É a 4ª maior audiência na internet brasileira, com 507 milhões de pageviews mensais e alcance de quase 50% da população online. Em jornais e revistas, soma uma circulação de 13,3 milhões de exemplares por mês. São 21 sites, 20 publicações e cerca de 100 eventos que reúnem mais de 550 mil pessoas todos os anos. Os números mostram a força do grupo formado pela editora Globo, Infoglobo e do Valor Econômico — um dos principais núcleos de jornalismo do país. A relevância tem sido resultado de profundas mudanças em sua estrutura. “O modelo de negócios que nos trouxe até aqui não tem mais espaço na sociedade atual”, diz Frederic Kachar, em entrevista à Negócios da Comunicação.
O diretor-geral de Mídia Impressa do Grupo Globo fala sobre como os processos não giram em torno de edições impressas há tempos — embora ainda sejam a principal fonte de receita —, e como o foco tem sido no conteúdo multiplataforma, com grandes investimentos no online. Como é o caso da revista Quem, que desde agosto tem seu conteúdo apenas no digital. A Galileu é um case de como hoje são entendidas as revistas pela editora, se tornando referência na discussão de pautas relevantes. “Isso se reflete tanto em publicidade quanto na audiência digital. Frequentemente nossas histórias de capa viralizam nas redes sociais”, ressalta Kachar.
O resultado comercial é fundamental para a sustentabilidade dos negócios e manutenção de uma imprensa livre.Para isso, ele aponta a necessidade de atender os clientes de forma personalizada e do poder do branded content bem feito. Desde julho o atendimento comercial passou a atuar de forma unificada entre Valor Econômico, Editora Globo e Infoglobo, com equipes de especialistas divididas conforme o segmento de mercado. Integração, na verdade, tem sido a palavra da vez nos negócios: desde janeiro as redações dos jornais Globo, Extra e Expresso vêm trabalhando juntas, ampliando a produção de conteúdo digital na busca por audiência qualificada.
O desafio diário é produzir conteúdo de qualidade que nos assegure relevância nos segmentos que atendemos. Seja impressa, digital ou ao vivo”
Fred Kachar
Prêmio “Executivo de Valor”, do Valor Econômico – eventos não deixam de ser jornalismo: há produção de conteúdo ao vivo, curadoria e distribuição
O que representa a união das áreas comerciais do grupo?
O modelo de negócios que nos trouxe até aqui não tem mais espaço na sociedade atual. Ele se encontra limitado pelo conhecimento do nosso produto e, em abrangência, pelo tamanho da tiragem. Nossa aposta é que a construção de um portfólio abrangente, que combine alcance na internet com audiência qualificada e conhecimento do consumidor, seja um primeiro passo para atendermos à expectativa dos anunciantes.
Hoje pensamos que é melhor nos organizarmos de acordo com o segmento de cada um dos nossos clientes. Então, é mais importante termos especialistas em montadoras, bancos, do que em revistas femininas, de carros, entre outras coisas. A vantagem com essa união é que agora podemos nos aproveitar do tamanho que temos e da qualidade de cada uma dessas áreas, pois antes estavam todas “espalhadas”. E assim executar a estratégia baseada em uma audiência abrangente — hoje conseguimos alcançar mais de 50% da internet brasileira. Ter isso já é importante, seguido do conhecimento detalhado do nosso consumidor, o que nos ajuda a organizar as equipes e passarmos a ter especialistas segmentados. Tenho que entender minha audiência inteira, seus desafios, e entender o negócio do cliente. A gente acredita que o anunciante quer uma venda consultiva, soluções de mídia e essa atuação que atinge e conversa com mais da metade dos leitores brasileiros. Esse processo é mais que uma junção.
