é uma revolução na forma de produzir e distribuir notícias. Foi ele quem relacionou aspectos negativos da IA (questão de direitos autorais) e positivos (produção mais ágil em alguma circunstâncias). As mudanças digitais para ele, são oportunidades para “os publishers entregar uma produção mais personalizada, exclusiva, customizada, no contexto de uma audiência mais leal e com possibilidades de engajamento de longo prazo”. A IA, ressalta o consultor, é uma ameaça real para as mídias jornalísticas, porque afetarão até mecanismos de buscas que não irão mais levar nas páginas dos editores. “Os algoritmos substituirão a curadoria dos publishers, sem dar créditos”. A união com smalltechs, que são startups que possibilitam a criação e mecanismos de buscas independentes e outras formas de monetização, é uma saída para o jornalismo profissional.
O investimento em newsletter, impressos especiais e eventos especiais são diferenciais para os publisher explorarem nesta era digital, o consultor insiste.

Max Frost, cofundador da RocaNews, startup de mídia que reinventa a forma de consumir notícias nas redes sociais, destacou que muitos jovens hoje veem as notícias nos meios impressos e até no sites, como um fardo e preferem ler os resumos no Facebook ou assistir aos vídeos no YouTube. Ele também criticou como são feitas as postagens nas redes sociais hoje: “É tudo muito parecido e os publishers esperam que a audiência acesse os links para ver a matéria completa nos sites ou aplicativos, mas o público não quer acessar links”. O segredo do sucesso, segundo ele, é uma equação que soma formato e conteúdo. “Jovens estão cada vez mais céticos e com abordagem antissistema e o jornalismo está incluído nisso”. E exemplifica a CNN, cujo noticiário da noite tem 100 mil visualizações nas redes. Mas qualquer outro jornalista ou influenciador no YouTube consegue audiência de até 5 vezes mais que isso. “Os jovens preferem formatos novos”, destaca, acreditando que os veículos jornalístico podem atender a esse novo desejo. “A autenticidade é a moeda mais importante hoje”.
E recomenda um conteúdo de storytelling: conveniente relevante e autêntico. “Propaganda da mídia impressa não é mais tão fácil de conseguir. E o conteúdo dos vídeos sofrem menos com os robôs de IA”. Duas dicas.
Rodada de debates: Modelos e Cases de Mídia e Anunciantes

Mesa mediada por Ana Carolina Castro (Banco do Brasil/ABA), com Rafael Jones (Haleon – laboratórios as marcas Sensodyne, Advil, CataflamPro e Centrum), Sharon Harrison (BRF) e Gustavo Masson (Stellantis – marcas Fiat, Peugeot e Citroën). Reconhecendo que os investimentos das marcas mudaram de lado e não tem mais programação de mídia anual no meio impresso, como acontecia antes, e o impresso ganha recursos pontuais agora. Os representantes de empresas reconhecem a autoridade da mídia tradicional e disseram gostar mais de branded content, principalmente Jones: “Queremos cocriar”.
Sharon disse que não quer ser mais invasiva com propagandas tradicionais, apesar de nem sempre isso ser possível na prática. “Buscamos capturar dados das pessoas nas redes sociais e enviar mensagens personalizadas para elas, via sistemas proprietários”. Masson alega que seu setor é muito competitivo. “Só os SUVs tem mais de 40 modelos no mercado”, por isso busca formas e divulgar suas marcas com diferenciação, principalmente em merchands em novelas.
Um participante questionou o grupo para saber o que as marcas e o meio publicitário estão fazendo para combater as fake news. A perguntas chegou a constranger os participantes, porque nenhuma resposta foi adequada, apesar de todos dizerem que são contra e combatem as fake news. Na prática, algumas marcas estão ganhando dinheiro hoje patrocinando fake news, um assunto polêmico no setor.
Painéis

Jacqueline Loch, vice-Presidente executiva de estratégia e receita da AZURE Media, especialista em conteúdo e marketing no setor de mídia, falou do bloqueio das redes sociais no Canadá, e esse, e outros fatores, ajudaram ao crescimento do meio revista impressas no país. “Está aumentando o número de leitores jovens e também o acesso a bibliotecas”. Ela ressaltou que os ciclos de compra de mídia estão mudando, e para cada situação existe um contrato. “Não tem mais planos anuais de mídia”. O chamado alcance, volume e frequência, que eram destacados pelas áreas comerciais dos veículos impressos não funcionam mais como diferenciais na hora da venda, alertou. “O que o anunciante deseja agora é descoberta, engajamento e conversão e isso também pode ser oferecido pelas revistas, tanto impressas quanto em suas redes sociais”. Ela recomenda que deve-se mudar as falas dos times de vendas das revistas perante os anunciantes. Ressaltar a audiência qualificada, sugere. Convencer que é possível transformar essa audiência em consumidores.
Ela, que dirige uma revista de Arquitetura, virou o jogo ampliando as receitas, com palestras, cursos, eventos em uma plataforma educacional voltada aos arquitetos, incluindo vídeos pagos. A revista impressa ainda existe, com tratamento mais refinado e papel de luxo. “Não estou vendendo boné e sim conteúdo altamente qualificado, que é precioso para minha indústria”, comentou. E insistiu em desmistificar o trabalho dos profissionais editoriais: “Publisher é um verbo e não uma plataforma”. O impresso agora é um item de luxo, até pelo aumento custo do papel, destacou, “e isso é uma excelente oportunidade para retomar o meio impresso”. Aliás, como está acontecendo em diversos países.

