A ameaça do clickbait: como essa prática irresponsável coloca em risco a credibilidade do jornalismo

Durante o 5º Fórum de Jornalismo Especializado, Regional e Comunitário, painéis destacaram que a busca incessante por cliques compromete tanto a credibilidade do jornalismo quanto a veracidade dos fatos, além de contribuir para a reprodução de estereótipos

Os efeitos negativos do clickbait na produção de notícias e nas investigações jornalísticas estão se tornando cada vez mais evidentes nas redações e para o público. O uso de títulos chamativos e sensacionalistas é uma estratégia para atrair a atenção do leitor e gerar cliques nas matérias, porém, essa abordagem pode distorcer a verdade e desvalorizar a seriedade do jornalismo investigativo.

O clickbait é um fenômeno em que títulos e chamadas de matérias são criados de forma sensacionalista, com o objetivo de despertar a curiosidade do leitor e incentivá-lo a clicar no conteúdo. No entanto, muitas vezes esses títulos são exagerados ou manipulados, resultando em uma leitura que não corresponde ao que realmente é apresentado na matéria.

Dois painéis do 5º Fórum de Jornalismo Especializado, Regional e Comunitário abordaram essa questão e discutiram como o clickbait desvaloriza a prática jornalística e compromete a credibilidade dos veículos de comunicação envolvidos nessa prática.

No painel intitulado “Mais responsabilidade, menos clickbait: Os novos contornos da linguagem jornalística na cobertura de histórias sensíveis”, Carlos Ratton, repórter especial do Diário do Litoral; Maria Luiza Borges, diretora de Estratégias Digitais do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação; e Moacy Carlos Almeida Neves, secretário da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), discutiram o impasse enfrentado pelas redações diante da constante pressão por audiência e da necessidade de manter uma consciência ética a respeito de como determinadas histórias devem ser noticiadas.

No painel, denominado “Por trás da história: Os desafios e oportunidades do jornalismo investigativo”, Jeniffer Mendonça, repórter da Ponte Jornalismo; Katia Brembatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo (Abraji); e Paula Litaiff, CEO da Revista Cenarium Amazônia, debateram a forma como a mídia regional pode verificar informações, quais ferramentas estão disponíveis para os profissionais e o papel fundamental que desempenham na promoção da transparência e da responsabilidade na divulgação de notícias.

Mentiras, exagero e busca por audiência

Uma pesquisa foi conduzida por pesquisadores da Universidade de Stanford, intitulada “Clickbait and the Power of Headlines: A Content Analysis of Hyperbolic News Headlines” analisou mais de 900 manchetes de notícias online e apontou que as manchetes de clickbait tendem a ser mais sensacionalistas, exageradas e provocativas para atrair a atenção dos leitores. Os pesquisadores também mostraram que as pessoas podem ser atraídas por clickbaits, mesmo quando estão conscientes de sua natureza enganosa.

A prática é preocupante, pois vai contra um dos princípios básicos do jornalismo: a necessidade de informar de forma precisa e imparcial. O clickbait acaba prejudicando a credibilidade dos veículos de comunicação e dos próprios jornalistas, pois o leitor, ao se sentir enganado, pode deixar de confiar nas informações apresentadas.

Na opinião de Moacyr, a falta de exigência do diploma para jornalistas tem um efeito problemático. O representante da Fenaj destaca que a atuação de indivíduos que não são da área, mas tentam exercer o jornalismo, prejudica a integridade do jornalismo profissional. “A entrada de novos atores no ambiente de produção de conteúdo cria um amplo horizonte para outros participantes que se inserem nesse processo”. 

Na perspectiva de Moacyr, a presença de indivíduos não qualificados exercendo o jornalismo acarreta consequências negativas. Conforme enfatizado pelo representante da Fenaj, essas pessoas não se submetem ao código de ética da profissão, gerando preocupações em relação à qualidade e veracidade das informações divulgadas. Ademais, a falta de mecanismos de regulação eficientes no ambiente digital potencializa a propagação do sensacionalismo, o que compromete ainda mais a credibilidade da mídia. Segundo Moacyr, “Eles não estão sujeitos ao código de ética da profissão. Além disso, a falta de instrumentos de regulação eficientes no ambiente digital possibilita a proliferação do sensacionalismo”.