Trouxemos competências que a gente não tinha. Para o G.Lab trouxemos estatísticos, para assegurar o pós-venda, a assertividade do que prometemos para o nosso cliente. Em um processo como este as etapas são mais complexas do que podem parecer, não é apenas uma mudança, existe uma reformulação do mindset de todos que estão envolvidos e, infelizmente, nem todo mundo se adapta. Portanto, tivemos que reforçar este time e trazer estas competências — é meter a cara nesta nova fase, estudar cada vez mais nossos clientes e fazer uma venda consultiva. Já temos o mapa da mina em nossas publicações.
Qual a importância do branded content com a queda dos anúncios atualmente?
Fundamental. Em vez de produzir branded content limitado a uma publicação — ou seja, quanto mais gente trabalhando nisso, mais competência. Uma equipe focada em um segmento traz um briefing mais acertado para o estúdio. E a eficácia do branded content é maior se eu tenho uma visão de audiência mais do que apenas produto. É preciso olhar para o comportamento do consumidor da informação como um ciclo.
Então, o mesmo leitor do Valor, em um momento de relaxamento, pode estar também lendo a GQ — é preciso entender essa jornada dele — assim entregando um trabalho completo, e que o conteúdo customizado me assegura mais eficiência na entrega do branded content. A linguagem que os anunciantes têm preferido, pelo engajamento do consumidor, tem sido maior. Há dez anos as empresas querem se “reinventar”, virou um clichê dizer “vamos fazer um branded”. Vejo muito publieditorial que é chamado de branded content e não é. Branded é poderoso quando bem executado. É preciso ter muita criatividade, acima de tudo, profundo conhecimento da essência do anunciante e do seu público. E aí, você cria uma comunicação que engaja.
Redação integrada do Globo e do Extra na Infoglobo, inaugurada em janeiro de 2017: resultados positivos e recorde de audiência no primeiro semestre
Qual o balanço sobre a integração das redações?
Bem positivo. Conseguimos manter a personalidade dos nossos veículos, o que é um risco de pasteurizar. Está tudo melhor, porque conseguimos emprestar atributos de um para o outro. Ao juntar as redações, o Globo subiu uma nota nisso, ganhou um jeito mais despojado característico do Extra, que é utilizado quando a ocasião permite. E o contrário também aconteceu; a questão da profundidade de verificação, evitar fake news, foi reforçada no Extra. Do ponto de vista de produto, a integração foi muito bem sucedida nestes primeiros meses e além disso batemos o nosso recorde de audiência no primeiro semestre. Queríamos uma super redação com foco no consumidor, para produzir conteúdo com base no regime 24/7.
O que “outros negócios” representam para a sustentabilidade do grupo?
Desenvolver um evento não deixa de ser jornalismo. Estamos produzindo conteúdo ao vivo que, depois, é editado, passa por uma curadoria e é distribuído para o restante da audiência. Não vejo como algo agregado, mas como outra forma de fazer jornalismo, que depois eu monetizo com uma edição impressa. Para mim, é outro formato para exercer o que a gente já faz e é o que mais cresce.
Com a descontinuação do impresso, conteúdo da Quem passou a focar 100% nas plataformas digitais e eventos desde agosto — potencial comercial estava justamente nesses meios
A revista Casa e comida foi descontinuada e agora foi a vez da Quem, que passou a focar 100% no digital. Como a editora vem trabalhando a sustentabilidade das revistas?
A gente não encara mais nossos produtos como meras revistas há algum tempo. Começamos na mídia impressa, mas podemos nos orgulhar hoje de termos construído marcas multiplataformas nas quais a revista é um dos produtos. Identificamos que nesses dois segmentos, celebridades e receber, o potencial comercial maior estava justamente nas propriedades digitais e nos eventos. Esse é o racional que guia as nossas decisões.
Após dois mandatos na presidência da Aner e, agora, como vice-presidente: qual seria o futuro das revistas?