Lulu Skantze, Fundadora e diretora criativa da Storytime, uma das maiores revistas infantis do Reino Unido, publicada em cinco países e distribuída em mais de 60. Baseada em Amsterdã, foi uma das sensações do evento, com um case de muito sucesso. Brasileira, residindo na Europa, edita uma das maiores revistas infantis do mundo, lançada em 2014. Impressa. Não tem anunciantes e contrata os melhores ilustradores do mundo. Para ela revistas infantis, “são portais lúdicos”, e tem grande importância para o desenvolvimento das crianças.
Sua revista progride, com conteúdo de alta qualidade, mesmo com fatores restritivos, que também são sentidos no Brasil: alto custo do papel e fechamento de bancas de jornais. No Reino Unido, segundo ela, existem 2.500 bancas e todo ano fecham várias. “A geração Z é a que mais consome mídia impressa e busca qualidade”, disse, ressaltando um ponto que deveria estar melhor sendo observado pelo mercado editorial. Ela citou diversas revistas ao redor do mundo que estão prosperando, refutando a tese de que a mídia impressa está acabada.
Rodada de debates: mídia e educação

Debateram duas professoras da ESPM: Denilde Hozhacker, diretora acadêmica de Negócios e Tecnologia na ESPM e Jane de Freitas Mündel, diretora de Inteligência e Comunicação na ESPM, ressaltou como as redes sociais estão abalando a educação. Pesquisas apontam que 62% dos estudantes admitem ter deixado de fazer tarefas escolares pelo uso das mídias sociais. Por outro lado, “a mídia tem um grande papel de transformação”, destacou Denilde. E destacou que se refere a mídia jornalística, profissional, que ajuda na formação das pessoas com curadoria. Além disso, a mídia tem um grande papel como divulgadora científica.
Rodada de debates: monetização

Rodada mediada por Alastair Lewis, presidente da FIPP, reuniu Paulo Henrique Ferreira (Barões Brand Publishing), Edward Pimenta (Editora Globo) e Guilherme Ravache (Valor Econômico) para discutir estratégias de receita na nova economia do conteúdo.
Ravache iniciou a conversa lembrando que os publishers estão sendo buscando se adaptar a coisas novas. Mas não as coisas que não mudam: a informação de qualidade. Entre os problemas do meio, destacou que as redes sociais jamais irão remunerar o jornalismo, sem regulamentação, e as poucas iniciativas que ocorreram foram descontinuadas. Até há pouco tempo, lembrou Ravache, a imprensa ganhava pela equação conteúdo X tráfego. Hoje isso não acontece mais. “Não é culpa da inteligência artificial e sim de nosso modelo de negócios”, criticou. “O Google e a Meta estão fazendo o negócio deles”, ilustrando que cada um cuida de seus próprios interesses e os publishers não deveriam ficar dependendo do modelo de negócio das big techs.
Ferreira disse que uma das saídas da remuneração da imprensa é o Brand Publishing, e citou vários exemplos de práticas em sua empresa, que cresce com isso. Alertou para o fato que estamos no limite da produção de conteúdo e a IA irá e já está produzindo muito conteúdo numa escala infinita. A solução é ter relevância no conteúdo produzido. Pimenta concordou e acrescentou que publisher é técnica, é valor para se manter relevante. “As pessoas não querem ser convencidas, querem ser informadas”.
Homenagem a Maurício de Sousa
O evento encerrou com uma homenagem a Maurício de Sousa, reconhecendo sua obra por “encantar as pessoas” e fazer parte do imaginário brasileiro. Personagens caracterizados como Mônica e Cebolinha, receberam Marina Sousa, filha do criador e diretora-executiva na MSP Estúdios, que recebeu das mãos de Regina Bucco um troféu simbólico celebrando os 60 anos da Maurício de Sousa Produções.
https://brandpublishing.com.br/tudo-sobre-o-que-aconteceu-no-fipp-insider-sao-paulo/