Carlos Ratton

Ratton argumenta que a pressão das métricas de audiência e a obsessão pelos números estão desencorajando os estudantes de jornalismo a se dedicarem a pautas mais relevantes e sérias, optando por notícias sensacionalistas e de entretenimento. Isso acaba desviando o foco do verdadeiro propósito do jornalismo, que é informar e promover uma visão crítica dos acontecimentos. Ratton destaca ainda que, atualmente, são poucos os recém-formados em jornalismo que aspiram a se tornar repórteres, visto que há uma confusão em relação ao propósito essencial da profissão.

Samira de Castro, da FENAJ. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O tom sensacionalista continua muito forte nas reportagens de cunho policial, sobretudo em programas televisivos. Nos sites e portais de notícias, principalmente os mais regionais e “alternativos”, a cobertura de segurança pública sempre é alvo de preocupação, tanto pela linguagem como pela utilização de vídeos e imagens de cenas de crimes sem cortes, ser preservação de identidades e até mesmo sem autorização dos envolvidos. A opinião é de Samira de Castro, presidente da Fenaj.

Para Samira, um dos principais problemas na atualidade são os programas de TV com viés sensacionalista, os quais “não só ultrapassam os limites éticos como desrespeitam as leis brasileiras em vários aspectos”.

Clickbait e redes sociais não podem ser sinônimos 

A crescente presença do clickbait está diretamente ligada ao papel das redes sociais na disseminação de notícias. Com a intensa disputa por atenção na internet, os veículos de comunicação têm optado por utilizar títulos sensacionalistas e conteúdos rasos, visando atrair cliques e engajamento. Além disso, os algoritmos das plataformas dão preferência a esse tipo de material, o que acaba influenciando a forma como as notícias são apresentadas aos usuários.

Um dos principais impactos dos algoritmos na produção de notícias é a personalização do conteúdo. A partir dos dados coletados sobre o usuário, como histórico de navegação, interesses e comportamento online, os algoritmos conseguem adaptar as notícias exibidas de acordo com as preferências individuais de cada pessoa.

Essa influência traz desafios significativos para os jornalistas que buscam se destacar em meio à saturação de clickbaits nas redes sociais. A necessidade de chamar a atenção do leitor acaba competindo com a responsabilidade de fornecer informações precisas e imparciais. Os jornalistas se encontram em uma situação difícil, tendo que equilibrar o que é ético com o que é necessário para se destacar em meio à concorrência.

Maria Luiza Borges

Maria Luiza acredita que, ao realizar jornalismo digital, é legítimo utilizar estratégias que ampliem o alcance das notícias, porém isso deve ser feito sempre respeitando a veracidade e a ética jornalística. Ela compreende que é importante evitar práticas clickbait, que buscam apenas atrair cliques e visualizações, muitas vezes distorcendo ou exagerando os fatos. Maria Luiza reconhece que essas práticas podem comprometer seriamente a credibilidade do jornalismo digital, impedindo-o de cumprir seu papel essencial de informar com objetividade e responsabilidade. “Não podemos nos basear em mentiras e sensacionalismo para conseguir clique, e os limites para conseguir visualizações precisam estar bem delimitados”, acredita.

O clickbait, muitas vezes, recorre a estereótipos culturais, raciais, de gênero e outros, a fim de atrair atenção. Essa prática questionável de “método jornalístico” perpetua preconceitos, generalizações e desinformações, prejudicando a sociedade como um todo. Além da falta de entrega do conteúdo prometido, o problema vai ainda mais longe.

O clickbait não só alimenta a desinformação, mas também incita o ódio e a intolerância. Ao retratar pessoas ou comunidades específicas de forma negativa ou caricatural, ele contribui para a disseminação de preconceitos arraigados, fortalecendo estereótipos que já são prejudiciais. Isso dificulta os esforços para promover a igualdade e a diversidade.