Não gosto de pensar em “revistas”, prefiro falar do futuro das editoras. Hoje a gente é mais do que o impresso. É claro que existe futuro desde que entendendo que a dinâmica do mercado não é o mesmo modelo de business que nos trouxe até aqui, que era uma plataforma única. Pensamos em gerar o máximo de audiência. No Brasil, nunca adotamos o conceito de assinaturas por 1 dólar, como acontece nos EUA, mas também nenhuma editora vive de assinatura. Se não se monetiza a audiência criada, o jornal não cresce.
Qualquer iniciativa nova que entenda a dinâmica diferente do mercado e o modelo de negócio que contempla mais o formato vai ser bem sucedida. É uma questão de ganhar dinheiro com o consumidor — por exemplo o pay wall, que tem aumentado. A Abril subiu o pay wall, entendendo que a dinâmica agora é outra. Lancei uma nova marca no Brasil, a Wired, que nasceu como revista, mas hoje é mais relevante pelos eventos do que pela própria publicação. Ela tem um legado importante, mas é mais contundente através da Wired Conference e Wired Festival. Lançamos a marca do Festival, no Rio, com a 2a edição em SP e em dezembro teremos um novo evento no Rio. É um jeito novo de trabalhar a revista. Acho que é a primeira vez que fazem isso.
Desfile na Veste Rio, evento realizado pelo Globo e revista Vogue — conteúdo muito além do impresso
Os IDs têm absorvido muito da influência que antes era apenas dos veículos. Como tem observado esse movimento e capacitado seus jornalistas?
Estimulamos essa prática sim, não é uma questão de capacitação, é afinidade, é algo que vai da pessoa. Não existe treinamento para influenciador, é preciso carisma, espontaneidade. Não vejo como concorrência, mas sim um jogo complementar — as influenciadoras digitais que estão em início ou meio de carreira precisam de uma base para se consolidar, então observo até mesmo quando fazemos uma matéria no impresso com um influenciador, eles ficam muito empolgados, pois é uma forma de validação do seu trabalho.
Qual a principal fonte de receita hoje?
O offline é a principal fonte ainda hoje, mas o digital é o que mais cresce. Temos mais da metade do faturamento offline, mas o vetor de crescimento é digital e ali dentro existe a programática, que tem crescido também nos últimos três anos e tem espaço para crescer. Tenho estudado bastante isso, tanto no aspecto técnico quanto em negócios. Podemos assegurar uma taxa de view ability, ou seja, quantos viram um anúncio, que depende de onde ele foi colocado, se carrega rápido. E também uma questão de negociação. É um formato novo, não operamos mais do que dois anos ainda, estamos aprendendo. Tem branded, vídeos com anúncios antes, tem espaço para crescer ainda mais.
O jornalismo de qualidade ainda é atrativo comercial?
É claro. O conceito de caça-cliques e tudo que envolve é típico de site de fofoca. Todas as empresas jornalísticas querem sempre a qualidade. Sem dúvida alguma é atrativo, principalmente nesse momento de confusão. Claro que são coisas novas no Brasil e no mundo, onde está havendo, neste momento, muita corrupção, como nas eleições americanas, francesas e agora a alemã.
É importante manter a qualidade não apenas para evitar a proliferação de fake news, que é um fenômeno que tende a perder tamanho com o tempo, mas pelo exercício da cidadania em um regime de democracia. Nos países em que jornais evoluíram muito e oferecem conteúdo excepcional o negócio cresce. Como no The New York Times e o Washington Post, que foram dois dos veículos que mais cresceram no ano passado. Temos um dever de casa por aqui e eu, principalmente, tenho estudado muito isso. Temos que assegurar a melhor experiência de consumo de conteúdo. Não basta um bom texto, tem que estar customizado, com um anúncio ali que é fácil de achar. Na esfera associativa, jornais e revistas têm que se juntar e fazer campanhas de valorização do meio para o consumidor.
Só existe democracia onde há imprensa livre e competente podendo atuar. Só que isso não basta para deslancharem, é preciso fazer o dever de casa bem importante com os consumidores”
Fred Kachar