Do entretenimento ao endividamento, o caminho tem sido curto quando o ponto de partida é um influenciador digital. Os recentes casos da influenciadora Virgínia Fonseca, que chegou a ter o pedido de indiciamento sugerido na CPI das Bets por promover plataformas de apostas – o que não aconteceu -, e do humorista Nego Di, condenado a mais de 11 anos de prisão por divulgar uma loja virtual fraudulenta, escancaram os riscos do consumo digital incentivado por celebridades da internet.

“Esses episódios demonstram que o Código de Defesa do Consumidor permanece aplicável, mesmo em contextos não convencionais como redes sociais e plataformas de apostas”, afirma a advogada Renata Abalém, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC). Para ela, os dois casos sinalizam o fim de uma era de impunidade para influenciadores e marcam o início de uma nova fase de responsabilização.
“A atuação desses perfis, quando revestida de autoridade emocional ou simbólica, passa a ser reconhecida como vetor de consumo e, portanto, como passível de controle legal e institucional”, explica a especialista. “E coloca os influenciadores sob o mesmo crivo que os outros fornecedores, desnaturalizando o poder da imagem sem responsabilidade”, acrescenta Abalém.
No caso de Virgínia, que possui mais de 50 milhões de seguidores – e é considerada uma das maiores influenciadoras do país, e uma fortuna estimada em 400 milhões de reais -houve até a ideia de propor seu indiciamento no relatório da CPI das Apostas, o que não avançou. No caso, a influenciadora utilizou uma conta de demonstração sem deixar claro que os ganhos exibidos não eram reais, levando seguidores a acreditarem que ela estava, de fato, apostando e lucrando.
“Quando o engajamento é convertido em lucro, cria-se um vínculo de consumo. A comunicação do influenciador, que parece espontânea, se transforma em uma relação comercial disfarçada”, pontua Renata.
A especialista explica ainda que o maior perigo está no poder emocional exercido por esses perfis. “O influenciador detém controle da narrativa e oculta as intenções comerciais. O consumidor, vulnerável por natureza, é capturado por enredos cuidadosamente roteirizados para parecerem reais, íntimos e desinteressados”, afirma. Abalém,
Ela lembra ainda que o ambiente digital reduz as barreiras de desconfiança. “nova publicidade simula intimidade, pois a comunicação feita por influenciadores é construída com base em proximidade emocional, e não em linguagem comercial tradicional”, diz Abalém.
Já no caso de Nego Di, a atuação foi ainda mais grave. O humorista usou sua imagem para divulgar a loja virtual Tadizuera, que oferecia produtos com preços muito abaixo do mercado e não entregava os pedidos. Mais de 370 pessoas foram lesadas. A Justiça do Rio Grande do Sul concluiu que ele fazia parte do esquema e o condenou a 11 anos e 11 meses de prisão por estelionato.
“Os dois episódios indicam que o Brasil pode estar inaugurando um novo ciclo de vigilância institucional sobre práticas digitais abusivas, que obriga não apenas influenciadores, mas também empresas, agências e plataformas, a reverem seus critérios de publicidade, contrato e transparência, ou seja, ampliam a necessidade de um compliance consumerista”, analisa a especialista.
Números
Os dados da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) reforçam essa urgência. Somente nos quatro primeiros meses de 2025, mais de mil reclamações foram registradas envolvendo plataformas de apostas, com destaque para bloqueio de contas, não pagamento de prêmios, publicidade enganosa e dificuldade de atendimento.
A Senacon publicou uma nota técnica conjunta com o Procon-RJ reconhecendo a existência de relação de consumo nessas plataformas e sugerindo diretrizes para fiscalização, incluindo: verificação da transparência nas relações comerciais; pesquisa de antecedentes do anunciante; documentação da oferta; garantia de canais formais de atendimento e estímulo à denúncia e à reclamação formal.
Diante do aumento de fraudes e manipulações emocionais nas redes, o Senado aprovou um projeto de lei que restringe a publicidade de apostas por influenciadores, atletas e autoridades públicas. A proposta aguarda agora análise na Câmara dos Deputados.
“Não é mais possível naturalizar o poder da imagem sem responsabilidade. A partir do momento em que a influência se converte em venda, o influenciador passa a ser equiparado a qualquer fornecedor e precisa responder por isso”, conclui Renata Abalém.