É preciso combater a mentira com investigação e verdades 

Outro modo de combater o clickbait no jornalismo é fundamental, segundo especialistas, resgatar a importância da ética e responsabilidade na produção de notícias. Os veículos de comunicação devem se comprometer com a transparência na elaboração de títulos e chamadas de matérias investigativas, evitando o uso de sensacionalismo em troca de cliques. Portanto, esse assunto foi desdobrado no painel:  “Por trás da história: Os desafios e oportunidades do jornalismo investigativo”.

Jenifer Mendonça

Existem exemplos de veículos de comunicação que resistem à tentação do clickbait e se dedicam a realizar um trabalho jornalístico de qualidade. Esses veículos valorizam a credibilidade e a imparcialidade, priorizando a investigação e a busca pela verdade dos fatos. A jornalista Jeniffer Mendonça acredita que o jornalismo investigativo desempenha um papel fundamental ao levar informações que dificilmente seriam divulgadas por fontes oficiais.

A repórter da Ponte Jornalismo ressalta que o jornalismo investigativo é crucial para denunciar casos de corrupção, abuso de poder e outras práticas ilegais que muitas vezes ficam encobertas pela falta de transparência das instituições governamentais. Além disso, o jornalismo investigativo também contribui para a ampliação do debate público e para a fiscalização da execução de políticas públicas. “O jornalismo que fazemos é o de causa, buscamos transformação social e incorporar no prazer jornalístico”, afirma Jeniffer.

Segundo a jornalista, o principal objetivo do jornalismo investigativo é trazer à tona informações relevantes e de interesse público, que possam impactar a sociedade de maneira direta ou indireta. Para isso, é necessário um trabalho minucioso de apuração, análise de documentos, entrevistas e busca de fontes confiáveis. Jeniffer acredita que a pluralidade de vozes precisa ser incorporada no fazer jornalístico. “É importante para a Ponte questões de gênero, raça, quem são as pessoas que estão falando. Nós temos a preocupação em ter pessoas diferentes no fazer jornalístico”, destaca.

Paula Litaiff

Da mesma opinião compartilha Paula Litaiff, CEO da Revista Cenarium. Ela destaca que uma das principais funções do jornalismo investigativo é confrontar o poder, sejam eles políticos, econômicos ou sociais. Ao revelar casos de corrupção e desvios de conduta, por exemplo, o jornalismo investigativo desempenha um papel importante na garantia da transparência e no combate à impunidade.

Paula ressalta que a busca pela verdade é uma das bases do jornalismo investigativo. É necessário ir além das informações superficiais e investigar a fundo os fatos, muitas vezes indo contra versões oficiais ou o próprio senso comum. Essa busca pela verdade exige não apenas coragem, mas também ética e comprometimento com os valores do jornalismo.

A CEO também pontua que o jornalismo investigativo exige uma postura crítica e independente por parte dos profissionais. É necessário questionar, investigar e apresentar informações de forma imparcial, sem se deixar influenciar por interesses pessoais ou políticos.

Além disso, Paula destaca que o jornalismo investigativo também pode contribuir para a conscientização e mobilização da sociedade em relação a determinados temas. Ao trazer à tona problemas e injustiças, o jornalismo investigativo pode estimular o debate público e incentivar a busca por soluções.

Ela lembra que a Cenarium cobriu os casos ocorridos com os Yanomamis, a falta de oxigênio em Manaus e o caos que a Covid-19 causou no Amazonas. A equipe da revista se dedicou a investigar as denúncias de invasões e crimes ambientais cometidos contra essa população indígena. As reportagens detalharam as ações ilegais de garimpeiros e madeireiros, contribuindo para a conscientização e mobilização em defesa dos direitos dos povos tradicionais. Para produzir a reportagem investigativa, a jornalista lembra que recebeu apoio de entidades para dar publicidade aos fatos.

Quando a cidade de Manaus foi atingida pela falta de oxigênio para os pacientes internados com Covid-19, a equipe investigou as falhas na gestão e logística do sistema de saúde, levando à tona as responsabilidades e promovendo a prestação de contas por parte das autoridades.

