Na tarde do dia 21 de novembro, uma segunda-feira, o Facebook da revista Globo Rural iniciou, às 15 horas, uma transmissão ao vivo, com uma especialista em ervas aromáticas, acompanhada por milhares de pessoas. No momento em que essa reportagem foi escrita, já alcançava 35 mil visualizações, com apenas um dia no ar. Não é nenhuma novidade dizer que o jornalismo digital tem sido responsável por uma grande revolução no direcionamento dos investimentos das empresas de comunicação no Brasil nos últimos anos.
Segundo dados do relatório anual Digital News Report, produzido pelo Reuters Institute for the Study of Journalism, no Brasil, 72% dos entrevistados afirmaram consumir notícias a partir de mídias sociais. As principais redes utilizadas para se informar são: Facebook (69%), WhatsApp (39%), YouTube (37%) e Twitter (13%). Se essa transição foi mais rápida e evidente nos grandes portais de notícia, na mídia especializada a presença das publicações em meio digital acontece de maneira particular, a exemplo dos veículos que tiveram jornalistas contemplados com o Prêmio Especialistas 2016.
Como é o caso de Raphael Salomão, repórter da revista Globo Rural, que, além da edição impressa, possui a versão digital, o site, com noticiário atualizado diariamente, um aplicativo para iOS e Android e, ainda, as plataformas Instagram, Twitter e, como já citado, o Facebook. “Além de divulgarmos conteúdo, fortalecemos a interação com nossos leitores”, diz.
Também voltada para a área do agronegócio, no Canal Rural, a apresentadora e editora-chefe, Kellen Severo, aponta um recente caso de grande repercursão: “A força das redes sociais foi responsável pelo acesso a Trump e o agronegócio, que atingiu 13 mil compartilhamentos em menos de 24 horas”, conta sobre o post produzido na manhã da vitória do candidato republicano à presidência dos Estados Unidos.
Profundidade
Após 17 anos de atuação na revista Minérios e Minerales, Lilian Moreira trabalha agora em uma nova proposta, o portal Conexão Mineral. “É desafiador tentar adaptar conteúdo técnico para as redes sociais”, conta a editora, que afirma que, dependendo da complexidade, o conteúdo completo só estará disponível no site. No entanto, a ideia é trazer alguns pontos específicos para essas mídias. “Por exemplo, uma matéria técnica sobre processamento mineral pode ganhar uma postagem no Instagram, com uma imagem interessante relacionada a esse conteúdo, que agradará aos profissionais e estudantes da área”, afirma.
Marcelo Fairbanks, editor das revistas Química e Derivados e Petróleo e Energia, atua há 27 anos nas editorias técnicas e também reforça esse ponto sensível. “Os novos meios aceleram o processo da comunicação, mas isso opera pela redução da profundidade da informação; para quem está em um setor especializado, é complicado gerar um conteúdo mais completo”, diz.
Os novos meios aceleram o processo da comunicação, mas isso opera pela redução da profundidade da informação; para o especializado, é complicado gerar um conteúdo mais completo
As avaliações junto ao leitor especializado são fundamentais para se orientar. É o caso das revistas Plástico Industrial e Corte e Conformação que, de acordo com a editora sênior, Hellen Corina de Oliveira e Souza, estão apenas em suas versões em sites, mas não em outras plataformas digitais. “De acordo com sondagens feitas junto a leitores e anunciantes, o meio impresso continua sendo o mais importante para as publicações da casa e, por isso, damos prioridade a ele”, conta.
Já Francisco Alves, editor das revistas Saneamento Ambiental e Brasil Mineral, explica que a mudança foi necessária: “Embora a atual geração de leitores ainda seja majoritariamente analógica, eles também estão se inserindo nos meios digitais, mesmo que de forma limitada; a nova geração de leitores já é aficionada a esses novos meios”, avalia.
Disputa?
A peleja entre impresso e digital vem sendo superada. “Assim como no mercado editorial dos livros, o produto digital não roubou espaço do físico, apenas complementou a oferta; nos segmentos de revistas, há espaço para todos”, explica Paulo Campo Grande, editor da revista Quatro Rodas, com mais de duas décadas de experiência no mercado automotivo. Ele aponta que o que muda na produção dos conteúdos se diferencia na profundidade da abordagem. “O lançamento deve ser noticiado no site, enquanto o teste completo comparativo entre os concorrentes, a explicação das tecnologias ficam a cargo da revista”, compara.