Além disso, a Cenarium também se mobilizou para entender e denunciar o caos vivido no estado do Amazonas, decorrente da falta de infraestrutura, recursos e agravado pelo desafio da pandemia. Por meio das reportagens, a revista mostrou a realidade dramática dos hospitais superlotados, falta de medicamentos e insumos básicos, evidenciando a necessidade urgente de intervenção e apoio ao sistema de saúde local. “Além da dificuldade para atingir os objetivos, temos que estar preocupados com vidas”, conclui Paula.

Katia Brembatti

Katia Brembatti, presidente da Abraji, destaca que as ameaças e a falta de presença do Estado representam os principais desafios enfrentados na realização de matérias investigativas em regiões com atuação governamental precária.

Em áreas onde a presença do Estado é limitada, a ausência de mecanismos efetivos de proteção aos jornalistas cria um ambiente propício para intimidações, agressões e até mesmo assassinatos. Essas condições colocam em risco a vida e a integridade física dos profissionais que se dedicam ao jornalismo investigativo nessas regiões. “O jornalista que vive na realidade destes lugares precisa ter responsabilidade para não ter consequências físicas”.

As speakers também reconhecem que o jornalismo investigativo enfrenta muitos desafios, como a falta de recursos, o risco de represálias e a pressão por resultados imediatos. Porém, ela acredita que, apesar dessas dificuldades, o jornalismo investigativo é fundamental para a democracia e para o fortalecimento do Estado de Direito.

Jornalismo não pode reproduzir estereótipos e preconceitos 

 

Valéria Lapa

Durante o painel “Espelho, espelho meu? O impacto da falta de diversidade das redações na cobertura jornalística”, Cristiano Gomes, repórter na NSC TV, Marcelle Chagas, coordenadora na Rede de Jornalistas Pretos Pela Diversidade na Comunicação e Valéria Lapa, gerente de Relacionamento, Parcerias e Captação da Fundação Amazônia Sustentável, debatem as mudanças urgentes e necessárias para enfrentar essa situação.

Valéria acredita que a leitura e visão de mundo de um jornalista branco é diferente de um jornalista negro, seja pelas experiências vividas ou pela forma como são percebidos e tratados pela sociedade. Ela destaca que é fundamental que as redações sejam mais diversas e representativas, para que essas diferentes perspectivas possam ser incluídas na cobertura jornalística. “A comunicação sendo poder é preciso identificar e usar para a diversidade, equidade, inclusão”, aponta Valéria.

Marcelle Chagas

Marcelle complementa, ressaltando a importância de ampliar as vozes e histórias de pessoas negras e outras comunidades marginalizadas. Ela enfatiza que a falta de diversidade nas redações é um reflexo de uma sociedade desigual, e que isso se reflete na forma como as notícias são produzidas e divulgadas. “A comunicação é poder e sintetiza toda a estrutura social dentro do cenário das comunicações, que é de disputa de quem pode falar e quem pode ouvir”. 

Cristiano traz sua experiência como repórter e pontua a necessidade de realizar uma cobertura jornalística mais sensível e responsável. Ele sugere que é preciso questionar os estereótipos pré-concebidos e evitar a perpetuação de narrativas que reforçam preconceitos. Além disso, Cristiano destaca a importância de promover a inclusão de vozes diversas em todas as etapas do processo jornalístico, desde a pauta até a edição final.

Cristiano Gomes

Os três concordam que é urgente a necessidade de transformação nas redações, buscando ampliar a representatividade e a diversidade. Isso implica em abrir espaço para jornalistas negros, indígenas, LGBTQIA+ e de outras minorias, além de garantir que suas perspectivas e vivências sejam ouvidas e valorizadas.

O debate conclui com o consenso de que, para que a cobertura jornalística seja mais justa, precisa-se urgentemente de uma mudança de paradigma que abrace a diversidade e promova a igualdade, tanto dentro das redações como na sociedade como um todo. Somente assim, será possível superar os estereótipos arraigados e construir um jornalismo mais inclusivo, informado e valioso para todos os leitores.

 

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