Essa mudança na abordagem, muitas vezes, implica equipes diferentes, como ressalta Luiz Montanini, editor do JornalCana. Há 15 anos no setor, ele conta não estar diretamente ligado com as interfaces digitais do produto, mas que elas fazem parte da publicação. “Temos o Twitter, o Facebook e o portal JornalCana; edito apenas a versão impressa e o digital é conduzido por outra equipe”, enumera.
Jornalista especializado no segmento de Turismo e Hotelaria, Artur Andrade, editor do jornal Panrotas, pondera que “o cross-channel é importante para que a notícia seja consumida nos diversos ambientes, mas em alguns casos esse recurso pode gerar repetição, o que não é bom”.
“O público já se acostumou a procurar constantemente as novidades e nossas informações são atualizadas diariamente, mais de uma vez, para atender a essa demanda provocada pela internet”, conta João Geraldo, editor-chefe da revista O Carreteiro, focada no transporte rodoviário. A publicação possui canais nas redes sociais e aplicativo próprio. Na tevê, tem parceria com o Pé na Estrada, exibido na Rede Bandeirantes. “Produzir mídia especializada não é diferente de outros setores, pois atualmente, qualquer que seja a área, a informação precisa chegar o mais rápido possível”, observa.
Há mais de uma década a RISI, publicação voltada a informações da indústria global de produtos florestais, distribui 100% de seu conteúdo em plataforma digital. Recentemente, a empresa lançou um aplicativo que envia alertas de preços das commodities e outros produtos. “Já nas redes sociais, nosso maior foco fica com o Twitter e LinkedIn”, ressalta a editora sênior, Marina Faleiros.
Distribuição
Presente no Twitter, Facebook, YouTube e Instagram, a Eletrolar News organiza todos os seus recursos de difusão de conteúdos e também aposta em um aplicativo, durante a cobertura completa, em tempo real, da Feira Eletrolar Show, realizada todos os anos em São Paulo. “Não há dúvida de que uma nova audiência se formou com as redes sociais”, observa a editora-chefe, Leda Cavalcanti.
Com 18 anos, a revista Envolverde tem atuação sólida nas plataformas digitais. As ferramentas utilizadas pela publicação atingem dois tipos de público. “Enquanto o leitor do site está disposto a buscar informações mais consistentes, com maior densidade de dados e análises, o público do Facebook e do Twitter quer a informação mais light, sem muito detalhamento, mas com objetividade”, enumera Dal Marcondes, diretor de redação.
Hoje, produzir mídia especializada não é diferente, pois a informação precisa chegar o mais rápido possível
No caso da revista AnaMaria, há um direcionamento das informações da revista para cada recurso de social media. “Todo conteúdo que vai para o Facebook é o que está na revista, porém, enxugamos os textos na hora de publicar na rede social; com relação ao Instagram, é focado basicamente em receitas, e no YouTube em dicas exclusivas de culinária e limpeza”, conta a repórter Júlia Arbex, que destaca: “Acreditem, nossas leitoras acompanham as três mídias”.
Já nos grandes jornais, a quantidade de informações de seu noticiário é difundida minuto a minuto. E as pautas setoriais também entram nessa dinâmica. Um exemplo é o recente lançamento dos aplicativos Estadão Realidade Virtual e Caderno Interativo Siemens.
“O Estado de S. Paulo é um dos pioneiros em plataforma digital e notícias em tempo real, com o Broadcast; em tempos de redes sociais, impossível ignorar as novas plataformas digitais”, conta a repórter Mônica Scaramuzzo. Na sua opinião, os leitores da mídia tradicional estão migrando aos poucos para outras plataformas e a publicação tem acompanhado essa tendência. “O Estadão tem estimulado a leitura digital, com novas ferramentas de acesso à rede; é o futuro do jornalismo”, ressalta.Entre os anos de 2012 e 2013, o jornal Valor Econômico lançou o Valor PRO, serviço em tempo real de divulgação de índices e notícias.
“Nesse caso, nós lidamos exatamente com a audiência que esperávamos, porque é necessária a cobertura setorial e especializada – então o que talvez tenha mudado seja um maior tecnicismo nos textos”, conta o repórter Renato Rinaldi Ribeiro Rostás, que também alerta para um detalhe particular: “Técnicas específicas têm de ser empregadas para se aproveitar do algoritmo usado em cada rede”.
Para Circe Bonatelli, repórter do jornal O Estado de S. Paulo e da Agência Estado, as ferramentas multimídia também abrem inúmeras possibilidades e merecem ser exploradas. “No final das contas, o que vale mesmo é produzir conteúdo com clareza e profundidade suficientes para fidelizar os leitores”.